01/08/2011 - 0:00
Homem de raiz: “Sou mesmo um caboclo sertanejo que acabou no meio deste turbilhão chamado São Paulo”
O Bar da Dona Onça, na capital paulista, exibe em suas paredes enormes painéis com fotos de cidades de espírito boêmio, como Nova York, Londres e Paris. Apesar do ambiente cosmopolita, os habitués do Dona Onça não estão lá por interesse na gastronomia internacional. Eles querem, mesmo, é degustar pratos da tradição caipira do interior de São Paulo e adjacências, como uma rabada de panela de pressão com polenta mole ou um stinco (canela) de leitoa caipira, acompanhada de feijão tropeiro.
O cardápio talvez seja a principal contribuição de um dos sócios do lugar, o falante Júlio César de Toledo Piza, nascido em Araraquara (SP) e dono de duas fazendas em Mato Grosso do Sul. Toledo Piza divide muito bem, segundo ele mesmo, as tarefas do dia a dia com seus parceiros, Janaína e Jefferson Rueda. Enquanto o casal de chefs comanda as panelas na cozinha, Toledo Piza fica com os clientes no salão do bar instalado no sinuoso edifício Copan, um símbolo da moderna arquitetura de São Paulo, construído na década de 1950. Contador contumaz de histórias, Piza é capaz de relatar um “causo” atrás do outro, numa prosa infindável. “É um feiticeiro das palavras, o charme em pessoa”, diz a sócia Janaína, 37 anos.
Toledo Piza, 72 anos, tem um currículo extenso na vida empresarial. Trabalhou por dez anos na Datamec, empresa de processamento de dados, foi presidente da BM&F (hoje BMF&Bovespa), entre 1985 e 1991, e também se tornou pecuarista ao comprar há 15 anos as fazendas Furna do Bálsamo, em Paranaíba, e outra em Inocência, que batizou de Dona Onça, distantes 700 quilômetros de São Paulo. “Antigamente fazia esse trajeto até duas vezes por mês”, diz. “Hoje estou mais calmo. Vou só quando acho necessário.”
Nos 1.440 hectares das duas fazendas, Toledo Piza faz engorda de gado anelorado. São 1.150 hectares de pastagens, de onde sai uma média de dois mil animais por ano para ser abatidos. “Faço uma pecuária básica, em uma terra fértil.” Segundo ele, embora não seja lá uma das atividades mais rentáveis, criar bois tem seus atrativos.
“A vantagem é a liquidez, pois posso vender os animais a qualquer momento”, afirma. Ser invernista, nome que se dá a quem se especializa na engorda do gado, não foi a primeira investida de Toledo Piza no agronegócio. Sua primeira fazenda foi adquirida em 1965, em Cajuru (SP), para cultivar café e criar vaca leiteira. “Cheguei a produzir leite, mas fiquei desiludido, mesmo, foi com o café”, diz. A propriedade pequena, com área de apenas 300 hectares, não lhe permitia investimentos mais ousados.
Com a expansão da cana-de-açúcar em São Paulo, Toledo Piza comprou e vendeu várias fazendas, sempre se desfazendo de uma menor para comprar uma área maior.
O gosto pelas coisas da terra vem de menino, em Araraquara. Sua mãe era professora na antiga Fazenda dos Ingleses, hoje propriedade dos herdeiros do empresário João Moreira Salles, irmão do banqueiro e embaixador Walter Moreira Salles. “Sou mesmo um caipira, caboclo e sertanejo que acabou no meio deste turbilhão chamado São Paulo, a capital da solidão”, diz. Para ele, o desejo de não se distanciar de suas raízes é que o leva ao campo. Toledo Piza diz que as suas fazendas nunca lhe deram trabalho que o desanimasse. Aliás, não desanimar, para ele, é característica de quem lida com a terra.
Ao longo de sua vida, ele considera emblemático, para descrever as atribulações da agropecuária no País, o que ocorreu no período em que esteve no comando da bolsa de mercadorias. “Na época dos vários planos econômicos, executados na década de 1980, para segurar a inflação, o governo determinou que os preços das commodities na bolsa só poderiam cair”, diz. Para ele, esse tipo de história, sobretudo em tempos de commodities agrícolas em alta, cabe apenas em mesa de bar. De preferência, entre um caldinho de feijão e uma porção de aipim frito.