Foi durante uma briga de família que José Fernandes Junior, o Zeca, decidiu que não podia mais ficar em casa. Seu irmão mais novo, contou, era usuário de droga “desde que o crack chegou em São Paulo”. Após uma discussão, quando o caçula ameaçou atacá-lo com uma faca peixeira, Zeca tomou sua decisão.

“Percebi que minha vida estava em risco”, relatou Zeca. Naquele dia, aos 36 anos, pegou suas coisas, fez a mala e saiu pelas ruas da zona leste da capital. Isso foi há 17 anos. Desde então, milhares de pessoas tomaram decisão semelhante – atualmente, pelo menos 24 mil estão em situação de rua, segundo o censo municipal.

Mesmo sendo um dos grupos mais vulneráveis da cidade, essas pessoas têm suas demandas pouco contempladas pelos candidatos a prefeito de São Paulo. Parte deles tem propostas genéricas, já existentes, ou que não dialogam com o que é reivindicado por este segmento, segundo levantamento do Estadão. A reportagem analisou as menções expressas à população de rua nos planos de governo de todos os candidatos.

Líder nas intenções de voto na pesquisa Ibope mais recente, o prefeito Bruno Covas (PSDB) tem como única proposta explícita, nessa área, a transformação do Hospital Santa Dulce dos Pobres, no centro, em unidade de atendimento exclusivo para moradores de rua.

Conforme mostrou o Estadão, o modelo de exclusividade não existe na rede e é considerado ilegal por especialistas. Covas ressaltou que o que propõe é um “hospital referência” para essa população, e que iria incluir essa informação em seu plano de governo. O tucano também fala em aumentar vagas em Repúblicas, locais que costumam atender a população em situação de rua.

Coordenadoria

Já Celso Russomanno (Republicanos) propõe uma “coordenadoria intersecretarial” controlada por representantes da sociedade civil e do governo. Já existe, atualmente, o chamado Comitê PopRua, com políticas para moradores de rua que, segundo a Prefeitura, inclui integrantes de diversas secretarias e, na composição, paridade entre governo e sociedade civil. Procurado, Russomanno não explicou como sua proposta seria diferente desse comitê.

Outros candidatos – entre eles Levy Fidelix, do PRTB -, nem sequer mencionam moradores de rua em seus planos. Alguns citam essa população sem apresentar medidas objetivas – caso de Vera Lúcia (PSTU) e de Márcio França (PSB). França chega a mencionar “programas específicos” para a população de rua e fala em “ações articuladas” em temas como educação e reinserção social, mas sem detalhar.

A ausência de medidas para essa população contrasta com o destaque dado pelos candidatos à Cracolândia. Arthur do Val “Mamãe Falei” (Patriota), por exemplo, dedica uma seção inteira de seu plano à região, mas traz como única proposta ampliar “canais para que moradores de rua possam ter seus pets em centros de acolhimento”.

No caso de Joice Hasselmann (PSL), a candidata só menciona a população de rua fora do contexto da Cracolândia ao defender a “filantropia” e a participação de um “Conselho da Melhor Idade” na retirada de crianças da rua.

Coordenadora da Rede Brasileira de Pesquisadores sobre População em Situação de Rua, Silvia Schor alerta que a discussão sobre políticas para a população em situação de rua não deve ser misturada com a da Cracolândia. De acordo com Silvia, trata-se de “recortes diferentes”, que, em certos aspectos, não têm as mesmas características.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.