20/05/2016 - 18:52
Ha exatos dois anos, o zootecnista Jorge Espanha assumiu a presidência da Merial, a subsidiária de saúde animal do grupo farmacêutico francês Sanofi, com a missão de tornar mais robustos os negócios da companhia no País. O convite para comandar a subsidiária da multinacional no Brasil, além de Paraguai e Bolívia, surgiu devido a sua experiência de duas décadas no setor. Espanha já trabalhou em gigantes da área de saúde animal, entre elas a Zoetis, e conhece como poucos os entraves e as potencialidades de um negócio que movimenta globalmente US$ 25 bilhões em produtos para bovinos, suínos, aves e pets, dos quais US$ 4,5 bilhões são no Brasil. Formado também em marketing e gestão na Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, no início deste ano ele assumiu mais uma posição, a de presidente da Associação Brasileira de Marketing Rural & Agronegócio (ABM&A). Em entrevista à DINHEIRO RURAL, o executivo falou sobre os desafios de criar uma marca Brasil para o setor. “O agronegócio precisa de uma agenda básica e positiva”, diz Espanha. “Há uma troca de geração na pecuária e isso vai nos levar a uma nova fase ainda mais tecnológica.”
DINHEIRO RURAL – Como foi o desempenho do setor de saúde animal no ano passado?
JORGE ESPANHA – O setor de saúde animal registrou um crescimento na casa dos dois dígitos no ano passado, entre 10% e 12%. É isso que devem mostrar os dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos de Saúde Animal, ainda não apresentados oficialmente. Cresceu em função de novos produtos e tecnologias e pelo reajuste de algumas empresas que trabalham com precificação em dólar. Mas houve queda preços em alguns setores, como é o caso da vacina contra a febre aftosa e dos protocolos da área de reprodução, da ordem de quase 20%.
Rural – A Sanofi anunciou, em dezembro do ano passado, a intenção de fazer uma troca de ativos com a alemã Boehringer, entregando a sua área de saúde animal. Como está o processo?
ESPANHA – Os dois grupos estão conversando. O processo está evoluindo, mas leva um tempo porque um negócio que envolve E 4,7 bilhões não é uma operação simples. A troca de ativos pode acontecer para que cada companhia concentre esforços na sua atividade mais expressiva. Por exemplo, a Sanofi é especializada em humanos, portanto, a troca de ativos é uma opção atraente. Mas esse é um processo longo que envolve a área jurídica e trabalhista na Europa e no Brasil.
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RURAL – Qual tem sido o impacto da valorização do dólar no setor de saúde animal?
ESPANHA – O custo subiu significativamente nos últimos 24 meses. Isso aconteceu porque os insumos de alguns produtos veterinários são importados. Um estudo que realizamos apontou que, para os pecuaristas, houve um incremento do custo de até 9% no valor dos produtos de saúde animal. Para a indústria, o custo subiu 40% nos produtos importados, que representam 50% do custo total atualmente. No final das contas, o custo para a indústria foi 20% superior, mas ela conseguiu repassar apenas a metade. Mesmo assim, o custo com saúde animal é, em média, 3,5% do custo de produção. O Brasil permanece com um dos menores índices de custo de produtos veterinários, no mundo.
RURAL – Há risco de estagnação nesse setor?
ESPANHA – Não, eu diria que no setor de saúde o mercado de proteína animal (suínos, aves e bovinos) e equinos atingiu uma maturidade. O Brasil tem 55% do seu negócio de veterinária voltado para grandes animais, ruminantes e equinos, e em torno de 22% relacionado à avicultura e suinocultura. Depois, vem o mercado de animais de companhia, os pets, com 20%. As vendas de produtos pet devem ultrapassar a avicultura em um espaço muito curto de tempo. É uma tendência sem volta.
RURAL – O que tem determinado o ritmo dos investimentos em sanidade pecuária?
ESPANHA – Existem diferentes tipos de produtor. Tem aquele pecuarista inovador, que não abre mão da tecnologia. Tem aquele que pensa sempre no retorno da tecnologia, mas usa o mínimo possível, por estar satisfeito com os resultados, e tem um terceiro que não possui muito controle da produção, que eu chamo de curioso. Nessas três categorias, quem nunca abriu mão de tecnologia permanecerá na busca pelo melhor preço na negociação, de uma maneira mais agressiva. O segundo, que usava cinco produtos, três de tecnologia de ponta, como os antibióticos de última geração, e dois de tecnologia simples, vai inverter essa posição. Ele vai pensar duas vezes se usará uma penicilina de R$ 2 ou de R$ 7.
