26/11/2012 - 16:42
Presidente da Associação de Medicina Veterinária dos Estados Unidos (Avma, na sigla em inglês), William Ron DeHaven é uma das maiores autoridades mundiais do ramo. Em 2005, ele foi porta-voz do FDA , a autoridade sanitária máxima americana, durante o surto de vaca louca que atingiu fazendas do país. Hoje, combina a tarefa de representar 80 mil veterinários dos Estados Unidos com a coordenação de um grupo da Organização Mundial de Saúde Animal, que busca definir as diretrizes internacionais para a formação de um veterinário. “É um trabalho novo que passa a analisar a qualidade do ensino”, disse à DINHEIRO RURAL . DeHaven elogiou os esforços do Brasil em erradicar a febre aftosa. Mas diz que os americanos só importarão carne in natura brasileira quando o País erradicar totalmente a doença, junto com os vizinhos da América do Sul.
DINHEIRO RURAL – Por que a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) tem se preocupado com a qualidade do ensino da medicina veterinária?
William RON DEHAVEN – Esse é um trabalho novo, que passa a analisar a qualidade do ensino da veterinária como um dos fatores de risco no controle sanitário de rebanhos. Num cenário ideal, um país deve ter mecanismos para certificar que as suas universidades garantam a boa formação de seus veterinários. Nos países em desenvolvimento, onde não há esse mecanismo, é preciso avaliar cada universidade individualmente. Por isso, a OIE está preparando um conjunto de competências que servirão de diretrizes nos currículos dos cursos de veterinária.
DINHEIRO RURAL – Quando isso entrará em vigor?
DEHAVEN – Há pressões para se definir as competências mínimas para já. Acredito que podemos ter um currículo que define a formação mínima necessária para um médico veterinário, em maio de 2013, quando realizarmos a assembleia geral da OIE.
DINHEIRO RURAL – A adesão a esses padrões seria mandatória?
DEHAVEN – Depende de cada país. Quanto mais cedo o país se adaptar e implementar essas diretrizes, mais rapidamente terá possíveis parceiros comerciais dispostos a aceitar seus sistemas de monitoramento sanitário e importar seus produtos.
DINHEIRO RURAL – O sr. acredita que a não adesão pode ser usada para justificar barreiras sanitárias?
DEHAVEN – Um país pode ter implementado sistemas que garantam padrões sanitários do rebanho, mas há um sistema educacional capaz de garantir que isso seja mantido no futuro? Não é uma imposição, são só diretrizes para dar segurança a um potencial importador da carne. O nosso foco é mais nos países em desenvolvimento que não têm esses sistemas já implementados, o que não é o caso do Brasil e dos Estados Unidos.
DINHEIRO RURAL – Segundo dados da Avma, o número de veterinários está em queda. Há risco de escassez de profissionais no mercado no curto prazo?
DEHAVEN – Há relatos de que há um excesso de profissionais que cuidam de animais domésticos e de estimação, mas não o suficiente para atender às necessidades da economia rural. Sabemos que há falta de especialistas laboratoriais, por exemplo. Por isso estamos fazendo um estudo abrangente sobre a força de trabalho, para verificar qual é o quadro que enfrentamos. Em um ano, esse estudo nos dará informações precisas sobre a oferta de veterinários em disciplinas específicas e a demanda por esses profissionais no futuro. Nosso maior desafio é transpor a noção geral – seja de autoridades, seja do público em geral – de que um veterinário se resume a um especialista em bichos de estimação. Na verdade, eles são como agentes de saúde pública e de segurança alimentar que têm um papel crítico para garantir padrões sanitários de nossos rebanhos e, por consequência, da população.
DINHEIRO RURAL – Nos últimos anos, as fazendas têm sido assumidas por agrônomos. Que funções sobraram para os veterinários?
DEHAVEN – O que aconteceu nos Estados Unidos é que temos menos fazendas. O que mudou é que os veterinários se tornaram consultores de saúde animal, empregados por grandes empresas. Hoje, exercem mais a função de supervisionar tarefas como a vacinação, que passou a ser executada por técnicos. Nesse cenário, um número menor de veterinários é absorvido pelas propriedades rurais.
