15/02/2017 - 15:14
O mais recente dado da indústria de inseminação artificial mostra que foram vendidas 12,5 milhões de doses de sêmen bovino, em 2015, quantidade que daria para inseminar todo o rebanho do Uruguai, por exemplo. Mas, no País, esse volume é suficiente apenas para 6,2% do gado criado. O número acima é da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), com sede em Uberaba (MG), entidade que representa 32 empresas do setor e que são as responsáveis por 95% do sêmen vendido por aqui. Os dados de 2016, que não devem ficar muito longe dessa marca, serão apresentados no próximo mês pelo médico veterinário Sérgio de Brito Pietro Saud, presidente da Asbia. Saud, que é mestre em marketing e administração de empresas, e já trabalhou por 15 anos na Bayer Saúde Animal, diz que a inseminação artificial precisa de mais mensurações e que 2017 pode ser um ano de mudanças profundas nesse mercado. “O produtor precisa saber quanto ele vai ganhar com cada real investido em genética”, afirma Saud, que também é diretor da central CRI Genética, em São Carlos (SP). Ele concedeu à DINHEIRO RURAL a seguinte entrevista:
DINHEIRO RURAL – O pecuarista sabe dos benefícios que a inseminação artificial pode trazer ao seu rebanho?
SÉRGIO DE BRITO PIETRO SAUD – Uma pequeníssima parte sim. De modo geral, ele tem uma percepção de que o uso de um touro de genética superior, através da inseminação, ou da monta no campo, eleva a produção de carne e de leite no rebanho. Falta um passo antes. É preciso determinar o valor da genética. Quanto ela traz de retorno financeiro em uma fazenda.O produtor precisa saber quanto ele vai ganhar com cada real investido em genética. Foi para isso que a Asbia anunciou, no ano passado, uma parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP), de Piracicaba.
RURAL – Quando estará pronto o primeiro relatório dessa parceria e o que constará nele?
SAUD – O ano de 2017 será um marco para a Asbia porque os primeiros dados estão prestes a sair. O prazo é até o final de março. O Cepea está compilando todos os valores de venda de sêmen das empresas associadas, que representam 95% das vendas do setor. Esse é o dado imediato. No futuro, a partir do um banco de dados, será possível medir, por exemplo, o impacto da venda de sêmen de angus ou nelore no mercado da carne no Brasil. O mesmo vale para o leite. Isso porque a genética determina tendências. Será possível cruzar esses dados com o mercado de rações, milho, soja, além de analisar dados históricos para projetar tendências.
RURAL – Será suficiente?
SAUD – O principal desafio é o fomento. Precisamos investir em comunicação, em informação. Em termos de melhoramento genético, o rebanho brasileiro avançou muito nos últimos anos, tanto na pecuária de leite como na de corte. Hoje, a questão não é de qualidade de rebanho, mas de quantidade. É preciso que mais rebanhos sejam melhorados geneticamente.
Cruzamento industrial: fêmea nelore, inseminada
com angus, com o seu bezerro meio-sangue
RURAL – O setor está preparado para o avanço da tecnologia?
SAUD – A técnica da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) precisa dar um novo salto. O desafio é levar a IATF para a pecuária leiteira. Ainda há muito pouco dessa tecnologia nas fazendas leiteiras. É preciso também ter um maior controle sobre os nascimentos de bezerros. O conceito de que a vaca tem que dar leite o ano inteiro está errado, é preciso respeitar o intervalo entre partos e fazer um bom acompanhamento. Há muita vaca que poderia estar produzindo leite, mas, por falta de observação de cio, ela fica vazia. Por isso, quando se faz sincronização de cio de vacas em propriedades leiteiras e uso da IATF, o resultado é impressionante. Nos próximos três anos, acho que a técnica no leite vai andar muito rápido, vai revolucionar o setor.
RURAL – Qual a receita para isso?
SAUD – Vamos trabalhar, principalmente nas pequenas propriedades, em cima da falha de acompanhamento de cio. Deixar uma vaca vazia, ou produzindo leite eternamente, é prejuízo para a fazenda. Outro ponto a ser abordado é mostrar para o criador a diferença entre taxa de prenhez e de concepção. Hoje se adota a taxa de prenhez como medida, que é o percentual confirmado como positivo daquilo que foi inseminado. A taxa de concepção é pegar todas as fêmeas em idade reprodutiva e checar quantas estão prenhas, independentemente se foram inseminadas. Ao fazer essa conta é possível ver as perdas quando se atrasa a prenhez de uma fêmea. A rotina é: observe o cio, faça a sua sincronização, invista em inseminação artificial e não use touros que não tragam benefícios ao rebanho.
RURAL – Quanto de IATF se faz hoje no País?
SAUD – O Sindicato das IndústriasFarmacêuticas relata a venda de cerca de oito milhões de protocolos no País, ao ano, basicamente para o gado de corte. É o segmento veterinário que mais cresce, na ordem de 5% ao ano. Isso porque, quando um criador adota a IATF, os resultados logo são vistos. A bezerrada nasce sadia, cresce rápido e é valorizada pelo frigorífico.
