João Batista Piva é um pequeno cafeicultor de Poços de Caldas, município no sul de Minas Gerais, região que graças às altitudes que variam de 850 metros a 1,2 mil metro, transformou-se numa das mais tradicionais produtoras de café arábica do País. No sítio São Lourenço, dos 18 hectares Piva cultiva essa variedade do grão em 12 hectares. Apesar de ser um pequeno produtor, condição que, em tese, seria desvantajosa no momento de vender sua produção de 350 sacas por ano, Piva consegue pelos grãos preços até 45% superior aos praticados no mercado, hoje na faixa de R$ 350 a saca. Piva faz parte de um grupo de 55 produtores integrados à Associação dos Agricultores Familiares do Córrego d’Antas (Assodantas), que está apostando em uma modalidade de negócios chamada fairtrade (expressão em inglês que significa comércio justo). No fairtrade, os produtores garantem que utilizam boas práticas na aplicação correta de defensivo agrícola, não empregam mão de obra infantil na lavoura e colaboram para o bem-estar da comunidade. “A base do fairtrade é aliar a produção às boas práticas ambientais e sociais”, diz Piva, que também é presidente da Assodantas. “Ser correto é a senha para preços melhores.” O atestado de boa conduta no campo é concedido pela Fair Trade Labelling International Organization (FLO), certificadora criada em 2002, na Alemanha.

Adotada pela Assodantas em 2011, a iniciativa dos agricultores ganhou uma grande visibilidade, fazendo com que, no final de outubro deste ano, Poços de Caldas tenha sido declarada Cidade de Comércio Justo (Fairtrade Town) pela FLO. Hoje, Poços de Caldas é a única Fairtrade Town no Hemisfério Sul, um feito e tanto para um município de 150 mil habitantes. “Com a cidade se comprometendo a comprar, vender e consumir produtos fairtrade, os agricultores ganham um status que não possuíam”, diz Ivan Figueiredo, diretor da regional Sul do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae-MG). “Os cafeicultores podem ser um modelo para que outros produtores se inspirem.” O Sebrae é uma das instituições que apoiam a implantação do Comércio Justo e fomentam esse tipo de iniciativa em todo o País. Além da Assodantas, há outros 38 grupos de produtores de café que praticam a modalidade, que se estende para outros 17 produtos já certificados, entre eles o mel no Piauí, a manga na Bahia e a laranja em São Paulo, em sua maior parte exportados.

 

Para se tornar uma cidade com o selo da FLO, Poços de Caldas precisou atingir seis metas. A primeira foi criar um decreto municipal de apoio ao projeto. A segunda, conseguir que as repartições da prefeitura local se comprometessem a consumir os produtos fairtrade. Também figuram entre as metas, a integração de universidades da cidade e a criação de um plano de marketing. A quinta foi fazer com que as lojas de varejo, food service e hotéis da cidade passassem a servir o café certificado. Finalmente, a última das exigências era obter o apoio de uma grande empresa. No caso, quem aderiu ao projeto foi a multinacional americana Alcoa, uma das líderes mundiais de produção de alumínio. 

Para processar o café da Assodantas, a FLO certificou a torrefadora Spress, com sede na cidade. Em 2013, a Spress pretende torrar com o selo fairtrade 16 mil sacas de café, sendo 14 mil sacas produzidas pela Assodantas. Para Cristiano Carvalho Otoni, sócio da torrefadora, ser a primeira indústria brasileira a se certificar e colocar o selo fairtrade em suas embalagens de café pode abrir muitas portas. “O consumo de cafés diferenciados, como os especiais, os orgânicos e os gourmets, está aumentando no Brasil”, diz Otoni. “O café fairtrade pode ser parte desse movimento.” Segundo ele, a Spress pretende colocar o produto em mercados de grande expressão, como São Paulo e Rio de Janeiro. A meta de Otoni é que as vendas da torrefadora cresçam 20% em Poços de Caldas e 5% no Brasil.

Segundo Naji Harb, presidente da Fairtrade Brasil, com sede em São José do Rio Preto (SP), em 2013 mais cinco cidades devem passar pelo processo de certificação e fazer companhia ao município mineiro. Entre as candidatas estão Campos do Jordão (SP) e Curitiba (PR). “É importante a presença das capitais porque elas podem dar mais visibilidade a esse nicho de mercado”, diz Harb. Nos próximos dois anos, a meta é dobrar o número de grupos de agricultores com o selo fairtrade no País. No mundo, há 1,2 milhão de produtores e 27 mil produtos com selo que garantem um faturamento anual de ( 3,4 bilhões. Mais de mil cidades, em 70 países, praticam o comércio justo. No Reino Unido, por exemplo, 5% do chá, 5% das bananas e 20% do café consumido são fairtrade. “Em Londres, que já tem o comércio justo como uma cultura local, há bares exclusivos que só servem esses produtos”, diz Harb. Na Suíça os índices são ainda maiores: 47% das bananas, 14% do mel e 9% do açúcar consumido no país são fairtrade.