Principal opositor do governador de São Paulo, João Doria, no PSDB, o deputado Aécio Neves (MG) avalia que seu partido deve buscar a sobrevivência política e focar na eleição de uma boa bancada no Congresso Nacional 2022, em vez de apostar em uma candidatura presidencial que não decole. “Mesmo que o PSDB não vença essas eleições, nós temos de sobreviver enquanto um partido sólido no Congresso”, disse Aécio ao Estadão, após a vitória do rival nas prévias para ser candidato ao Palácio do Planalto.

O ex-presidenciável tucano, derrotado nas eleições de 2014, foi um dos principais articuladores da campanha do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, na disputa interna. “Está com ele (Doria) a bola, cabe agora demonstrar que nós estávamos errados e construir em torno de si uma grande aliança”, afirmou Aécio, para quem o partido deve também estudar alianças com outros nomes, como Rodrigo Pacheco (PSD), Ciro Gomes (PDT) e Sergio Moro (Podemos). “Se nós chegarmos extremamente isolados, obviamente que o PSDB vai discutir a conveniência ou não de ter essa candidatura”, disse o deputado.

Sobre Moro, no entanto, o tucano, alvo de denúncia de corrupção no escândalo da JBS, fez uma ressalva de que ele precisa esclarecer sua atuação na Lava Jato e divulgar gravações feitas por procuradores.”O juiz tem de estar, isso é o que preconiza o Estado Democrático de Direito, equidistante da acusação e da defesa.”

Já em relação a Lula, Aécio criticou os acenos que o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, de saída do PSDB, tem feito à candidatura do petista em 2022: “Acho contraditória uma aliança com o PT, nós combatemos o PT a vida inteira, tanto ele (Alckmin) quanto eu e muitos outros. Não porque não gostamos do Lula, o Lula é uma grande figura, um cara bacana para sentar e tomar uma cachaça. Eu tive uma ótima relação com ele durante oito anos, mas o PT faz muito mal ao Brasil”. Confira a seguir a íntegra da entrevista.

As prévias do PSDB aprofundaram as divisões no partido?

O pragmatismo no atendimento dos interesses individuais do partido venceu a esperança. Esse enredo a que chegamos agora era previsto. Quando as prévias foram marcadas, não existia sequer outra candidatura. Nós de Minas e outros Estados apoiamos Eduardo Leite não por ser contra o Doria, mas por enxergar em Eduardo muito melhores condições para aglutinar essas forças de centro, com baixa rejeição, com discurso moderno, e romper essa polarização que ainda existe entre Lula e Bolsonaro. Só que foi uma luta muito desigual. Eduardo tinha duas armas: seu discurso e a esperança que ele gerava um caminho novo para o PSDB. De outro lado, uma máquina avassaladora do governo de São Paulo, toda a serviço de uma candidatura e que convenceu individualmente alguns.

Houve traições?

Sem dúvida alguma. Alguns se curvaram ao que eu chamo do pragmatismo dos interesses individuais. Se dez parlamentares que tinham compromisso com Eduardo, que se deixaram fotografar, postaram nas redes sociais ao lado Eduardo Leite, tivessem votado no Eduardo no final, apenas desse conjunto de deputados e senadores, o resultado teria sido inverso, Eduardo teria vencido as prévias.

E compra de votos?

Não posso afirmar o que não posso provar, mas as conversas foram muito pragmáticas. Sabíamos a forma de Doria agir, não surpreende ninguém. Eu me surpreendi com vários companheiros nossos, que trocaram a esperança de uma candidatura forte do PSDB, que poderia alavancar outras candidaturas regionais de governo, no Congresso, optaram por esse outro caminho. Nós participamos do jogo, tem que reconhecer que João Doria adquiriu, não importa com que armas, a condição de, em nome do PSDB, buscar aglutinar outras forças políticas em torno do seu nome. A bola está com ele. Doria tem de demonstrar que a sua candidatura não nos levará ao isolamento. Temo ainda hoje o reflexo em candidaturas estaduais, no Congresso Nacional. Ele tem de demonstrar que eu estou errado e vou dar minha mão à palmatória se conseguir realmente construir em torno de si uma aliança que possa tornar sua candidatura minimamente competitiva.

Qual será seu papel na campanha presidencial de 2022 no PSDB?

Não sei ainda como vai ficar o quadro, tem muita água para rolar debaixo dessa ponte ainda. Se Doria vai ou não se viabilizar, o tempo é que vai dizer. Eu acho que esse quadro ainda está muito incerto. Alardearam durante a campanha: ‘o Aécio quer bolsonarizar o PSDB’. Nada disso, eu não apoiei o Bolsonaro na campanha presidencial quando ele era o “mito”, ao contrário de muitos tucanos. Talvez tenhamos perdido o governo em Minas Gerais por conta disso, com (o senador Antonio) Anastasia no segundo turno, porque optamos por não apoiar nem o PT e nem o Bolsonaro. Não é agora que eu vou fazê-lo. Nós somos ainda o maior partido de Minas Gerais, o PSDB não foi construído ontem e nem anteontem e é no PSDB que nós vamos continuar fazendo política.

