Dentro de um armazém para 250 mil sacas de 60 kg de café em uma grande cooperativa no interior de São Paulo, as vozes e o barulho da movimentação das máquinas ecoam alto no espaço que tem apenas cerca de 25% de sua capacidade ocupada.

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A situação ocorre após vendas aceleradas de produtores de café brasileiros que deixaram os estoques disponíveis nos menores patamares já vistos, à medida que eles aproveitaram para fechar negócios na escalada de preços desde 2024.

As cotações globais do café quase dobraram nos últimos 14 meses, uma vez que o mau tempo reduziu as colheitas nos principais fornecedores mundiais, Brasil e Vietnã, aumentando o custo do “cafezinho” no mundo todo.

As perspectivas para a nova safra no Brasil continuam pouco animadoras, o que significa que os consumidores podem novamente demandar mais café do que o produzido globalmente em 2025 — pela quarta vez nos últimos seis anos.

“É uma das primeiras vezes que a gente atingiu um estoque tão baixo e tão longe da safra, sendo que a gente está aí a quatro a seis meses da (colheita da nova) safra”, disse Willian César Freiria, gerente de comercialização de café da cooperativa Cocapec, com sede em Franca (SP).

A Cocapec, instalada em uma das mais tradicionais regiões do café, no norte paulista, recebeu 1,1 milhão de sacas de grãos 100% arábica em 2024, versus 1,5 milhão em 2023, por conta da quebra de produção.

“Até a nova entrada de café, nós teremos muito pouco a ser comercializado. E não é só a nossa cooperativa, mas o Brasil todo está nesse mesmo percentual de comercialização”, disse Freiria.

Segundo ele, normalmente as vendas de produtores da safra anterior atingem cerca de 80% a 90% do total no início da nova colheita, no final de maio. “Mas em fevereiro já passamos desse volume”, ressaltou.

Além de Franca, a Cocapec tem armazéns em outras cidades paulistas e em Minas Gerais. O volume total de café armazenado nas unidades da cooperativa não foi revelado.

Falta café para repor

Não muito longe de Franca, em Guaxupé (MG), sede da Cooxupé, a maior cooperativa de cafeicultores e exportadora de café do Brasil, os armazéns têm maiores volumes, mas os fundamentos são os mesmos, com praticamente todo o produto já comercializado.

Os estoques de grãos da Cooxupé no seu mega complexo do Japy, com capacidade total para 2,6 milhões de sacas de 60 kg, ocupavam cerca de 70% dos armazéns de “big bags” em meados deste mês, disse o coordenador de armazéns, André Silva Pinto, à Reuters. Praticamente metade dos 45 silos graneleiros tinham café.

“A maior parte já foi comercializada… Está aguardando para fazer o rebeneficiamento”, observou Silva Pinto, quando caminhava por um dos armazéns, acrescentando que o índice de ocupação era semelhante nas outras estruturas do Japy.

Mas esses volumes deverão ser reduzidos nos próximos meses, em função da entressafra.

“Até maio, os armazéns (do Japy) vão estar com 80% da capacidade (sem café) para ser ocupada com a nova safra”, estimou Silva Pinto, enquanto mostrava as instalações da Cooxupé, que foi pioneira em instalar silos graneleiros para armazenar café, uma estrutura que agiliza a logística.

O superintendente comercial da Cooxupé, Luiz Fernando dos Reis, comentou que os números de venda da cooperativa estão em linha com os do mercado, com cerca de 90% da safra passada já comercializada.

A consultoria Safras & Mercado estima que os produtores no Brasil venderam 88% da safra de 2024, enquanto a corretora Pine Agronegócios diz que restam apenas 8% do produto da safra passada. Ambas as projeções superaram as médias históricas.

“Então, há pouco café na mão do produtor para vender”, afirmou Reis, acrescentando que a cooperativa conta com reservas para honrar seus compromissos de vendas até a nova safra.

O superintendente comentou que os preços chegaram a patamares jamais vistos porque, diferentemente de anos anteriores, o Brasil não tinha estoques suficientes para regular o mercado.

“Sempre que subiu (o preço), logo em seguida teve uma correção, porque a gente sempre teve estoque, então a gente utilizava aqueles estoques, e o mercado tinha café para ir trabalhando”, afirmou.

A Cooxupé, que também só negocia grãos arábica, exportou 5 milhões de sacas em 2024, cerca de 10% do total embarcado pelo país no ano passado. Nos seus 21 armazéns, espalhados por vários municípios, a cooperativa tem capacidade estática para 7,2 milhões de sacas.

“O nosso (estoque para cumprir compromissos) aqui não muda muito. O (estoque) do cooperado (não comercializado) realmente é o mais baixo da série histórica que a gente tem aqui de todos os anos”, explicou Reis.

“Você vai ver café nos armazéns. Porém é o café da conta da cooperativa, que já foi vendido pelo produtor, e que a cooperativa já vendeu para o cliente. É o café que vai ser processado nos próximos meses e embarcado”.

‘Insano’

O cafeicultor Osmar Junior cultiva, que é cooperado da Cooxupé e produz grãos de arábica em Piumhi, município no sul de Minas Gerais, disse que nem ele nem seus vizinhos têm café para vender, enquanto o produtor Luis Norberto Pascoal, proprietário da Daterra Coffees, concorda com o superintendente comercial da Cooxupé.

“O que está acontecendo é algo insano… Passar de US$4,30 (na bolsa ICE) é algo que não faz sentido. Mesmo subindo bastante, deveria estar em 3,20/3,40″, disse ele, estimando, contudo, que a commodity não voltará para os níveis entre US$2,50 e US$3 por libra-peso.

Recentemente, os preços do arábica tiveram queda, mas ainda operaram na faixa de US$3,78/libra-peso na última sexta-feira, após máxima de mais de US$4 no início de fevereiro.

Pascoal comentou que no patamar de US$4 o mercado não “aguenta”, numa situação que o comprador final não consegue suportar.

Para o produtor Paulo Armelin, que negocia café diretamente com empresas dos Estados Unidos geralmente com prêmios de qualidade — com compromisso de entrega, mas não de preço fixo — alguns clientes estão querendo renegociar, enquanto os seus diferenciais caíram em um mercado conturbado.

“Estou renegociando neste momento com o primeiro deles. O que mais reclama. Em geral, a gente conversava em dezembro, mas eles atrasaram a conversa, porque acho que achavam que iria cair. Mas só piorou”, disse.

Ele disse que costumava vender café a US$2,50/libra-peso quando a bolsa indicava US$1,00, e a US$3,10 quando o mercado estava a US$1,80, mas que agora seus diferenciais encurtaram mais com a cotação de tela próxima de US$4.

O cafeicultor confirmou que muitos de seus colegas já venderam tudo da safra passada e alguns poucos ainda têm o produto.

“Tem gente que vendeu tudo, rapou o armazém. Começou a subir, povo começou a ver margem melhor, eles foram vendendo”, declarou.

Armelin, entretanto, é uma exceção. Prevendo uma safra menor em 2025 após a seca de 2024, ele disse que ainda tem 40% de sua colheita para vender. “Normalmente eu já teria vendido, mas quero ter uma reserva porque safra de 25 vai ser menor, então talvez os preços segurem mais.”