21/08/2014 - 10:25
Oadministrador de empresas Plínio Nastari é uma figura conhecida entre os empresários ligados à produção de açúcar e etanol no País. Doutor em economia agrícola pela Iowa State University, nos Estados Unidos, Nastari comanda a Datagro, de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, uma das mais renomadas consultorias especializadas na cadeia sucroalcooleira. Diariamente, com sua equipe de mais de 40 consultores, ele acompanha as movimentações dos mercados de açúcar e etanol em 122 países. Nastari diz que, na safra 2014/2015, os estoques globais de açúcar vão tomar um rumo diferente do atual. Em vez de repetir o superávit dos últimos cinco anos, haverá um déficit mundial que pode chegar a 2,5 milhões de toneladas de açúcar. O especialista também faz críticas severas às políticas para o setor. “Falta o governo deixar que o mercado funcione”, diz.
Dinheiro Rural – Neste mês, o Inmetro e o Centro de Pesquisa da Petrobras devem concluir um estudo, a pedido do governo federal, a respeito do aumento da mistura do etanol anidro à gasolina, de 25% para 27,5%. Isso ajudaria o setor? Em que medida?
Plínio Nastari – Da parte dos produtores, vemos que eles estão muito ansiosos para que isso aconteça. A medida ajudaria o País, porque a Petrobras reduziria as importações de gasolina. Também daria uma sinalização de aumento da demanda por etanol no mercado e ajudaria a indústria. No entanto, acredito que seria apenas uma medida paliativa.
Nastari – Fazemos avaliações permanentes sobre preços do etanol, importações, tributos e subsídios à gasolina, fatores que têm afetado o setor alcooleiro e açucareiro. Em julho, o preço da gasolina nas refinarias brasileiras esteve cerca de 17% abaixo do praticado no mercado internacional. Isso afeta a remuneração do etanol e induz os produtores a produzirem mais açúcar, o que também deteriora esse mercado. Assim, estimamos uma produção de 23,85 bilhões de litros de etanol na safra 2014/2015, uma redução de 6,7% do volume produzido no ano anterior.
Rural – E em relação à tributação no setor?
Nastari– O tributo que incide nos combustíveis é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), criada na década de 1990. Até 2008, o nível da Cide para a gasolina foi mantido em R$ 0,28 por litro. Desde então, foi gradualmente reduzida até chegar a zero, em 2012. A gasolina foi equiparada ao etanol, que sempre teve Cide zero. É um absurdo o que acontece com o setor sucroalcooleiro. O correto seria o governo federal usar a tributação da Cide para dar incentivos ao transporte coletivo e ao uso de veículos movidos com energia limpa, como o biodiesel e o biometano.
Rural – Sem contar os subsídios ao combustível fóssil, certo?
Nastari – A política para a gasolina chegou a um dinheiro rural/117-AGOSTO-2014 23 nível tão insustentável que agora ameaça de fato a continuidade da produção de etanol. De 2008 para cá, já foram fechadas 66 usinas no Brasil. Há um desestímulo geral à produção e venda de biocombustível no País. Não faz sentido subsidiar a gasolina, que vai ser usada para o transporte individual, entupindo de automóveis as ruas das grandes cidades.
Rural – Em que grau esse subsídio afeta o mercado?
Nastari– Nos primeiros cinco meses de 2014, o Brasil já importou 1,14 bilhão de litros de gasolina, a um preço médio de US$ 0,73 por litro. Em maio, o preço de importação equivalia a R$ 1,61 por litro, enquanto o preço do álcool anidro, em São Paulo, foi de R$ 1,37. Se o etanol anidro, que serve para misturar na gasolina, fosse vendido pelo mesmo valor da gasolina importada, somente no mês de maio teria sido gerada uma receita adicional de R$ 226 milhões às usinas.
Rural – Mas esse valor que o governo pagou pela gasolina seria suficiente?
Nastari – Com certeza, o valor de R$ 1,61 cobriria os custos do setor alcooleiro. Hoje, esse setor é bem competitivo com a gasolina no mercado internacional. O problema é que o produtor tem um competidor desleal, porque o governo repassa a gasolina ao mercado interno por um preço muito inferior ao que ele compra lá fora. De janeiro a maio, só com o álcool anidro, o setor deixou de faturar R$ 853 milhões. No ano passado, o prejuízo foi da ordem de R$ 2 bilhões.