RURAL – Qual o papel das empresas do setor?
SAUD – Elas precisam mostrar a agregação de valor que existe em cada elo da cadeia. A genética agrega valor e por isso é preciso mostrar resultados. Hoje, é possível mapear o genoma de um touro na pecuária leiteira ou de corte, e identificar quais as características que aquele animal vai transmitir, ou seja, o seu valor genético. Qual é a grande questão? Se o animal for para um ambiente desfavorável, a capacidade genética não vai aparecer. O acabamento de gordura e o marmoreio vai se expressar se o animal tiver nutrição e manejo adequados ao longo de sua vida, caso contrário nada acontece, por melhor que seja a genética .
RURAL – As empresas associadas à Asbia não são um pouco tímidas no jogo do mercado?
SAUD – Existe uma diferença muito grande em relação à indústria farmacêutica veterinária. Essa indústria está atrelada a grandes empresas que também trabalham fortemente na farmacêutica humana ou na agrícola, e que são gigantes no faturamento. As farmacêuticas veterinárias pegam carona nessa imagem da grande corporação. As empresas do setor de genética são menores, mesmo sendo multinacionais. Outra questão é que o mercado farmacêutico veterinário é regulamentado. Ele pode ter defeitos, mas tem regras. O mercado de genética não é regulamentado. Não há regras que determine quem pode comercializar genética e os requerimentos necessários para se produzir.
RURAL – Qual a consequência disso?
SAUD– Em primeiro lugar, assusta qualquer empresário, porque é muito difícil trabalhar assim. Em outubro estive na World Dairy Expo, a maior e mais famosa feira leiteira dos Estados Unidos. Vou a cada dois anos e todas as vezes encontro uma empresa nova de genética, enquanto as farmacêuticas são sempre as mesmas. As empresas de genética vão se fragmentando e se isso acontece o mercado não consegue ser forte e ter uma forma mais direcionada de ação. Ou seja, é necessário uma consolidação e uma regulamentação do mercado genético, mas isso de forma internacional e não apenas no Brasil.
RURAL – E nas suas andanças pelo País, o sr. tem visto o quê?
SAUD – Em 2016, vi um retorno às bases. Houve mais venda de sêmen de nelore que em 2015. Não que a venda de sêmen de angus tenha caído. Mas o criador, que nos três anos anteriores havia utilizado somente sêmen de angus na vacada, agora está precisando de fêmeas nelore. Então, em 2016, ele pegou parte das melhores fêmeas e as inseminou. Como as crias são para reposição, muitas fazendas já usaram sêmen sexado de fêmea nelore, em busca de mães superiores.
Tecnologia: a inseminação ajuda a gerar um animal mais saudável e uma carne de qualidade superior
SAUD – Sim, pela sua versatilidade no cruzamento industrial. Há fazendas produzindo animais meio-sangue angus com nelore, depois voltam a cruzar com angus, brangus, bonsmara, simental. Os filhos desse produto, os super precoces, já saem da desmama direto ao confinamento, para serem abatidos com 13 meses. Esse é um processo que está crescendo bastante, com um manejo cada vez mais refinado. É um animal que tem uma carne fantástica, espetacular em termos de maciez e marmoreio. Logicamente, ele tem um custo mais alto, mas dependendo da negociação, o lucro vem. O mais importante, e o que recomendamos, é que, antes de fazer a escolha da genética, o pecuarista planeje onde e como o produto será vendido.
RURAL – Que tipo de público está fazendo isso?
SAUD – Quem é adepto de contratos. Vem crescendo muito essas negociações. O frigorífico busca amarrar negócios com o pecuarista, porque ele conhece o sistema de produção, o produtor, a forma como o animal será criado e a genética que vai ser usada. Então, o frigorífico consegue prever de uma forma muito assertiva o resultado.
RURAL – Isso não vai ao encontro de um sentimento que o pecuarista sempre teve, que é o de ficar refém do frigorífico?
SAUD – Exatamente. Mas é quase cultural esse sentimento de desconfiança entre as partes. Óbvio que ainda não há uma relação das mais amistosas entre as duas partes, mas ela mudou muito. Hoje, frigoríficos como JBS, Marfrig, Minerva, têm departamentos que cuidam do relacionamento com os pecuaristas para diminuir o estresse. Mas algo ainda mais marcante mudou. O pecuarista está deixando de se colocar na posição de vítima, enquanto o frigorífico é o grande vilão da história. Isso porque, quando começou a ocorrer a melhoria da qualidade da carne, os pecuaristas passaram a se diferenciar entre si. E aí ocorreu uma mudança de postura. O pecuarista agora se comporta como fornecedor da cadeia e não como cliente, ou seja, enquanto fornecedor o frigorífico é o cliente que tem que ser atendido. Se o cliente é maior que o fornecedor é outra questão. Claro, essa mudança de conceito está na ponta da pirâmide, não está na base. Mas vai evoluir, embora leve tempo.