16/10/2021 - 19:21
Ser o dono de uma empresa listada na bolsa de valores é o sonho de muita gente. Marino Colpo é um dos que conseguiram transformar esse sonho em realidade. Filho de produtores rurais, ele acompanhou com otimismo a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) de empresas em 2007 – ano em que o número de operações foi recorde, 64. “Meu pai dizia que aqueles empresários estavam sendo espertos. Decidi que faria um IPO também”, afirmou Colpo à DINHEIRO RURAL. Depois de estudar nos Estados Unidos, ele assumiu o comando da Boa Safra Sementes, empresa familiar fundada em 1979 na cidade de Formosa (GO). Ao lado da irmã e sócia, Camila, que também havia estudado fora, na França, implantou práticas modernas de gestão e profissionalizou o negócio familiar. Em 29 de abril deste ano, Colpo tocou a campainha de abertura do pregão na B3, a bolsa de valores de São Paulo. Naquele dia, a Boa Safra se tornou a 190ª empresa brasileira listada no Novo Mercado, segmento com os padrões mais elevados de governança corporativa.
B3, a bolsa de valores de São Paulo. Naquele dia, a Boa Safra se tornou a 190ª empresa brasileira listada no Novo Mercado, segmento com os padrões mais elevados de governança corporativa. Ao abrir o capital, a empresa da família Colpo se tornou parte de um movimento que ganhou força no agronegócio em 2021, quebrando um jejum de quase oito anos sem IPOs de outras representantes do setor. Essa sequência de listagens é a face mais visível de uma tendência de aproximação do mercado de capitais com o agro brasileiro. Ou, como dizem os analistas e profissionais da área, “da Faria Lima com o campo”, em alusão à avenida paulistana que hoje concentra grandes instituições financeiras.
Até agora, foram seis ofertas públicas. Além da Boa Safra, fizeram IPO a Jalles Machado, referência no setor sucroenergético; AgroGalaxy, uma plataforma de varejo de insumos agrícolas e serviços; a 3tentos, que oferece um ecossistema de negócios aos produtores; a Raízen, uma das três maiores distribuidoras de combustíveis do País; e a BrasilAgro, responsável pela aquisição, exploração e comercialização de terras, que fez um follow-on (oferta subsequente de ações). Pelo menos mais uma já protocolou um pedido na Comissão de Valores Mobiliários (CVM): a Vitia Fertilizantes, que havia desistido da operação em agosto, citando a deterioração do mercado de capitais, mas retomou a oferta no início de setembro.
A safra de IPOs começou em fevereiro com a estreia da Jalles Machado na bolsa em uma operação que movimentou R$ 741,5 milhões. “Nós não pensávamos no tema. Mas em 2019 fomos provocados pelo pessoal da XP Investimentos e decidimos levar a ideia ao Conselho”, disse Rodrigo Penna de Siqueira, diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Jalles Machado. Com a pandemia, os planos foram deixados de lado. Mas a rápida recuperação do setor sucroenergético fez com que a captação no mercado fosse retomada – e colocada em prática. “Vimos que o negócio seria benéfico, possibilitando um crescimento maior com capital próprio, sem fazer uma alavancagem exagerada. Decidimos encabeçar o projeto”, afirmou Siqueira.
A quantidade e a diversidade de ofertas de IPOs indica que o mercado amadureceu e há espaço para empresas de vários tamanhos
Enquanto as operações da Jalles Machado e da Boa Safra foram um sucesso, embora mais modestas em termos de captação, a abertura de capital da Raízen foi superlativa. Inicialmente, analistas apontaram que a estreia da empresa, joint venture formada pela Cosan, empresa de energia de Rubens Ometto, e pela rede de postos de abastecimento anglo-holandesa Shell, seria uma das maiores da história da B3. O prospecto enviado à CVM mostrou a companhia além da atividade agrícola, focando na produção de biocombustíveis e bioenergia e apresentando as iniciativas de sustentabilidade. E convenceu os investidores. A operação ficou abaixo da faixa inicial prevista, de R$ 10 a R$ 13 bilhões, mas ainda assim suficiente para assegurar o maior IPO do ano: R$ 6,9 bilhões.
Cenário favorável Essa movimentação representa um encontro natural entre as necessidades dos dois setores. De um lado, o agro, que precisa de capital. De outro, o mercado financeiro, com investidores ávidos por lucros buscando uma atividade que está entre as mais prósperas da economia brasileira. De acordo com dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), em 2020 o agronegócio ampliou para 26,6% sua participação no PIB. Para os produtores, o acesso ao capital é uma necessidade em um cenário no qual o Plano Safra não dá mais conta das necessidades do campo. Alguns instrumentos financeiros vêm sendo explorados com maior intensidade, como os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs). Outros foram criados: é o caso do Fiagro, tema de outra reportagem desta edição. E a captação no mercado aberto é uma das melhores formas de obter os recursos.
Segundo Flávio Conde, head de análise de renda variável da Inversa, as operações até agora têm sido um sucesso e mostram o apetite por boas empresas do setor listadas na bolsa. “Está sendo um aprendizado para os três players: as empresas do agro, o mercado de capitais e os investidores. E todos estão se entendendo bem”, disse Conde. “É natural que o mercado procure pelos setores mais dinâmicos. Foi assim com a aviação, com a construção civil, com o turismo e até com os laboratórios de análise clínica. Agora, é o agronegócio”, afirmou.
