27/03/2022 - 8:00
Em 122 anos de Brasil, a canadense Brookfield aprendeu a lidar bem com as crises domésticas, e soube tirar proveito de cada uma delas. Presente em 30 países, a gigante global tem cerca de US$ 700 bilhões em gestão de ativos pelo mundo, sendo US$ 32 bilhões no Brasil (cerca de R$ 150 bilhões), nas áreas de infraestrutura, energia renovável e setor imobiliário. De 2022 a 2024, a gestora pretende investir R$ 41 bilhões nos ativos existentes – fora as aquisições.
Apesar das incertezas políticas e econômicas, o presidente da gestora, Henrique Martins, menciona a longa experiência da empresa no País para dizer que o apetite continua alto.
“Quando olhamos para o Brasil nos últimos dez anos, tivemos de tudo. Impeachment, presidente de esquerda, presidente de direita e de extrema-direita, mas os contratos sempre foram respeitados. Isso é fundamental.”
Com essa garantia, diz ele, a empresa pode fazer movimentos contracíclicos e aproveitar as oportunidades. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista dada ao Estadão:
O que motiva a Brookfield a continuar investindo no Brasil com tanta instabilidade e crescimento baixo?
Estamos aqui há 122 anos, temos um conhecimento muito grande sobre o País. Já passamos por todos os tipos de crises imagináveis e também tivemos muitas oportunidades. Esse conhecimento é o primeiro diferencial que temos. Faz parte da nossa estratégia global. Nossa estratégia passa pelos investimentos na espinha dorsal das economias, em setores resilientes, com grande potencial de crescimento.
Quais setores são esses?
São setores inelásticos na questão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Em saneamento, por exemplo, o Brasil tem um grande potencial de investimento. Quase 50% dos brasileiros não têm acesso às redes de esgoto. Associam-se a isso a pouca capacidade de investimento de Estados, municípios e do governo federal e a demanda da população. É um setor em que as pessoas não consomem mais ou menos água porque o PIB cresce 2%, 1% ou 0,5%. É uma demanda muito inelástica. Energia renovável é outra que veio para ficar. Estamos construindo o maior parque de energia solar da América Latina, de 1,2 GW de geração e mais de 1,5 milhão de módulos. É uma demanda crescente no País.
Ou seja, o que interessa para vocês é o longo prazo?
Sim. Esse curto prazo, de crescimento menor e inflação alta, não entra na nossa avaliação. Para construir uma linha de transmissão, um data center ou um prédio comercial, demora-se cerca de quatro anos. Temos de olhar sempre lá na frente. Outra coisa: investimos em ativos de qualidade. Negócios ruins são negócios ruins na maioria do tempo. Pode até estar barato, mas na nossa filosofia de longo prazo vai ser ruim. Bons negócios podem estar passando por dificuldades, mas aí entramos com nossa expertise operacional e financeira, conseguimos reverter esse negócio e criar valor. Com essa visão de longo prazo podemos ser contracíclicos.
A crise pode ser uma oportunidade?
As oportunidades sempre aparecem em momentos de desconfiança. A base disso tudo é o respeito aos contratos, ao capital externo, às empresas privadas e a existência de um sistema que tem os checks and balance (sistema em que os Poderes do Estado mutuamente se controlam). Quando olhamos para o Brasil nos últimos dez anos, tivemos de tudo: impeachment, presidente de esquerda, presidente de direita e de extrema direita, mas os contratos sempre foram respeitados. Isso é fundamental.
Se comparar com outros países, estamos na média?
Respeito a contrato é uma precondição para investir. Quando há uma concessão de 30 anos, alguns ajustes precisam ser feitos, até porque o País, a concessão e a dinâmica populacional mudam ao longo dos anos. Mas o centro do contrato permanece igual. Respeitar menos um contrato não funciona porque esse menos pode ser comigo.
A Brookfield tem setores mais consolidados, mas vivemos uma demanda por novas tecnologias e transição energética. A empresa avalia essas apostas de futuro, como hidrogênio?
Sim. Levantamos um fundo de cerca de US$ 15 bilhões para investimentos nessa transição global de economia de baixo carbono. Estamos estudando investimentos em baterias e hidrogênio. Mas sempre olhamos o lado risco e retorno. Não somos investidor de venture capital. Investimos em setores consolidados, até mesmo pelo nosso tamanho. Imagine um fundo de US$ 15 bilhões para investir de US$ 5 milhões em US$ 5 milhões. Fica inadministrável.
Desses US$ 15 bilhões, tem algo para o Brasil?
Nossos fundos são globais, e uma parte vem para cá, sim. É isso que traz nossa capacidade de ser contracíclico. É ter disponibilidade de caixa e estar na hora certa e no lugar certo. Se tiver oportunidade no Brasil para transição, vamos fazer. Já estamos fazendo o parque solar e compramos a empresa de painéis solares.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.