25/05/2022 - 17:02
Quando visto de cima ou de longe, os 4,1 milhões de quilômetros quadrados da Floresta Amazônica dão a impressão de um grande e coeso bloco verde. De tal perspectiva fica difícil imaginar quantas pessoas moram sob as copas dividindo aquele imenso território com uma quantidade até hoje não registrada em sua totalidade de diferentes espécies de fauna e flora. É ainda mais desafiador pensar quanto de valor aquela floresta em pé possui. Bem, segundo a publicação científica Nature Sustainability (2018) são mais de US$ 7 trilhões. Desse potencial todo, o Brasil só exporta cerca de US$ 300 milhões com vendas de produtos cada vez mais cobiçados como cacau, castanhas
nativas e até café, mas sem ter a liderança global em nenhum deles. O cálculo foi apresentado pelo professor da
Universidade de Nova York Salo Coslovsky durante o seminário Investimento em Bioeconomia em Florestas Tropicais.
Pelo estudo de Coslovsky, a Amazônia participa com apenas 0,17% do mercado global para produtos da floresta tropical, avaliado em US$ 176 bilhões. A situação poderia ser outra se os agentes produtivos no Brasil vissem na Amazônia a chance de derrubar o Equador na liderança da exportação do palmito com seus 56% de participação contra os irrisórios 0,62% de origem amazônica. O mesmo acontece com a castanha sem casca que, de um mercado avaliado em US$ 364 milhões, 52% são de origem boliviana e apenas 4,4% amazônica. Ou com o cacau que já movimenta US$ 9,3 bilhões no mundo, dos quais 0,02% vem da Amazônia contra 40% da líder Costa de Marfim. Para Fábio Alperowitch, sócio-fundador da Fama Investimentos, diante do potencial econômico da floresta, “pensar em criar boi na Amazônia é insensato. Não é produtivo e é caro”.
Para o CEO da empresa de sustentabilidade francesa I Care Environnement no Brasil, Leonardo Werneck, a bioeconomia só começará a ganhar a relevância que merece no momento em que atrair o interesse do capital. “Quando a Faria Lima começar a olhar para a região como uma grande produtora de commodities especiais, a percepção atual sobre a floresta mudará”, afirmou. A boa notícia quem traz é o Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global. De acordo com ele, essa movimentação já começou. “A migração do mercado financeiro rumo à floresta é impressionante”, disse. Para ele, essa jornada está sendo impulsionada pelo consumidor que pressiona o varejo que fala com o mercado. E, de fato, o modelo de produção peculiar da região e o potencial de riqueza ali depositado já começaram a atrair empresas de grande porte.
CONEXÃO A 3 Corações é uma delas. A empresa vem conquistando o coração de agentes bem críticos no ramo da gastronomia pela qualidade do café que busca na floresta. Entre eles, Alex Atala, chef brasileiro reconhecido nacional e internacionalmente pelos seus altos padrões de qualidade, é um defensor absoluto da marca que tem em seu portfólio o Projeto Tribus, um café especial 100% robusta Amazônico. Lançado em 2019, o projeto se sustenta em três pilares: protagonismo indígena, proteção da floresta e café de qualidade. Segundo a gerente de projetos especiais da marca, Patrícia de Carvalho, eles chegaram a este modelo após um intensivo estudo que fizeram na região com orientação de entidades como Embrapa, Funai, Emater, além de várias visitas técnicas. Após meses de planejamento, estabeleceram a coexistência dessas condições para que o projeto existisse. “Nunca quisemos colocar o pé na região e sair”, afirmou Patrícia. “O objetivo é promover o desenvolvimento regional e ter um café sustentável de alta qualidade.”