RURAL – Então, o que é preciso fazer para que o setor sucroalcooleiro volte a respirar aliviado?
Nastari – Falta o governo federal deixar que o mercado funcione. O consumo de combustível do ciclo Otto, que é a mistura de gasolina e etanol, está crescendo a uma taxa anual de 5% no Brasil. A produção de etanol não está acompanhando esse avanço e estamos condenados a importar gasolina de forma crescente.
RURAL – Por outro lado, a produção de açúcar vem sendo mais atrativa?
Nastari – Sim, porque a usina vai priorizar o produto que tiver o melhor preço. Para o açúcar, o ano comercial global ocorre de 1° de outubro a 30 de setembro, que corresponde à safra no Hemisfério
Norte. Estamos encerrando a safra mundial de 2013/2014 com a estimativa de superávit de 2,18 milhões de toneladas de açúcar. No entanto, a novidade é que para a safra 2014/2015, que começa em
outubro, estamos prevendo um déficit de 2,46 milhões de toneladas.
Rural – Quais são as causas desse déficit?
Nastari– A previsão de déficit se baseia no que deve ocorrer nos principais mercados produtores de açúcar, como Índia, México, Tailândia e Austrália, além do Brasil. Os indianos reduzirão a produção em até 500 mil toneladas, porque as chuvas de monções têm vindo abaixo dos níveis normais. O México também terá um recuo na produção, de cerca de 1 milhão de toneladas, provocado pelo clima. Em relação à Tailândia, que avançou muito nas duas últimas safras, a expectativa é produzir, no próximo ano, os mesmos 11,3 milhões de toneladas de 2013/2014. Na Austrália, que produz 4,3 milhões de toneladas, o aumento deve ser de 220 mil toneladas de açúcar, em função do clima mais favorável e do aumento da área cultivada.
Rural – E como o Brasil entra nessa história?
Nastari – No Brasil, o problema também está no clima. A estiagem deste ano tem afetado muito a safra de cana no País, quadro que deve se agravar no segundo semestre. Nossa estimativa de moagem na região Centro-Sul para a safra 2014/2015 é de 556 milhões de toneladas de cana, 6,9% menor que a moagem de 596,9 milhões de toneladas na safra 2013/2014.
Rural– Qual é o peso do Brasil nesse déficit mundial?
Nastari– O Brasil vai deixar de exportar cerca de 1 milhão de toneladas de açúcar na safra 2014/2015. Na passada, a exportação do produto foi de 26,2 milhões de toneladas, enquanto na 2014/2015 o excedente exportável é estimado em 25,2 milhões de toneladas.
Rural – O clima afeta de que forma a qualidade da cana brasileira?
Nastari – As canas disponíveis para moagem, a partir deste mês, estão em condição muito ruim. A estimativa é de que a produção de Açúcar Total Recuperável (ATR), que é o conteúdo de açúcares contido na planta, vá aumentar 2% na região Centro-Sul, em função da seca verificada durante 2014. Mas, no Brasil, vamos registrar uma queda de ATR, que se deve ao processo de mecanização da colheita, porque vai para a usina um volume de palha que antes era queimada. Enquanto, na região Sul, a produtividade será de 135,9 quilos de ATR por tonelada de cana na safra 2014/2015, antes da mecanização, ela ficava entre 142 e 147 quilos, por tonelada. A mecanização é muito positiva, mas ainda estamos em processo de adaptação.
Rural – Em valores, o que significará a perda de ATR?
Nastari – A redução da produção total de ATR no Brasil será de 4,4%. Isso representa uma perda de R$ 2 bilhões para o setor. Na safra passada foram produzidos 86,3 milhões de toneladas de ATR, ante a previsão de 82,5 milhões de toneladas de ATR em 2014/2015.
Rural – É possível prever algum cenário para as safras além da de 2014/2015?
Nastari– Para a safra 2015/2016, o déficit de açúcar deve se agravar ainda mais. A demanda mundial continua crescendo a uma taxa de 2% ao ano, ou seja, um consumo adicional de cerca de 3,5 milhões de toneladas. Enquanto isso, a conjuntura global deverá permanecer a mesma.
Rural – Como esse cenário deverá se refletir nos preços?
Nastari – Há uma clara tendência de maior firmeza dos preços do açúcar. A seca e a falta de investimentos no Brasil vão provocar uma correção de preços no mercado internacional.