RURAL – Está ocorrendo uma mudança no portfólio dos produtos usados nas fazendas?
ESPANHA – Sim. Agora, é preciso medir na balança o retorno do investimento, o que rendeu em peso aquele produto utilizado. Se ele rendeu mais carne no final do processo, de forma sustentável. Quem tem uma melhor aferição mede os impactos do uso da tecnologia para tomar decisões. Há produtos de nova geração, de altíssimo valor agregado, que em experimento estão mostrando que os animais medicados ganham até oito quilos em 90 dias de uso. Isso é aumento de produtividade. Tecnologias que são comprovadamente eficientes no campo, para pecuaristas que estão dispostos a investir, vão transformar a pecuária. Há um movimento em busca de animais com maior rendimento de carcaça. Os principais frigoríficos e processadores de carne já estão recompensando os produtores por uma carne de qualidade. É um ciclo que o Brasil vai ter de enfrentar e isso requer mais tecnologias empregadas.
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RURAL – Ou mais inovação, como ocorreu nos mercados de suínos e aves?
ESPANHA – A pecuária mudou muito nos últimos dez anos. Há uma década, a Inseminação Artificial em Tempo Fixo, por exemplo, era muito pouco difundida. Hoje, ela é utilizada em cerca de nove milhões de fêmeas, equivalente a 70% do total de 13 milhões de vacas de raças de corte inseminadas. Há uma troca de geração na pecuária e essa substituição de lideranças vai dar a partida para uma nova fase ainda mais tecnológica no setor. Já há fazendas modelo em sustentabilidade, nas quais se coloca 2,2 cabeças por hectare. Isso é mais que o dobro da média nacional.
RURAL – Em que medida é possível ganhar valor agregado nesse processo?
ESPANHA – Ganhar exige que se trabalhe marca. O que demanda por rastreabilidade da cadeia produtiva, que, por sua vez exige tecnologia, processos, sistemas e ferramentas para gerar uma marca confiável. No Brasil, há muitas marcas de carne em construção, mas elas estão se posicionando de forma descoordenada no mercado. O mundo está trabalhando as suas marcas em conjunto e o Brasil, não. O marketing da carne argentina e uruguaia, por exemplo, dispõe de sites globais excelentes para o posicionamento de marca. No Brasil, esse posicionamento não está formado, essa ferramenta básica não existe. É aí que entra a Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMR&A). A entidade pode realizar um trabalho coeso de vender o Brasil como o País do agronegócio.
RURAL – Quais os trabalhos que precisam ser feitos?
ESPANHA – Acho que é preciso um guarda-chuva maior, ligado ao Estado. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne e a Associação dos Produtores de Soja, ambas ligadas à ABMR&A, fazem um trabalho fantástico. Em todo o caso, acho que falta visibilidade amparada no governo, para que tenhamos uma marca Brasil forte.
RURAL – Mas a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) não desempenha essa função?
ESPANHA – Sim, tentativas são feitas. Mas, o agronegóco precisa de uma agenda básica e positiva, para mostrar a força que o setor possui. E ela passa por parceria com as entidades e associações. Nós somos um terço do Produto Interno Bruto Nacional e representamos 40% das exportações no ano passado, mas não se levanta essa bandeira como uma marca Brasil. O Ministério da Agricultura tem trabalhado muito para abrir portas para a exportação, nós queremos consolidar marca. Estamos falando aqui sobre a imagem do agronegócio.
RURAL – Por onde está começando a execução desse projeto da associação de marketing rural?
ESPANHA – Estamos começando a puxar uma pauta. A ABMR&A conta com um grupo de expertise de intelectuais do agronegócio, na publicidade, na agricultura e na pecuária. São publicitários com muita experiência, como é o caso do professor Luiz Tejon, da Escola Superior de Propaganda e Marketing. A ideia é realizar uma avaliação da imagem do nosso agronegócio lá fora. Há relatos de casos de venda de carne brasileira no Exterior rotulada como produto argentino ou uruguaio. Como diz Tejon, precisamos de um movimento de “descommoditização”. Commodity não tem preço, marca tem preço. Commodity é regulada pelo mercado internacional, marca é regulada pela qualidade do produto e pelo seu posicionamento.