De acordo com o analista, ficou claro também que há espaço para tamanhos variados de operações. O IPO da Raízen, por exemplo, mostrou que é possível captar grande volume de recursos. A 3tentos conseguiu movimentar R$ 1,3 bilhão, enquanto AgroGalaxy, Boa Safra e Jalles Machado protagonizaram movimentações menores. Isso é um sinal de amadurecimento do próprio mercado de capitais. Durante um bom tempo, apenas companhias muito grandes eram listadas na bolsa brasileira. Agora, há mais opções disponíveis ao investidor, com empresas de segmentos variados, como já ocorre nos Estados Unidos.
Parte do sucesso desse casamento entre a Faria Lima e o campo se deve à educação do investidor, que tem buscado entender um setor com o qual tinha pouquíssima familiaridade até pouco tempo atrás. E, nesse campo, o papel das instituições privadas, como a XP, tem sido importantíssimo. A corretora participou de seis das sete operações do agro neste ano, e em três delas atuou como líder. Ficou de fora apenas do IPO da 3tentos. Segundo Pedro Freitas, head de Agro, Consumo e Varejo da XP Investimentos, a dificuldade inicial foi tirar os investidores da inércia, mas o cenário vem se acelerando rapidamente. “Levamos investidores para visitar as empresas, proporcionamos conversas e eventos para que eles se familiarizassem com o tema, com os subsetores, como chamamos”, disse Freitas. Com isso, a produção de sementes de soja ou a venda de insumos agrícolas deixaram de ser algo distante da Faria Lima e os investidores passaram a olhar com mais atenção para as variáveis que embasam os negócios de empresas como a Boa Safra ou a AgroGalaxy.
Por fim, outro fator determinante para o bom desempenho das operações do agro na bolsa é a participação crescente do varejo, que ganhou força por conta da queda de juros. “O investidor percebeu que precisa tomar risco para obter rendimentos maiores que a inflação, e foi para a renda variável”, disse Flávio Conde. Pedro Freitas, da XP, concorda. Segundo ele, houve um desenvolvimento do mercado, com pessoas físicas investindo na bolsa, mas também com o surgimento de novos fundos e outros investidores institucionais com cheques menores. “Existe hoje uma diversidade que permite ter uma demanda maior. Antes, isso não era possível”, afirmou Freitas.
Governança como exemplo
O que todas as empresas do agronegócio recentemente listadas têm em comum é uma estrutura corporativa sólida e transparente, o que tornou a jornada até o IPO muito mais rápida e facilitou a aproximação com os investidores ainda em processo de conhecer as características do setor. A Boa Safra, por exemplo, é auditada pelo KPMG (uma das Big Four, como são conhecidas as quatro maiores empresas multinacionais de auditoria e consultoria) desde 2015. “Sempre me diziam que eu era doido. Quando quis colocar um software de gestão da SAP, quando quis auditar a empresa”, disse Marino Colpo. “O grande segredo é vencer o paradigma das dificuldades que surgem no começo. Tem que peitar, e foi o que fizemos.”
A 3tentos Agroindustrial, de Santa Bárbara do Sul, no Rio Grande do Sul, também tem uma gestão responsável como um dos pilares da estratégia, como contou Luiz Osório Dumoncel, cofundador e CEO. “Obviamente, é uma empresa familiar, mas sempre fomos muito disciplinados, mesmo quando nem pensávamos em IPO”, disse Dumoncel. À medida que a empresa cresceu, a possibilidade de abrir o capital foi sendo discutida e trabalhada passo a passo. Vieram os contatos com bancos de investimento, as auditorias feitas pela Ernst & Young, outra das Big Four, e a contratação da consultoria DC Associados para assessorar no projeto de expansão. E, finalmente, a criação de um conselho de administração como preparativo para a estreia na bolsa. “Ninguém nos pediu nada disso. Assim como outras empresas do agro, estamos focados em progredir”, afirmou Dumoncel.
Parte do sucesso do encontro entre o agro e a faria lima é a educação do novo investidor, que busca entender melhor a produção
É um exemplo parecido com o da Jalles Machado, que também é auditada por uma das Big Four desde 1987 e já contava com um departamento de relações com investidores muito antes de dar início ao pedido de IPO. “O resultado atual é fruto de todo um passado de preocupação com governança”, afirmou o diretor financeiro da empresa, Rodrigo Siqueira.
As companhias que se prepararam com antecedência conseguiram sair na frente. E seus casos de sucesso devem servir de inspiração para que outras procurem o mercado de capitais. Para isso, terão que se aprimorar como empresas, buscando as melhores práticas em governança e gestão. E passarão por esse processo tendo uma visibilidade que não tinham antes. A pandemia ajudou a mostrar a resiliência do agronegócio para outros setores da sociedade. Afinal, não faltou comida nas gôndolas dos supermercados. E, quando finalmente estiverem listadas, poderão captar recursos mais baratos, ficarão mais flexíveis para movimentos estratégicos e terão outros benefícios que só companhias de capital aberto têm. Luiz Dumoncel, da 3tentos, resume bem a situação: “Esse ‘casamento’ da Faria Lima com o campo já deu certo. Os interesses são mútuos: fazer bons negócios”.