01/07/2016 - 12:40
O hábito do brasileiro de ter fartura na mesa ou até de “colocar mais água no feijão” precisam ser deixados de lado para ajudar na redução do desperdício e da perda de alimentos no país. Esse foi um alerta dado por Gustavo Porpino, analista na área de comunicação e marketing da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Sustainable Food Summit da América Latina, evento promovido pela Rede Save Food Brasil, na tarde de hoje (30), em São Paulo, e que discutiu a perda e o desperdício com alimentos em todo o mundo. “Precisamos educar os consumidores para mudar e substituir o gosto pela fartura por um comportamento mais frugal e de maior respeito pelo alimento que chega às nossas mesas”, disse Porpino.
Segundo Porpino, os brasileiros têm o hábito de ter um grande estoque de comida em suas casas – nem sempre adequados para o armazenamento, além de fazer compras de alimentos por impulso e prepará-los de forma excessiva à mesa. Outro problema que contribui para o desperdício é o preconceito com o preparo das sobras de comida. “O desperdício de alimento, no final da cadeia, na etapa de consumo, não é apenas o ato de jogar comida fora. Quando jogamos comida fora estamos desperdiçando o esforço de pesquisa. A atividade agropecuária hoje no Brasil é rica em tecnologia e biotecnologia. Então, todo o esforço de tecnologia, o suor do homem do campo e todo o custo de logística e infraestrutura do varejo para manter, às vezes, o alimento refrigerado, tudo isso está sendo descartado no final da cadeia. Desperdiçar comida também é desperdiçar água, terra, recursos financeiros e impacta negativamente principalmente no orçamento da classe média baixa brasileira”, disse.
A perda dentro de casa não é o maior problema do país em termos estatísticos, mas contribui, em muito, para que as perdas e desperdício com alimentos no Brasil somem 40 mil toneladas por dia, segundo Viviane Romeiro, coordenadora de mudanças climáticas do World Resources Institute (WRI) Brasil .
Alimentos bonitos – Alcione Silva, membro do corpo diretivo da Rede Save Food Brasil, entidade que tem apoio da Organização das Nações Unidas para a Agricultura Alimentação (FAO) no Brasil, disse que os consumidores brasileiros contribuem com cerca de 10% do desperdício de alimentos dentro da cadeia logística, que envolve também a produção, distribuição e armazenamento dos alimentos.
“O consumidor, para nós, é o grande ator desse tema porque ele tem uma grande exigência estética. Ele só leva para casa aquilo que é bonito, que está muito fresco. Produtos com validade vencida, daqui uma semana você prefere escolher outro. O consumidor acaba sendo um grande exigente de padrões estéticos e gerais dos alimentos e acaba deixando para trás alimentos que são nutricionalmente tão saudáveis quanto um alimento bonito”, disse.
Segundo Porpino, o grande desperdício do consumidor, ou seja, de quem está no ponto final da cadeia logística, se dá pelo “gosto da fartura” na mesa. “O desperdício se dá em casa, em função do não aproveitamento da sobra do alimento por causa do gosto da fartura. As vezes é uma intenção positiva, a mãe quer ver os filhos bem nutridos e coloca muita comida no prato do filho ou faz com que os filhos belisquem muito os alimentos entre uma refeição e outra e aí, quando chega o horário do almoço ou do jantar, ele não vai comer tudo o que está ali sobre a mesa”, disse.
O analista da Empraba diz que também há um efeito compensatório. “Quando a pessoa que está responsável por preparar o alimento percebe que foi preparada uma refeição com valor calórico muito grande ou que não é muito saudável, como um frango frito, por exemplo, ou um feijão muito gordo, ela termina querendo ofertar um alimento mais saudável, uma saladinha ou legumes cozidos e a criança termina comendo só aquele alimento que tem mais sabor ou que é mais calórico e desperdiça o que é mais saudável”, disse.
Alimento saudável
O consumidor só leva para casa aquilo que é bonito, que está muito fresco, diz Alcione Silva, membro do corpo diretivo da Rede Save Food Brasil Arquivo Agência Brasil. Segundo Porpino, ainda não é possível avaliar no país o tamanho do impacto econômico que é produzido com o desperdício de alimentos dentro de casa, porque não há pesquisas nesse sentido. “Nos Estados Unidos, por exemplo, o Departamento de Agricultura tem um dado alarmante: 31% das terras agricultáveis são ocupadas para produzir alimentos que nunca serão consumidos e 41% da produção agropecuária americana, que é a maior do mundo, não chega a ser consumida. Talvez o Brasil esteja próximo desse patamar, já que vencemos aquela condição de sermos importadores de alimentos para nos tornamos o segundo maior exportador de alimentos do mundo”.
Educação nutricional
Para evitar o desperdício com os alimentos dentro de casa, Porpino diz que é fundamental que as escolas adotem a educação nutricional para as crianças serem agentes de mudanças. “Também precisamos atuar mais por meio da rede de enfrentamento da insegurança alimentar, como nos programas sociais como o Bolsa Família ou de bancos de alimentos, para eles caminharem mais juntos com iniciativas de educação nutricional”, disse.
Para Alcione é preciso aproveitar melhor os alimentos, acabar com a questão da abundância ou de ter muita comida em casa. “Isso acaba gerando muito desperdício nas residências”, disse a integrante da Rede Save Food Brasil. Segundo ela, é preciso também criar campanhas para reduzir a compra de alimentos por uma questão estética e comprar de forma mais planejada.
Para Viviana, a mudança do hábito do consumidor é fundamental não somente para reduzir o desperdício na ponta, mas para que o próprio consumidor também exija e se organize como sociedade civil e pressione as empresas por medidas que proporcionem uma redução dessa perda e do desperdício global. “O consumidor tem esse papel duplo: tanto de reduzir, na prática, o desperdício, como de pressionar, por meio da conscientização, e de exigir produtos mais sustentáveis”, disse a coordenadora do WRI Brasil.