DINHEIRO RURAL – Isso não traz implicações, possivelmente negativas, à condição sanitária dos rebanhos criados de forma intensiva?
DEHAVEN – Existe uma preocupação do público com a possibilidade de que a criação em larga escala de rebanhos tenha implicações para a saúde dos animais. Essa é a preocupação de um público urbano, pouco familiarizado com práticas nas fazendas e que busca opinar sobre como gerir uma fazenda. São opiniões infundadas. Muitas pessoas acreditam que uma operação maior significa mais impacto ambiental e menos preocupação com o bem-estar do rebanho. Mas a realidade é justamente a inversa.
DINHEIRO RURAL – Grandes empresas de varejo dos Estados Unidos ameaçam não vender carne de produtores que não garantem o bem-estar dos rebanhos…
DEHAVEN – O grande problema vem do confinamento de suínos. São espaços relativamente pequenos em que as porcas são mantidas durante e depois da gestação. A resistência das empresas se deve à preocupação com suas imagens perante o público. O problema é que não há sistema melhor capaz de suprir a demanda mundial pela carne suína, que dobrará até 2050. Precisamos, sim, cuidar do bem-estar dos rebanhos, mas também garantir a oferta de proteína para todos.
DINHEIRO RURAL – Há chances de os Estados Unidos revogarem as restrições de importação de carne bovina in natura brasileira?
DEHAVEN – A grande preocupação americana é com a febre aftosa. Mesmo que um país seja declarado ou se autodeclare livre da doença, a questão é se esse país tem salvaguardas para manter o status de área livre da doença. Também é preciso saber se o país tem um sistema eficaz de monitoramento para rapidamente identificar um surto. O que gostaríamos de ver é uma ação coordenada entre os governos para erradicar o vírus da febre aftosa de toda a América do Sul. Se a doença não existe no continente, então não há preocupação de infecção dos rebanhos brasileiros. No longo prazo, é o caminho para o Brasil voltar a exportar para os Estados Unidos.
DINHEIRO RURAL – Contar com Estados livres da doença, como Santa Catarina, então, não basta?
DEHAVEN – Em relação à febre aftosa, o Brasil precisa olhar para seus vizinhos. Existem situações em que os Estados Unidos adotam um critério regional – pinçando um Estado dentro de um país – para liberar as exportações. Mas isso depende de uma criteriosa avaliação de riscos. É preciso entender os custos que um surto pode ter para os Estados Unidos, o que não ocorre desde 1929. Se isso acontecesse, só nas primeiras 72 horas haveria prejuízos na ordem de US$ 5 bilhões. Somos responsáveis por proteger uma grande indústria, por isso não somos muito tolerantes a riscos.
DINHEIRO RURAL – Como as autoridades americanas avaliam nossos esforços para manter o País livre da síndrome da vaca louca?
DEHAVEN – A grande vantagem do Brasil é que seu rebanho se alimenta predominantemente de pastagens. Essa é uma doença que se espalha quando um animal consome ração à base de proteína de um animal infectado. Nos Estados Unidos, tivemos quatro casos e, em 2005, fizemos intensos esforços de monitoramento do nosso rebanho. A prevalência era menor do que uma vaca em um milhão. Hoje, mesmo que surgisse um caso, temos as salvaguardas prontas para que qualquer tecido infectado seja incinerado e removido da cadeia alimentar. A possibilidade de um surto é praticamente inexistente.
DINHEIRO RURAL – Qual será o impacto da histórica quebra da safra americana, com preços do milho em alta, no custo da carne no mercado doméstico?
DEHAVEN – Esse será um momento bastante desafiador para a cadeia de proteína americana, que é alimentada à base de grãos. Acreditamos, sim, no aumento do preço para o consumidor porque haverá concorrência pelo milho, que é utilizado na produção de etanol. Será muito difícil nos próximos seis ou 12 meses. O que estamos notando é que muitos produtores estão reduzindo o tamanho de seus rebanhos devido ao alto custo da ração.