P ode parecer piada, mas não é: o transporte hidroviário no Brasil começou em 1500, com algumas canoas trazidas nas caravelas de Cabral. De lá para cá, pouco se avançou nessa modalidade, apesar de o Brasil ser o país que mais tem rios navegáveis no mundo. Do total de 63 mil quilômetros de rios, 21 mil quilômetros, que atravessam vários Estados, são negáveis, dos quais 6,5 mil são efetivamente utilizados. Ou seja, apenas 8% do total. Entre os modais de transporte, as hidrovias perdem para estradas e trilhos a anos-luz de distância. São 202 mil de quilômetros de rodovias e 30 mil de ferrovias. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), no ano passado foi transportado por hidrovias somente 5% do total de carga produzida no Brasil, o equivalente a 25 milhões de toneladas. “Isso é muito pouco, diante do potencial que o transporte fluvial tem infraesa oferecer”, diz Matheus de Castro, analista de políticas e indústria da CNI. O potencial das hidrovias está diretamente ligado à economia que elas proporcionam. Não é à toa que são consideradas o canal de transporte mais barato do mundo. Uma barcaça com 3,2 mil toneladas pode transportar a carga de 32 vagões de trem ou de 178 caminhões. No gasto de energia, o desempenho do transporte fluvial é de 244 quilômetros por litro de combustível, enquanto um vagão faz 175 quilômetros por litro e um caminhão, 66 quilômetros. O problema no Brasil é que, mesmo com esse apelo econômico, o setor hidroviário tem tido dificuldade para se desvencilhar de seu maior gargalo, os chamados “nós regulatórios”. Em outros modais, como portos e aeroportos, os marcos regulatórios que dão sustentação às concessões estão saindo do papel mais rapidamente.

Não é o caso das hidrovias, embora a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), ligada ao Ministério dos Transportes, tenha anunciado que as primeiras concessões seriam realizadas neste ano. A cinco meses do fim de 2014 nada de fato aconteceu e provavelmente não acontecerá. A situação brasileira é muito diferente da de outros países, como os Estados Unidos, que contam com o sistema hidroviário mais maduro do mundo, com cerca de 40 mil quilômetros de hidrovias. Somente pelo rio Mississipi, a mais importante hidrovia americana, com 3,7 mil quilômetros, passam 240 milhões de toneladas anualmente. A Rússia é outro exemplo de eficiência, com 550 milhões de toneladas transportadas por hidrovias. “O Brasil fica para trás, por não priorizar investimentos, diferentemente de outros países”, diz Castro. De acordo com um estudo apresentado em outubro do ano passado pelo Ministério dos Transportes, seriam necessários investimentos de R$ 17 bilhões até 2024 para a malha hidroviária potencial de 21 mil quilômetros ser plenamente utilizada, além da construção de infraestrutura em mais três mil quilômetros.

Com isso, até 2031, o volume transportado por hidrovias poderia ir para 120 milhões de toneladas, 95% a mais do registrado atualmente.

INVESTIMENTOS – Embora o governo Federal ande a passos lentos para definir regras mais claras no setor, alguns projetos estão começando a sair do papel. Um exemplo foi a joint venture batizada de Navegações Unidas Tapajós (Unitapajós), firmada em maio entre a Amaggi, empresa da família do senador Blairo Maggi (PR-MT), e a americana Bunge. Segundo Jorge Zanatta, diretor de navegação da Amaggi, a expectativa é transportar até dois milhões de toneladas de grãos ainda neste ano, com previsão de dobrar a capacidade já em 2015. “Com a incorporação de mais 40 barcaças, queremos atingir a plena capacidade de quatro milhões de toneladas”, diz Zanatta. A Unitapajós está operando na nova rota de escoamento de grãos, chamada de Tapajós/ Amazonas, de 345 quilômetros, entre os municípios paraenses de Itaituba e Barcarena. Os grãos saem das fazendas e armazéns da região do médio-norte de Mato Grosso e seguem de caminhão pela BR-163, até o terminal de trasbordo de Miritituba, no Pará. De lá, as embarcações rumam até o município de Barcarena, onde o produto é transferido para navios de grande calado, com destino à Europa e Ásia. De acordo com Raul Padilla, CEO da Bunge Brasil, foram investidos R$ 700 milhões na parceria e na construção de dois terminais portuários nessa rota, que deverão ajudar a alavancar o desenvolvimento no Norte do País. “Precisamos diversificar a matriz logística do Brasil, ainda muito dependente de caminhões e trens”, afirma Padilla.

