02/06/2016 - 13:10
Filho de produtores, o fotógrafo Sebastião Salgado buscou em sua origem a inspiração para registrar a essência do cultivo do café em dez países. A experiência, que durou 12 anos, deu origem a uma exposição mundial
Para concluir o seu mais recente trabalho, o brasileiro Sebastião Salgado, um dos maiores fotógrafos do mundo, foi buscar inspiração em sua origem rural. Criado até os 15 anos na fazenda Bulcão, no município de Aimorés (MG), onde nasceu e na qual a família cultiva café até hoje, o fotógrafo decidiu usar as lentes de sua Leica para registrar a essência da produção do grão. E não ficou apenas em casa. Para mostrar a cultura cafeeira, ele, que completou 72 anos no dia 8 de fevereiro, também percorreu outras lavouras no Brasil, além de plantações na Índia, Etiópia, Guatemala, Colômbia, China, El Salvador, Indonésia, Tanzânia e Costa Rica. As imagens foram capturadas entre 2002 e 2014. O resultado são as 80 fotografias em preto e branco que compõem a exposição.
“Perfume de Sonho – Uma viagem ao mundo do café”, que, de maio a outubro de 2015 esteve na Itália, com mostras em Milão e Veneza. Em abril, as obras chegaram ao Brasil, onde permaneceram até o início deste mês no museu Tomie Ohtake, em São Paulo. “O café é o ganha-pão de 25 milhões de pessoas em 42 países”, diz Sebastião Salgado. “Foi para estas pessoas que dediquei minha atenção. Para eles, o café e a vida são coisas inseparáveis.”
As imagens que compõem a obra sobre o café foram feitas por encomenda da Illycaffè, multinacional italiana que atua há 83 anos no setor. A parceria entre Salgado e a empresa aconteceu em 2002, depois que Andrea Illy, CEO e neto do fundador Francesco Illy, conheceu o projeto de preservação da vegetação nativa da fazenda Bulcão. A propriedade, que fica na região do rio Doce, foi recuperada a partir dos anos 1990, quando a família de Salgado criou o Instituto Terra com o objetivo de cuidar do meio ambiente. O grão, na época, passou a ser cultivado na sombra de árvores, na área destinada ao reflorestamento. “As lentes de Salgado refletem uma importante convicção: para que um produto seja bom, ele precisa ser sustentável. O café é uma riqueza apenas se for produzido de acordo com este princípio”, diz Illy. “As fotos mostram as pessoas no trabalho delas, suas atividades na lavoura, plantio, colheita, secagem e seleção. O café que bebemos diariamente vem desses gestos ancestrais.”
O ponto de partida de Sebastião Salgado foi o município de São João do Manhuaçu, a 200 quilômetros da fazenda Bulcão. Para entregar nos armazéns o grão colhido, com frequência ele acompanhava o pai pelas estradas tortuosas de Minas Gerais. A pesquisadora do núcleo curador do Instituto Tomie Othake, Carolina De Angelis, diz que o envolvimento de Salgado com o cultivo do café é total. “Ele ajudava o pai no moinho, na secagem e na costura das sacarias”, afirma Carolina. “Transparece um clima nostálgico nas imagens da exposição.” Aliás, a relação do fotógrafo com a cafeicultura tem sido constante em sua vida. Economista de formação, o suprimento e a demanda mundial de café foi o tema de sua tese de doutorado, apresentada na Universidade de Paris em 1971. O café também foi o tema de suas primeiras fotos profissionais em 1973, quando era funcionário da Organização Internacional do Café, em Londres. Frequentemente, Salgado registrava as viagens a trabalho, em países como Ruanda, Burundi, Congo e Uganda, no continente africano. Foi justamente a partir destas viagens que ele trocou definitivamente as estatísticas pelas imagens. “Veja que a cultura do café marcou toda essa transição”, diz Carolina.
O trabalho de Salgado é, de fato, um passeio intenso pelo universo do café. Com sofisticados jogos de luz e sombra, as imagens vão se desdobrando em cenas deslumbrantes. De viveiros em El Salvador à colheita do grão na aldeia de Mengenai, na China, jovens e velhos se misturam nas tarefas de campo. Na Tanzânia, as fotos mostram a seleção dos frutos feita à mão. A Colômbia vem retratada na moagem dos grãos e a Ilha de Sumatra, na Indonésia, surge com a secagem. O transporte das sacas aparece em caminhões ziguezagueando por Minas Gerais ou em valentes mulas na Etiópia. “Embora as comunidades sejam afastadas entre si, para Salgado elas se parecem na lógica e na forma como funcionam”, diz Carolina. “Cada lugar é diferenciado pelas vestimentas ou pelos traços dos personagens retratados, mas o café une todas elas.”
Café premiado
Desde 1991, a Illycaffè promove um evento para destacar os melhores fornecedores da empresa
A abertura da mostra “Perfume de Sonho – Uma viagem ao mundo do café”, de Sebastião Salgado, fez parte de uma série de eventos que a Illycaffè promove todos os anos no País. No dia 7 de abril, após a abertura da exposição, foram anunciados os ganhadores do prêmio Ernesto Illy de Qualidade do Café para Espresso, realizado desde 1991 para reconhecer os melhores fornecedores da empresa. A campeã da 25ª edição foi a produtora Juliana Tytko Armelin, da fazenda Terra Alta, em Ibiá (MG), que começou a fornecer o grão para a Illycaffè há apenas um ano. Ela recebeu as homenagens do CEO Andrea Illy e representará o Brasil na primeira edição internacional do prêmio, que será realizado em Nova York ainda este ano. Outros nove produtores foram premiados em categorias como fornecedor do ano e melhor classificação do grão. Foram distribuídos R$ 220 mil em dinheiro.
A Illycaffè também promoveu um seminário na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, onde o tema central foi a economia do País e os desafios para o agronegócio café. Na ocasião, Illy dividiu o palco com o consultor de mercado Ivan Wedekin, com o coordenador da Universidade do Café, Samuel Giordano, e com Decio Zylbersztajn, presidente do conselho do Centro de Conhecimento em Agronegócios (Pensa/USP).