22/11/2021 - 8:06
O Brasil entrou na pandemia com uma economia mais frágil que a de outros emergentes, enfrentou o período sem planejamento e saiu dela desrespeitando regras fiscais, o que cria incertezas e reduz investimentos, segundo análise da economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). Esse cenário levará o País a um desempenho fraco em 2022.
“A incerteza na economia brasileira é muito alta e o contexto é de limitações do crescimento, com juro alto e sem espaço para gastos públicos”, diz ela, que prevê um PIB de 0,7% no ano que vem.
De acordo com a economista, a situação poderia ser mais positiva, pois algumas reformas foram feitas nos últimos anos e deveriam ajudar na retomada. Medidas populistas, como o Auxílio Brasil – criado sem planejamento e discussão -, no entanto, impedem uma melhora da economia.
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O Brasil está entre os emergentes que devem registrar pior desempenho econômico em 2022. O que difere o Brasil desses países de perfil semelhante?
O desempenho depende de como eram as condições antes da pandemia, de como o País lidou com a pandemia e das consequências da pandemia. Antes da pandemia, já estávamos em situação complicada. O crescimento do Brasil nos três anos depois da recessão de 2015 e 2016 foi muito ruim. A produtividade estava estagnada, havia informalidade e desemprego alto. Tivemos o choque em cima de uma economia com muitos problemas. Depois, pelo fato de não termos tido uma estratégia nacional de combate à pandemia, também temos um desempenho pior agora. Poderíamos ter tido uma queda maior da economia no começo da pandemia devido a medidas de restrições mais rígidas, mas também uma melhora mais rápida. A gente não quis lidar muito em um primeiro momento com o problema. Teve ainda a questão de fechar os olhos quanto à gravidade e à persistência da covid. Não nos preparamos para lidar com o Orçamento. Quando você vai para a guerra, tem de se preparar. Não só se preocupar em vencer uma batalha. Aí criou-se, no início deste ano, uma expectativa de retomada, mas ela perdeu o fôlego, porque bateu em restrições.
O que devia ter sido feito?
(O País) tinha de ter se preparado: pensado em uma política de proteção social para os informais, por exemplo. O governo não fez isso e, agora, com as eleições chegando, resolveu não seguir regras fiscais. Se tivesse se programado tecnicamente para um programa social, discutido valores, o risco e a volatilidade poderiam ser menores agora. Como isso não ocorreu, o mercado avaliou que o governo não tem compromisso. O populismo tomou conta. Aí o risco é maior, e o juro tem de subir mais. Nesse meio tempo, vem também um problema estrutural: a questão hídrica. Se não chove, não temos como crescer.
O Ibre projeta alta de 0,7% no PIB para 2022. Quais serão os principais fatores responsáveis pelo desempenho fraco?
Parte importante vem do fato de não haver solidez fiscal. O Orçamento hoje é muito restrito e ainda tem eleição em 2022. Agora, a incerteza política e fiscal é muito grande desde o impeachment (de Dilma Rousseff), mesmo com o avanço de reformas microeconômicas. Esse cenário, aliado ao juro e ao câmbio altos, afetará o investimento e toda a economia. Resumidamente: a incerteza na economia brasileira é muito alta e o contexto é de limitações do crescimento, com juro alto e sem espaço para gastos públicos.
O cenário internacional, que afeta todos os emergentes de forma semelhante, também não deve ajudar o Brasil em 2022, certo?
No primeiro trimestre deste ano, houve ilusão de que o mundo e o Brasil iam bombar, de que a pandemia não teria maiores consequências econômicas. Hoje há uma inflação alta de oferta. A China, que antes contribuía para uma inflação baixa no mundo, não consegue mais fazer isso. Está com limitação em sua oferta por conta do problema de energia e também da pandemia. Estamos em um período de inflação alta em todo o mundo. A festa vai acabar mais cedo porque o juro vai subir. Já está subindo em emergentes. Era para estarmos saindo da pandemia radiantes, mas a vida é dura. Ainda mais no Brasil, onde estamos saindo com um déficit primário maior. A festa durou só um semestre e não nos preparamos para o fim. Estamos colhendo menos do que plantamos, porque até fizemos algumas reformas microeconômicas, mas aí veio o custo do populismo: mais inflação, juro mais elevado e menor crescimento. A pandemia não é a culpada por tudo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.