30/06/2016 - 11:42
O Estado de Mato Grosso do Sul, que é uma potência no agronegócio, passa por uma revolução. Agregar valor ao que é produzido no campo tem se tornado um mantra entre os produtores rurais e os gestores de política pública. As fichas de aposta estão todas na construção de uma forte agroindústria local, principalmente de empresas já instaladas em São Paulo e Paraná, por exemplo, que já não conseguem crescer sem importar muita matéria prima. Com incentivos fiscais, o governo do Estado quer acessar investimentos da ordem de R$ 36 bilhões, até 2018. O valor representa duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio local, hoje de R$ 15 bilhões. A missão de mostrar aos investidores que o Mato Grosso do Sul é uma oportunidade de negócio, está com o secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente Jaime Verruck, 50 anos, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas. Entusiasmado, ele diz que, com foco e planejamento, a meta será alcançada de. “Com a agroindústria, o PIB do nosso agronegócio pode crescer 25% até 2018”, diz ele. Verruck, que também falou de questões indígenas, de meio ambiente e do governo Michel Temer, recebeu a DINHEIRO RURAL para a seguinte entrevista:
DINHEIRO RURAL – Qual o real incremento que a agroindústria pode proporcionar ao Mato Grosso do Sul?
JAIME VERRUCK – Temos um painel de investimentos no setor da agroindústria de R$ 36 bilhões, previstos para serem implementados até 2018. Sem contar a expansão da produção agrícola e pecuária, trazidos para o PIB do setor, que é R$ 15 bilhões, a agroindústria pode fazer com que ele cresça em torno de 25%. O PIB do Estado, de R$ 78 bilhões, deve crescer 13%.
DINHEIRO RURAL – Como esses investimentos estão chegando ao Estado?
JAIME VERRUCK – A nossa política para o setor é de uma forte busca por agregação de valor. O Estado tem 2,5 milhões de habitantes, distribuídos em 78 municípios. Ninguém monta uma indústria para atender essa população. Elas são sempre de escala, visando a exportação. Hoje, as agroindústrias do Paraná e de São Paulo precisam de Mato Grosso do Sul para crescer. Porque esses Estados não têm matéria prima suficiente. Assim, com incentivos fiscais, por exemplo, através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), em vez dessa agroindústria levar de Mato Grosso do Sul o que precisam, para ser processado em outro lugar, estamos criando condições para que ela construa suas unidades em um de nossos municípios.
RURAL – Até que ponto a mudança de governo, com a entrada do presidente Michel Temer, afeta esse planejamento?
VERRUCK – Sentimos, já nas primeiras semanas de seu governo, uma mudança de comportamento dos empresários. Há um cenário positivo para os investimentos, melhor do que o anterior. A sinalização para o setor privado é muito clara: a retomada do crescimento do País, com geração de renda e emprego, passa pela sua capacidade de investimento. As consultas sobre licenciamentos e acordos fiscais, por exemplo, já voltaram a ocorrer. Com a política estabelecida por Temer e sua equipe, a nossa meta de investimento pode se consolidar ainda mais rapidamente.
“Há um cenário positivo para os investimentos, melhor do que o anterior”
Mudança de expectativa: a posse do presidente Michel Temer trouxe ânimo para os investidores
RURAL – Os investimentos serão em quais setores?
VERRUCK – O foco está na celulose, cana-de-açúcar e grãos, como o milho e a soja. Na celulose estão os maiores investimentos. São R$ 15 bilhões, para a expansão da produção no município de Três Lagoas, realizados pela Fibria e pela Eldorado. No milho, a meta é produzir etanol e subprodutos. Veja que em 2015 exportamos quatro milhões de toneladas. Um dos projetos nesse setor é o da americana BioUrja Trading LLC, que vai processar etanol de milho. A BBCA Group, uma das potências da China em biotecnologia, vai processar milho para fazer aminoácido. Na soja, a ADM está investindo US$ 250 milhões em uma indústria de proteína texturizada, em Campo Grande. E claro, também há a proteína animal.
RURAL – Em quais setores?
VERRUCK – A pecuária é nossa identidade, mas a avicultura é a nova e grande aposta. Vamos crescer aceleradamente na criação e no processamento de aves. A JBS, da família Batista, está investindo R$ 1,2 bilhão no município de Dourados, para processar frangos com a marca Seara. Além disso, o grupo vai instalar no município vizinho Itaporã, a primeira unidade de abate de perus. A BRFoods também está duplicando sua unidade de abate de frangos. Para os avicultores, em maio, reduzimos o ICMS, que era de 17%, para 2%. Isso vai estimular a produção. Na verdade, estamos correndo atrás, pois ficamos muito atrasados em relação a Goiás e Mato Grosso. Perdemos oportunidades nos últimos anos.
