13/11/2018 - 15:01
A cena que abre um filme de 30 segundos no canal Youtube, produzido pelo Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), é a de uma balada, com muita gente jovem dançando, se jogando numa piscina, comendo batata frita ou se equilibrando em um skate. A música eletrônica acompanha garrafas de vinho sendo agitadas, mergulhadas em tonéis de gelo, com a bebida degustada até em copos plásticos. Em contraste com as imagens irreverentes, uma voz feminina, que poderia ser a de uma sommelière, explica que para garantir as características de um vinho, a garrafa deve ser mantida na posição horizontal, longe da luz e do barulho, em taças adequadas para preservar aromas, além das necessárias harmonizações ao rito da bebida. Ou seja, as imagens não se casam com a mensagem. Mas a composição é proposital. As cenas, diametralmente opostas ao texto, é o coração da campanha “Seu vinho, suas regras”, do Instituto Brasileiro de Vinho (Ibravin). A ideia é levar uma nova geração a incorporar a bebida em seus hábitos de consumo, não importando quais sejam. Isso porque a produção do Rio Grande do Sul de bebidas à base de uva, entre vinhos, espumantes e derivados, que no ano passado chegou a 485,4 milhões de litros, volume 141,8% acima do ano anterior, ainda é muito baixa. O Estado responde por 90% da produção de vinhos no Brasil. Com isso, o País ocupa a 14ª posição no ranking dos maiores produtores do mundo, um setor que no ano passado movimentou € 30,4 bilhões em exportações, segundo dados da Organização Internacional do Vinho (OIV), com sede em Paris.
Juntando o vinho importado, o brasileiro consome cerca de dois litros per capita ao ano, volume irrisório ante 30 litros nos países europeus e cerca de 20 litros nos países próximos, como a Argentina e o Chile. Mas, mais grave que isso, é a marcha lenta na qual a indústria vinícola brasileira tem andado nos quatro anos anteriores a 2017 e que o setor espera reverter em 2018, inaugurando o início da ascensão a um novo patamar de consumo. Os desafios são grandes e diversos, indo da disputa de espaço com os vinhos importados a tributos que oneram além da conta a indústria nacional. Os impostos, hoje concentrados na saída do produto nas vinícolas, podem dobrar o preço da bebida.
Por exemplo, um vinho que custaria R$ 78 sem imposto, chega ao consumidor por R$ 158, ou seja, a indústria banca R$ 80 antes da venda do produto ao consumidor. Mas o setor, composto por cerca de 150 vinícolas, parece decidido a enfrentar os desafios dessa cadeia tem investido para isso. “Em 2018, estamos produzindo o que chamamos de safra de vinhos lendários”, diz Adriano Miolo, herdeiro e superintendente do grupo Miolo, com sede em Bento Gonçalves (RS), que deve faturar R$ 150 milhões neste ano. “Temos a melhor safra da Miolo dos últimos 18 anos e ela abre uma nova página na nossa história”.
A partir dos anos 2000, a empresa iniciou um agressivo processo de expansão, no qual já foram investidos R$ 100 milhões. Atualmente são R$ 5 milhões anuais em ações de marketing. O executivo se refere à safra 2018 já encerrada no Sul do País, e na Bahia nos próximos meses, como uma das melhores em função do clima seco, o que leva a uma fruta com maior concentração de açúcares e taninos. “A qualidade da safra vai nos levar a vinhos de excelência”, afirma Adriano. A Miolo colhe cerca de dez milhões de quilos de uvas por safra, em mil hectares de vinhedos próprios. E coloca no mercado bebidas que começam em cerca de R$ 20 a garrafa ao consumidor, até R$ 800, como pode chegar o lote chamado Sesmarias que chegará no mercado em 2020. No ano passado, a Miolo vendeu oito milhões de garrafas de vinhos. “Mas queremos voltar a vender dez milhões de garrafas, como aconteceu em 2014”, afirma Adriano.
Para o executivo Oscar Ló, presidente do Ibravin e da cooperativa Vinícola Garibaldi, composta por 400 agricultores de 15 municípios da região da Serra Gaúcha, não há outra saída se não investir. A cooperativa está aplicando R$ 7,5 milhões neste ano, em melhorias estruturais para aumentar a capacidade de processamento de uvas. “O montante é o dobro do inicialmente previsto”, diz ele. “Tivemos um evidente ganho de mercado no segmento de espumantes, o que antecipou a consolidação de uma das diretrizes da cooperativa, que é investir na ampliação do recebimento de uvas brancas para espumantes.”
O plano da cooperativa é aumentar em 40% a capacidade de processamento de uvas, ou crescer até 50% no volume dos espumantes, chegando a 25 milhões de quilos de uvas processadas até 2020. Na safra 2017/2018 foram 20 mil toneladas de uvas processadas, com produção de 15 milhões de litros de bebidas, das quais oito mil toneladas para suco, seis mil toneladas para espumantes, quatro mil toneladas para vinhos e duas mil toneladas processadas para outras indústrias. “O espumante nacional se consolidou e o vinho ainda não”, afirma Ló. “Mas o preconceito em relação ao produto nacional não existe mais, o consumidor gosta de experimentar novidades e é nisso que apostamos.”
Na vinícola Aurora, de Bento Gonçalves (RS), com receita de R$ 512 milhões e previsão de 10% de aumento neste ano, os investimentos são de R$ 30 milhões e visam a reestruturar o parque industrial. Das três unidades localizadas no chamado Vale dos Vinhedos, uma está sendo ampliada para envasar todo o suco de uva a partir do início de 2019. Atualmente, ele é de 35 milhões de litros e a previsão são 70 milhões em cinco anos. De acordo com Hermínio Ficagna, diretor-geral da Vinícola Aurora, a ordem é gerir processos. “Com estratégia, a economia anual será de R$ 3 milhões em processos e logística”, diz ele. As 61,5 mil toneladas de uvas entregues à indústria neste ano foram cultivadas por 610 grupos familiares. Atualmente, os vinhedos ocupam 2,7 mil hectares, mas com os investimentos serão necessários mais 800 hectares para cobrir a demanda.