01/02/2022 - 13:25
Quatro meses após ser anunciado como resultado da fusão entre DEM e PSL, o União Brasil enfrenta uma disputa de poder para definir quem dará a última palavra em acordos regionais e nas alianças para a eleição presidencial. Enquanto setores do PSL querem que o novo partido apoie a pré-candidatura do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro (Podemos), dirigentes do DEM, como ACM Neto, preferem investir na construção de palanques estaduais. Além disso, uma ala do DEM tem resistências a Moro por causa de sua atuação como juiz na Operação Lava Jato.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) admitiu uma série de desencontros entre o DEM e o PSL. “O DEM tem uma cultura de decisão, de encaminhamento, de ser bem orgânico, de discutir muito ‘interna corporis’. O PSL tem uma história de decisão mais monocrática”, disse Mandetta ao Estadão.
Apontado no ano passado como provável presidenciável do DEM, Mandetta é agora lembrado como candidato a vice, embora não se saiba para qual chapa. Em novembro, o anúncio de sua desistência como postulante à cadeira do presidente Jair Bolsonaro foi o primeiro sinal de que a sintonia entre o DEM e o PSL não estava tão boa assim.
Foi o deputado Luciano Bivar (PE), presidente nacional do PSL, quem declarou que o ex-ministro não seria candidato ao Palácio do Planalto. Horas depois, Mandetta afirmou que havia ocorrido uma “falha de comunicação” e disse continuar “à disposição” para a disputa presidencial.
Na avaliação do ex-ministro da Saúde, a expectativa é que as diferenças sejam ajustadas após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) homologar a criação do União Brasil, ainda no início deste mês. “Precisa homologar para sentar, começar um processo de discussão. Ainda não tem esse espírito de partido, de corpo”, argumentou ele.
Para Mandetta, o União Brasil deve representar uma alternativa eleitoral a Bolsonaro e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Eu defendo a unificação de candidaturas. Acho que Doria (João Doria), Moro e até o Ciro (Ciro Gomes) têm de fazer um esforço para ver se conseguem não fragmentar”, insistiu o ex-titular da Saúde. “O problema, agora, é fazer um esforço muito grande para construir chapas competitivas nos Estados.”
Embates
A definição do comando de diretórios estaduais ainda provoca embates entre integrantes do DEM e do PSL. No Rio, por exemplo, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) já avisou que se desfiliará do partido se o prefeito de Belford Roxo, Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho – hoje presidente do PSL fluminense – continuar no cargo. “Não sou liderado por quem tem uma ficha extensa no Judiciário”, disse ele ao Estadão, numa referência a processos enfrentados pelo prefeito.
No Distrito Federal, onde a direção da nova legenda foi prometida a Manoel Arruda – atual presidente do PSL local e aliado do ministro da Justiça, Anderson Torres -, os ex-bolsonaristas Alberto Fraga e Luís Miranda, ambos do DEM, também lutam pelo controle do partido.
No Ceará, o União Brasil se divide entre duas possibilidades de coligação. A ala representada pelo DEM, do senador Chiquinho Feitosa, está aliada ao PT e ao PDT. Já o segmento sob comando do PSL tenta filiar o deputado Capitão Wagner (Pros) para disputar o governo e dar palanque a Bolsonaro.
O aval do novo partido também é cobiçado pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Em dezembro do ano passado, o União Brasil antecipou sua posição e declarou apoio ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato de Doria, presidenciável tucano. Hoje, as secretarias de Transportes e de Governo estão nas mãos de indicados do DEM.
A decisão em São Paulo pode parecer um empecilho para o União Brasil e Moro ocuparem o mesmo palanque no Estado, uma vez que o ex-ministro já manifestou simpatia pela candidatura do deputado Arthur Do Val (Podemos), conhecido como ”Mamãe Falei”, ao Palácio dos Bandeirantes. Mas, para o deputado Júnior Bozzella (PSL-SP), que atua como coordenador informal da campanha de Moro em São Paulo, esses desencontros são normais.
“Todos os partidos vão dividir palanque nos Estados. Dentro do próprio União Brasil, na Bahia, o ACM Neto terá palanque para Ciro. Vai abrir”, disse Bozzella. Candidato ao governo baiano, ACM Neto conta com o respaldo do PDT de Ciro Gomes, partido que tem a vice-prefeita de Salvador. Mesmo com a remota possibilidade de aliança nacional entre o PDT e o União Brasil, os dois partidos também deverão seguir juntos em Goiás, na campanha à reeleição de Ronaldo Caiado (DEM), no Mato Grosso e em Pernambuco.
O presidente do PDT, Carlos Lupi, afirmou que a sigla também espera ganhar a adesão do União Brasil para a pré-candidatura do senador Weverton Rocha ao governo do Maranhão. “Há muitos Estados nos quais a gente tem cruzamento de apoios”, constatou Lupi.
No PSL, Bozzella é um dos maiores entusiastas da pré-candidatura de Moro e quer que ele migre para o União Brasil. O ex-juiz se filiou ao Podemos em novembro, mas o deputado argumenta que o partido é pequeno e não tem a estrutura de campanha que a fusão DEM-PSL poderia oferecer a ele.
Uma parte do DEM, no entanto, tem resistência a Moro por causa de sua atuação na Lava Jato. Na Câmara, a maioria dos representantes da sigla votou favoravelmente a projetos que limitam a investigação e a punição de políticos. Um deles foi o que afrouxou a lei de improbidade administrativa. O texto contou com o apoio de 25 dos 29 deputados do DEM .
Luciano Bivar tem conversado com os colegas Bruno Araújo – que dirige o PSDB e coordena a campanha de Doria – e Renata Abreu, que comanda o Podemos. Bivar é o futuro presidente do União Brasil e já disse em mais de uma ocasião que Doria e Moro são os dois pré-candidatos com mais chances de receber o apoio do novo partido. Aliados de Bivar trabalham agora para que ele seja vice de um desses presidenciáveis.
Bolsonaro
Bolsonaro, por sua vez, também procura ter o União Brasil em sua coligação. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), “filho 01” do presidente, e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, atuam para atrair os integrantes do novo partido. Além disso, Antonio Rueda – um dos vice-presidentes do PSL – representa hoje o principal canal de interlocução com o Palácio do Planalto.
Tudo indica que, a partir de abril – logo após o período em que deputados podem mudar de partido sem perder o mandato -, a presença governista no União Brasil deve encolher. Nessa época, muitos deputados da ala bolsonarista do PSL planejam migrar para o PL, partido ao qual o presidente se filiou.
Mesmo assim, a parte do DEM e do PSL que é ligada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas), e recebe verbas do chamado orçamento secreto resiste a abandonar Bolsonaro. Nomes como o do senador e ex-relator do Orçamento Márcio Bittar, que trocou o MDB pelo PSL no fim do ano passado, garantem que continuarão ao lado do presidente. “Bolsonaro é o meu candidato. Nada mudou”, assegurou Bittar.
Na outra ponta, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO), que já foi próximo de Bolsonaro e hoje integra a ala dos seus desafetos, disse ver dificuldades no apoio a Moro por parte do União Brasil. “A maioria dos parlamentares do DEM não tem esse bom relacionamento com o Moro”, disse.