28/08/2022 - 7:55
O ex-embaixador Rubens Barbosa afirma que o Brasil está “marginalizado”, mas o isolamento no exterior pode ser revertido rapidamente, se houver medidas assertivas de política ambiental e de direitos humanos. Para começar a desfazer esse nó ambiental e de confiança, um estudo do grupo de pesquisa em Diplomacia Ambiental da Universidade de São Paulo (USP) completou uma análise de dois anos e meio em mais de 60 normas internacionais e 15 acordos ambientais. O objetivo foi avaliar o grau de cumprimento deles desde 1992. O trabalho foi coordenado pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), presidido por Barbosa, com organização da professora da USP Wânia Duleba.
Qual a imagem que o Brasil passa para os outros países em relação à sua política ambiental e ao cumprimento dos acordos ambientais de que é signatário?
A percepção externa sobre o Brasil hoje é muito negativa. Nós tivemos um episódio semelhante no meio do governo militar quando, na década de 80, aconteceu o mesmo problema de desmatamento da Amazônia. A percepção externa foi muito negativa. Foram quase 15 anos para a gente recuperar o protagonismo na área do clima. Só em 92, com a Rio 92, o Brasil passou a ser um player, um ator importante no cenário internacional. Agora está acontecendo a mesma coisa. O estudo mostra que, até 2018, o Brasil estava bem
No estudo, quando olhamos para, por exemplo, o Acordo de Paris, há ali uma preocupação clara de que as metas de redução não serão alcançadas.
É isso. Mostra os pontos em que o Brasil vai ter de melhorar. Não há nenhuma indicação de que o governo esteja tomando algumas medidas no caminho disso, porque 2025 é depois de amanhã.
Se para desmontar uma política ambiental parece ser muito rápido, remontar deve ser mais difícil?
Ela pode ser rapidamente reconstruída a partir de medidas muito simples. Vou dar um exemplo concreto: o Fundo Amazônia foi suspenso no início do governo porque ele desmontou os órgãos de governança que acompanhavam o emprego dos recursos. Se houver uma negociação com a Alemanha e com a Noruega, e na primeira semana do governo esses órgãos voltarem a funcionar imediatamente, os recursos, US$ 1 bilhão, que estão parados no BNDES, poderão ser utilizados.O que eu estou querendo dizer é que a percepção externa poderá começar a mudar rapidamente por ações pontuais. Outro exemplo: se o governo, o novo governo, a partir de 1.º de janeiro, definir, como definiram os outros países, inclusive os Estados Unidos, que o meio ambiente está no centro da política externa brasileira, isso já é uma revolução no exterior. É uma volta gradual à credibilidade.
E o desmonte dos órgãos de controle do desmate?
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Biodiversidade), é só você montar novamente. Isso é fácil de montar porque tem muita gente que não está sendo aproveitada e que pode voltar para fiscalizar. Enfim, eu não estou pessimista, desde que haja uma vontade de mudar a política.
O senhor está falando da percepção externa sobre o Brasil e sua política ambiental, mas lhe preocupa a percepção interna de, pelo menos, uma parte da sociedade, como as Forças Armadas, com a retomada do “integrar para não entregar”? Como deve ser o comportamento das Forças no futuro governo?
Elas sempre tiveram um papel muito importante na Amazônia, vão continuar a ter. É a instituição que está mais presente na região, tanto a Marinha, quanto a Aeronáutica e o Exército. Claramente essa política do GLO (operações de Garantia da Lei e da Ordem) não deu certo, eu não tenho detalhes, não sei por que não deu certo, mas não diminuíram as queimadas, não diminuíram o desmatamento da Amazônia. E acho que no futuro governo isso tem de merecer um tratamento especial. Por exemplo, há alguns anos atrás a gente não estaria discutindo a Amazônia. Ela se transformou num foco de preocupações políticas por várias razões.
Esse é um assunto que resvala na questão financeira, com a repercussão que isso tem, por exemplo, na OCDE e no acordo de União Europeia e Mercosul?
Se o Brasil quer entrar na OCDE, se quer aprovar o acordo com a União Europeia, isso passa pela política ambiental. Isso tudo pode ser prejudicial aos interesses brasileiros, não só aos interesses do governo, como aos interesses do setor privado. Cada vez mais vão existir medidas que restrinjam as importações de produtos que saem de áreas que estão sendo desmatadas. Então, não adianta a gente ter uma retórica aqui no Brasil dizendo que isso é um problema de interesses externos para ocupar a Amazônia, ou que é um interesse protecionista para impedir produtos brasileiros. O Brasil só vai entrar na OCDE se cumprir o que ela prevê. A mesma coisa com a União Europeia.
Nesses últimos anos vivemos uma espécie de negacionismo dos problemas ambientais. Esse comportamento se aproxima do populismo político?
Entrou no contexto geral. Não há dúvida que, por uma série de razões, políticas, ou por algumas pessoas não acreditarem efetivamente na preservação, ou porque a Amazônia está muito distante e por acharem que existe uma espécie de indústria de multas, essas políticas foram abandonadas literalmente. Abandonadas no sentido de que as medidas de coerção para os ilícitos e as políticas de fiscalização e repressão com as multas foram abrandadas. Como eu disse, essa questão não é só de meio ambiente é uma questão que abrange muitos aspectos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.