Outra hidrovia que tem atraído investimentos é a Juruena/Tapajós, de 290 quilômetros, entre Gaúchos, em Mato Grosso, e o porto de Santarém, no Pará. A Cargill, processadora americana de grãos e alimentos, está iniciando a ampliação de um terminal em Santarém, no qual opera desde 2003. Os investimentos são de R$ 240 milhões, para embarcar cinco milhões de toneladas de grãos, por ano, com destino a 67 países. Segundo Clythio Buggenhout, diretor de portos da Cargill, na ampliação do terminal está incluído o investimento em hidrovias que dão acesso ao local. “A logística fluvial é fundamental para nós”, diz Buggenhout. “Queremos que Santarém se consolide como uma das principais opções ao escoamento de grãos no País.” De acordo com Castro, a região Norte é uma área estratégica não apenas para a Bunge e para a Cargiil. “É a melhor saída e com potencial de crescimento”, diz o analista. Das hidrovias que já estão mais adiantadas no uso, a do rio Madeira, de pouco mais de mil quilômetros entre Porto Velho, em Rondônia, e sua foz no ri Amazonas, poderia ser mais bem utilizada. Esse canal permite, mesmo na época de estiagem, a navegação de grandes comboios com até 18 mil toneladas. O estudo da CNI mostra que se fossem realizadas dragagens, derrocamentos, balizamento e sinalização, seria possível economizar R$ 1,3 bilhão em custo de transporte, por ano. “Esse é um bom exemplo de hidrovia que precisa de atenção”, diz Castro. “Especialmente para o escoamento agroindustrial, ela é uma ótima saída.” A hidrovia Tietê-Paraná, na região Sudeste, uma das rotas mais importantes do modal brasileiro, também sofre com a falta de investimento. Por ela, grandes empresas escoam suas produções,  como a Eldorado Celulose, da holding J&F. Neste ano, com a região atravessando uma de suas piores secas, o governo do Estado de São Paulo interrompeu em maio o tráfego na hidrovia. Com 2,4 mil quilômetros de extensão, o canal que interliga os Estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Paraná, só no ano passado, transportou seis milhões de toneladas, entre soja, milho e outros produtos. A Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que encabeça o Movimento Pró-Logística, já calcula um prejuízo de US$ 37 milhões caso a paralisação se estenda até novembro. Segundo o diretor-executivo do Pró- Logística, Edeon Vaz Ferreira, os custos com transporte aumentaram de 10% a 12% com o uso de caminhões até o Porto de Santos. Com isso, estima-se um impacto de US$ 15 por tonelada, para os 2,5 milhões de toneladas que foram prejudicadas com a restrição. “Essa será, em média, a porcentagem que vai impactar diretamente em todos os elos do setor nos próximos meses, caso o sistema não se normalize”, diz.

Logística Já

A Confederação Nacional da Indústria apresenta suas propostas aos presidenciáveis

Confederação Nacional da Indústria (CNI) elaborou um documento chamado “Eixos logísticos: os projetos prioritários da indústria”, endereçado aos candidatos à Presidência da República Dilma Rousseff (PT), Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB). Trata-se de um conjunto de 42 propostas e recomendações que gostaria que fossem incorporadas às políticas de governo. “Queremos orientar os candidatos sobre o que pensa o setor e sobre suas principais necessidades”, diz Matheus Castro, analista da CNI. “As propostas versam basicamente sobre o planejamento da infraestrutura logística do Brasil, mostrando quais são os setores e regiões que mais precisam de investimentos.”  De acordo com o estudo, o Centro-Oeste é a região que necessita de maior volume de investimentos para aumentar a sua competitividade. A CNI destacou 106 projetos prioritários na região, que custariam R$ 36,4 bilhões e que, concluídos, resultariam numa economia anual de R$ 7,2 bilhões para o País. Estão listados 34 projetos hidroviários, 26 ferroviários, 25 portuários e 21 rodoviários, que beneficiariam 15 cadeias produtivas do agronegócio. A CNI destaca como prioritários investimentos para as ferrovias Norte-Sul, Ferronorte e um trecho da malha ferroviária da ALL, que liga o oeste de Mato Grosso do Sul ao porto de Santos. Outro trecho de importância para o transporte ferroviário de grãos é o que liga o município de Maracaju, em Mato Grosso do Sul, a Guaíra e Paranaguá, no Paraná.

Segundo a proposta, o Nordeste é a segunda região com maior necessidade de investimentos: cerca de R$ 25,8 bilhões. Entre as obras prioritárias destacam-se a hidrovia São Francisco, as rodovias BR-020 e a BR- 116, e as ferrovias Transnordestina e de Integração Oeste-Leste. Para a região Norte foram elencados 71 projetos, com destaque para as hidrovias dos rios Juruena, Tapajós e Teles Pires, assim como seus portos. A necessidade de investimentos é de R$ 30 bilhões até 2020, com retorno em até seis anos. A economia anual potencial para 16 cadeias produtivas é estimada em R$ 5 bilhões.

No total, são 27 projetos hidroviários, 18 portuários, 17 rodoviários e nove ferroviários. “Nessa região, as vias navegáveis estão subutilizadas”, diz Castro. “Mas são exemplo de retorno social muito rápido dos investimentos, de cerca de dois anos.” Para a região Sul, o estudo mostra a  necessidade de R$ 15,2 bilhões em obras para 51 projetos de 18 cadeias produtivas. Os investimentos seriam em 19 projetos rodoviários, 18 portuários e 14 ferroviários. Apenas a região Sudeste não está contemplada no documento da CNI aos candidatos, porque ainda se encontra em fase de análise.