RURAL – No ano passado foi criado um organismo que reúne os três Estados do Centro-Oeste: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás…
VERRUCK – É verdade, mas fomos um pouco além. Criamos uma autarquia, o Consórcio Interestadual Brasil Central, que também inclui o Tocantins, Rondônia e o Distrito Federal. Entendemos que esse é o Brasil que dá certo porque ele é o centro da produção das commodities. Os problemas também são comuns, como a logística e a expansão da área produtiva. Criamos uma força política na Camara Federal e o Senado, mas com embasamento técnico realizado pelas secretarias estaduais.
RURAL – Na logística, o principal plano de Mato Grosso e Goiás é exportar as commodities pelos portos do Norte, mas isso não serve para o Mato Grosso Sul. O que de fato serve ao Estado?
VERRUCK – É verdade, mas, à medida que a saída Norte começa a funcionar ela desafoga as nossas rodovias e os portos do Sul, para onde mandamos a maior parte de nossa produção. Para o Mato Grosso do Sul, por exemplo, o grande gargalo é a duplicação da BR-163, com previsão de mais quatro anos para terminar. Em relação às hidrovias, há competitividade se a saída for através do Paraguai e da Argentina. Para commodities, foi criado em 2015 um programa especial de exportação e importação por Porto Murtinho. O grande desafio da hidrovia é também gerar importação. Por exemplo, sai açúcar ou soja e entra fertilizante.
“Há muita dificuldade de inserção dos povos indígenas no sistema produtivo do agronegócio”
No limbo: os indígenas, por estarem sob a custódia da Funai, não podem ser empreendores rurais
RURAL – Como o Estado tem gerenciado os 1,3 mil quilômetros de fronteira seca com o Paraguai, uma área que já levou a pecuária a perder muitos negócios por causa de focos de aftosa suspeitos de virem desse país?
VERRUCK – Essa é uma grande preocupação porque, mesmo depois de dez anos do último foco da doença, ainda há impactos na produção, pois é preciso tempo para recuperar o rebanho. Hoje, temos uma boa relação com o governo do Paraguai para discutir a vacinação de bovinos nos dois lados da fronteira. Também intensificamos o policiamento na região, com uma forte fiscalização nas propriedades para checar se não está entrando e saindo bovinos pela fronteira. Mas ainda falta verba, porque o governo federal não tem repassado os recursos necessários.
RURAL – Na política ambiental, qual a tarefa desse setor, dono de um rebanho de 21 milhões de bovinos?
VERRUCK – O nosso grande foco é a intensificação da pecuária. É preciso fazer mais, em menos área. Lançamos recentemente o programa Terra Boa, com a meta de incorporar dois milhões de hectares de terras degradadas ao sistema produtivo da Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Ele concede incentivo fiscal, muito em linha com o que propomos para todos os setores econômicos do Estado. Nós reduzimos em 33% o ICMS da produção adicional na pecuária, e também em outras culturas, como cana, floresta e até o próprio pasto onde não é possível a integração. Isso praticamente paga, no prazo de cinco anos, o investimento que o produtor precisa fazer. Só para comparar, a meta para o Brasil é recuperar 15 milhões de hectares, compromisso estabelecido na convenção do meio ambiente, a COP21, em Paris, no ano passado.
RURAL – E os conflitos com os indígenas?
VERRUCK – Nisso, necessitamos de uma ação do governo federal. No Estado há três áreas de conflito. São as de Naviraí, Antonio João e na região de Miranda. Os índios já estão nelas e não há pressão de novas invasões. A questão principal hoje é a indenização da terra, dos investimentos do produtor, porque são todas terras tituladas e legalmente adquiridas. Por isso, o produtor precisa ser indenizado pelas benfeitorias e pela produção. Resolvida essa questão, os povos indígenas teriam uma oportunidade, entre elas, por exemplo, produzir mudas de plantas nativas em grande escala para os projetos ambientais. É um grande negócio, que poderia trazer renda aos índios. Mas, sem a anuência da Fundação Nacional do Índio, não há como fazer política pública nessa área. Esse é o verdadeiro conflito.
RURAL – Mas o produtor parece ter medo dos índios.
VERRUCK – E tem, porque nunca foi possível fazer algo que ligasse as duas pontas. O Mato Grosso do Sul possui uma superintendência de política indígena, mas apenas de caráter social. Não conseguimos desenvolver políticas econômicas e por isso temos dificuldade de inserção dos povos indígenas no processo produtivo do agronegócio.