Entrar na Amazônia foi uma aventura planejada. Conforme Patrícia, o presidente da empresa Pedro Lima e os diretores Paulo Lima e Vicente Lima estavam na Semana Internacional do Café em Belo Horizonte quando viram um pequeno estande com indígenas e o governo do estado de Roraima promovendo o grão da região. Poucos meses depois, em 2019, foi dado o pontapé inicial do projeto. Desde então a empresa trabalha com a cooperativa Garah Itxa, uma comunidade indígena Suruí que já vinha plantando café há anos. A diferença com a parceria estabelecida com a 3 Corações, afirmou o presidente da cooperativa Celso Lamitxab, foi a melhora de processos, estrutura e manejo do café. “Nossa maior dificuldade sozinhos era ter crédito para promover melhorias”, afirmou à RURAL. Com a entrada da empresa, a produtividade do cafezal subiu de 50 para 120 toneladas. “Mas o importante é a qualidade”, afirmou Lamitxab. Por isso, afirma Patrícia, gerente da empresa, a produção do Tribus é limitada e depende da safra. No ano passado foram 40 mil pacotes, este ano devem ser menos devido à quebra de safra.
ALTERNATIVA Culturas ainda pouco conhecidas por grandes agricultores do Centro-Sul do Brasil também começam a mostrar sua força. O açaí está no topo do ranking. Somente em 2019, o comércio da mercadoria movimentou R$ 3 bilhões na economia da Amazônia segundo o Balanço Social da Embrapa. É dentro deste mercado que a cooperativa Amazonbai atua. Com sede no Amapá, tem 128 cooperados cultivando exclusivamente açaí em 3,5 mil hectares. Toda área certificada pela FSC (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal). Da produção total, explicou Amiraldo Picanço, presidente da Amazonbai, cerca de 80% é vendido in natura. Os demais 20% são processados na agroindústria da cooperativa inaugurada em 2021. “O desafio é conseguir um preço diferenciado pelos produtos certificados, por isso estamos agregando valor na produção”, afirmou.
Mas para Picanço, a questão da precificação deve melhorar na medida em que crescem os mercados para produtos amazônicos. “Há uma tendência para que essa produção regional deixe de ser de nicho para ser de escala.” Além do potencial de exportação, conforme demonstrou o estudo de Coslovsky, é crescente a demanda do mercado interno. O interesse pelos produtos está atraindo cada vez mais indústrias além da de alimentação. “Estamos em negociação com a Natura para comercialização de produtos como andiroba, murumuru e outros”, disse o presidente da cooperativa. O plano de receita para este ano é de R$ 2,5 milhões e até 2023 querem ampliar o beneficiamento dos produtos dos atuais 20% para 80%.
O retorno compensa. Para se ter uma ideia de preços, o óleo de pau rosa usado em perfumes como o Chanel No 5 é avaliado em US$ 200 o litro; o óleo da castanha do Pará é vendido a US$ 30/L para uso em cosméticos e a US$ 150/L como suplemento alimentar; e o açaí apresenta lucro líquido médio de US$ 200 ha/ano em sistemas não manejados a até US$ 1,5 milhão em sistemas agroflorestais. Isso sem contar os ganhos periféricos para o meio ambiente e para a reputação das marcas.
Diante de tantas evidências é preciso acabar com a percepção de que a floresta em pé é pouco produtiva e inimiga do agronegócio. Seu impacto para as lavouras e pastos já é comprovado cientificamente. A derrubada das árvores é mais negativa do que positiva, uma vez que provoca alteração dos rios flutuantes responsáveis pelas chuvas nas demais regiões do País. Este trabalho de coexistência respeitosa, admite Daniela Vilela, diretora-executiva da FSC Brasil, não é fácil, mas é possível. “Há espaço para todos”. A condição, segundo a executiva, é respeitar o uso múltiplo da terra. Para este conflito acabar definitivamente, porém, só há um caminho. “É preciso que se comprove que a floresta em pé tem seu valor e benefícios socioeconômicos”. Mas para isso o fluxo de dinheiro que vem da Amazônia precisa ser o de origem lícita, porque com o crime não há como competir.