Bruno Caramelli, médico cardiologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, entregou ao Ministério Público Federal (MPF) uma representação, em que pede a abertura de inquérito civil para apurar a atuação do Conselho Federal de Medicina durante o período em que o Ministério da Saúde incentivou o ‘tratamento precoce’ contra a Covid-19.

Caramelli argumenta que o Conselho não cumpriu com suas obrigações de fiscalizar a atuação médica ao não se posicionar, ou intervir, na propaganda do Governo Federal pelo uso de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da doença. Ele solicitou que seja verificada qual é ‘a responsabilidade civil, administrativa e/ou penal da Diretoria do Conselho Federal de Medicina’ no caso, bem como que os representantes da entidade prestem esclarecimentos. Também foi encaminhado abaixo-assinado com 4,6 mil assinaturas, coletadas através da plataforma Change.org, em apoio à medida.

O Ministério da Saúde, até o mês de janeiro, indicava o uso de hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina para o tratamento de Covid-19. A pasta não vedava a prescrição dos remédios, sem comprovação de eficácia no combate à doença, por médicos aos seus pacientes e chegou até mesmo a recomendá-los aos usuários do aplicativo TrateCov (atualmente fora do ar). Uma nota técnica do CFM, publicada em abril de 2020, era utilizada como fundamentação para as orientações do Ministério – mesmo que o Conselho tenha ressaltado no texto que a aplicação dos medicamentos deveria ocorrer apenas em condições ‘excepcionais’.

Neste mês de março, com base em estudos científicos que comprovaram a ineficácia da hidroxicloroquina, a Organização Mundial da Saúde publicou parecer em que desaconselhava a aplicação do remédio como ‘tratamento precoce’. A OMS destacou que não há nenhum método medicamentoso que tenha se mostrado eficiente no combate ao novo coronavírus. O professor da USP sinaliza esse fato na representação e declara que ‘nos últimos meses tornou-se condenável defender e prescrever este tratamento’.

Caramelli diz que ‘não se justifica, portanto, desperdiçar recursos ou desviar o foco de atenção da sociedade para um tratamento de eficácia não comprovada’. Ele ressalta que outros métodos não medicamentosos, como o isolamento social e o uso de máscaras, e a vacinação têm sido ignorados pelo governo federal. Além disso, analisa que o incentivo a um suposto tratamento precoce cria uma ‘falsa segurança de saúde’. “Essa falsa crença em um tratamento ocasiona o descumprimento das medidas que comprovadamente impedem o alastramento da covid-19. E o descumprimento das medidas eficazes por uma parte da sociedade expõe à contaminação a população inteira do país”, avalia.

O médico questiona a ‘não reação’ do CFM diante desse quadro. “Configura-se a omissão do Conselho Federal de Medicina em manifestar, publicamente, claro posicionamento científico com vistas a desestimular a propagação de práticas e informações enganosas consubstanciadas na prescrição médica de um suposto tratamento precoce contra a covid-19, que não tem nenhuma comprovação científica de eficácia”, afirma no documento.

COM A PALAVRA, O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

Até o momento, o Conselho Federal de Medicina (CFM) não foi notificado sobre o caso.

O CFM não apoia o tratamento precoce, conforme amplamente divulgado, desde o último ano, reiteradas vezes, o que está muito claro no Parecer nº 4/2020.

Este Parecer delega ao médico assistente, que atende na ponta, juntamente com seu paciente a possibilidade de ambos fazerem o julgamento sobre o tratamento que considerarem adequado, respeitando a autonomia do médico e do paciente que são garantidas na Constituição.