O senhor vai sair do partido?

De forma alguma, estou construindo o PSDB há mais de 30 anos. Essa é uma etapa da vida do PSDB, já passei por várias outras. Eu vou sempre atuar no sentido de que o PSDB possa liderar um projeto de País. O PSDB é essencial para o Brasil, nós temos hoje um conjunto enorme de partidos pragmáticos no Brasil, que buscam ou nacos de poder do governo da ocasião ou espaço de poder no Congresso Nacional, emendas do orçamento e muitos poucos programáticos. O PSDB é um desses partidos programáticos. O PSDB não pode diminuir seu peso inclusive no Congresso.

Desde 2018, o PSDB vem perdendo tamanho e protagonismo eleitoral. Vê chances de isso mudar em 2022?

Se nós formos para o isolamento, e eu espero que não esse seja nosso caminho, isso reflete inclusive na nossa presença nas assembleias, na nossa presença congressual. Mesmo que o PSDB não vença essas eleições, nós temos de sobreviver enquanto um partido sólido no Congresso. Se prevalecer essa polarização, ela vai chegar a um exaurimento, fadiga, cansaço. O PSDB pode surgir com um projeto para o País, liberal na economia, inclusivo nas questões sociais, moderno nas relações internacionais, responsável na questão ambiental, com experiência de gestão, quadros qualificados. Não podemos sucumbir, ser levados ao apequenamento, à irrelevância. Eu espero que o PSDB possa, a partir dessas eleições, retomar um papel mais central no Congresso Nacional, e isso passa por uma candidatura razoavelmente competitiva. Como eu disse, a bola está com o governador de São Paulo.

Se Doria tiver um resultado ruim nas pesquisas durante a eleição, como foi com Alckmin em 2018, o senhor vai apoiar um candidato de outro partido?

Não dá para falar em suposição. Se o PSDB quiser ter um candidato, esse candidato tem de se mostrar viável e vamos ter tempo para isso ainda. O governador João Doria venceu as prévias para ser o pré-candidato do PSDB, não venceu para ser dono do PSDB, o PSDB é maior do que nós todos. Passou por outros momentos difíceis, tivemos uma eleição de 2018 difícil e continuamos aqui o PSDB.

O que acha da saída de Geraldo Alckmin do PSDB e sobre ele ter admitido considerar ser vice de Lula?

A trincheira tem de ser dentro do PSDB, lamento inclusive que o governador Geraldo Alckmin não tenha escolhido o campo do PSDB para fazer o seu projeto. Acho contraditória uma aliança com o PT, nós combatemos o PT a vida inteira, tanto ele quanto eu e muitos outros. Não porque não gostamos do Lula, o Lula é uma grande figura, um cara bacana para sentar e tomar uma cachaça. Eu tive uma ótima relação com ele durante oito anos, mas o PT faz muito mal ao Brasil. Nós temos de trabalhar para uma coisa diferente dos dois polos que estão aí hoje. Por isso, nós apostamos (nas prévias do PSDB) em uma candidatura de baixa rejeição, capacidade de alianças maior do que a do governador de São Paulo. Criou-se uma falsa narrativa, dele (Doria) e de vários outros. ‘O Aécio quer bolsonarizar o partido’. Isso é uma grande bobagem, não apoiei o Bolsonaro lá atrás e não apoio agora.

Moro pode ser o candidato da terceira via?

Qualquer cidadão pode disputar a Presidência da República. Eu não conheço bem o Sérgio Moro, acho até que há uma curiosidade no Brasil para saber o que ele pensa sobre economia, sobre relações internacionais do Brasil, questão ambiental, agronegócio, questões sociais. Eu acho que ele poderia prestar uma contribuição à transparência, que ele prega com muita força na sua campanha. Eu acho que ele é um candidato que o PSDB tem de estar dialogando também, até para que nós possamos conhecer um pouco melhor. Podia fazer um gesto, que seria acho que muito bem visto, pedir para que se torne pública todas aquelas gravações que foram feitas com os delegados, com os procuradores da República, muitas delas estão ainda em segredo, não foram divulgadas. São aquelas que o presidente Lula conseguiu com o ministro Lewandowski autorização para acessar.

Existe uma terceira via sem o PSDB?

Eu acho muito difícil. Como eu disse, o PSDB tem um projeto de País. Por mais que tenha problemas, o PSDB inspira nas pessoas sentimentos de que inclusive existe um rumo, um programa claro na questão econômica, de responsabilidade, liberal na construção da economia, nas relações internacionais, as questões sociais. Acho que o PSDB ajuda na identidade da terceira via, por isso sempre torci para que o PSDB liderasse a terceira via. A candidatura do Eduardo era isso, era a possibilidade real dessa liderança. Agora, o governador Doria tem todo tempo para provar que nós estamos errados e ele vai ter de dizer o que quer do PSDB, se ele quer o PSDB mobilizado, unido. Nós não vamos criar dificuldade.

Qual é a real influência do Planalto, do governo Bolsonaro, sobre o PSDB no Congresso? E qual seu papel nisso? Articula votos, cargos, emendas?

Eu não passo nem perto disso, não fui nenhuma vez no mandato do presidente no Palácio, passo longe dessa questão de emendas até porque não tenho base municipal, prefeitos. O meu voto é um voto mais solto no Estado, de reconhecimento ao nosso trabalho. Criou-se uma imagem de que sou um líder do ponto vista da bancada, isso não existe, é só você conversar com os deputados. Nunca pedi um voto a algum deputado para o que quer que fosse. Prestam um desserviço ao PSDB aqueles que, dentro do partido, criam essa falsa narrativa. Não apoiei quando ele era chamado de “mito” na campanha de 2018 e não estamos apoiando agora. Eu quero construir uma candidatura no meio do caminho que fura essa polarização. Isso não me faz achar que o PT seja essa alternativa, acho que também não é. O PT fez muito mal ao Brasil. Tem algumas coisas importantes, tem programas sociais, ok, mas o conjunto da obra, eu não esqueço.

O senhor diz que não faz parte desse processo bolsonarista do PSDB, mas é inegável que ele existe. O PSDB inclusive divulgou que seria oposição, mas a bancada não atendeu a isso.

Eu acho que a direção nacional conversa muito pouco com a bancada. Ela vai se resumindo ao presidente Bruno. A gente pouco se reúne, essas questões jamais foram objeto de qualquer discussão no partido. É natural que o presidente ache que deve tomar qualquer posição individual sem conversar com a bancada; a consequência é a bancada ter outra visão.

Moro está se mostrando, em algumas sondagens, um candidato com solidez, mas pela atuação na Lava Jato, isso não dificulta alianças políticas?

No meu caso pessoal, estou muito tranquilo porque todos os inquéritos que foram abertos de forma irresponsável, em uma ação política, foram arquivados por iniciativa do próprio Ministério Público. Porque a Lava Jato teve acertos, eu reconheço, mas teve exageros, equívocos muito grandes, e sou vítima de alguns desses equívocos. O dano da imagem política fica, mas a gente tem de conviver com isso. Acho que o Moro é um candidato que tem de estar sentado na mesa, nesse conjunto de partidos, para discutir qual é a candidatura que vai aglutinar um conjunto maior de forças na sociedade inclusive. Acho que o PSDB tem condições de liderar esse cenário ainda. Eu não acho que o jogo esteja jogado, acho que nós vamos ter muita água ainda pra passar debaixo dessa ponte. Acho que ter uma candidatura do PSDB é bom para o País porque ela sinaliza um modelo de gestão que nós queremos, um projeto que defendemos. Agora, temos de compreender que, sozinhos, nós não vamos a lugar nenhum. Fracionar a terceira via com duas, três, quatro candidaturas como se apresenta hoje é atender o interesse da polarização, é atender o interesse de Lula e de Bolsonaro, que torcem pra isso. Então, é preciso que haja responsabilidade e desprendimento em todos esses candidatos, inclusive no Sérgio Moro.

O sr. acredita que Moro descartaria ser candidato? O juiz se dobra à política?

Ele já é um político, já age como político.

Mesmo como juiz?

Não tem muitos elementos para dizer se, naquelas decisões, já tinha ali um projeto político em andamento. Eu acho que o grande erro que ele cometeu, isso posso dizer como político que sou, foi ter ido para o governo Bolsonaro. Depois da atuação que teve. Eu acho que se ele não tivesse ido e entrado na política, me parecia mais natural. Ele optou por participar de um governo que se beneficiou das suas decisões. Mas ok, eu acho que isso não tira dele a legitimidade de postular algum cargo público. Acho que seria interessante e muito bem-vindo se ele tomasse a iniciativa de tornar públicas todas aquelas conversas. Eu acho que nós conhecemos melhor ainda, quem sabe até para aplaudi-lo? Ele é um player hoje importante, fala para uma parcela da população, mas o Brasil precisa de um presidente da República que conheça os problemas brasileiros, que tenha time, que tenha proposta para enfrentar os desafios que o Brasil tem que não são poucos. Nós vamos viver um período terrível na questão econômica, uma crise social se agravando, a fome chegando de forma muito rápida a todas as regiões do País. Eu tenho visto no meu próprio Estado, andei muito nessas últimas semanas lá. Nós vamos ter um quadro muito difícil, que precisa mais do que um símbolo, precisa de um grande gestor capaz de aglutinar apoios na sociedade e capaz de governar. Eu acho que esse é o desafio que ele tem pela frente, mostrar a sua capacidade de gestão. Já que ele não tem nenhuma experiência, pelo menos conhecida, de gestão pública.

O senhor falou dessa fragmentação da terceira via, quem mais o senhor vê hoje com capacidade de chegar lá para sentar à mesa? Ciro, Pacheco?

Eu acho que o Ciro tem uma candidatura mais enraizada, não sei se ele teria essa disposição, eu gostaria, eu cheguei a citar o Ciro como uma alternativa. Eu acho que nós tínhamos de trabalhar o centro ampliado, que vai da centro esquerda até a centro direita para termos chance efetiva. O Brasil merece muito mais do que ficar refém dessa polarização.