Opoder do Brasil no mercado mundial de algodão é, praticamente, inquestionável. Basta ver que o País, um gigante global neste setor, ocupa a quarta posição no ranking de maior exportador do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos, da Índia e da Austrália, respectivamente. O que está em jogo é um mercado que movimenta US$ 12 bilhões por ano. Desde janeiro, os produtores nacionais já embarcaram 313 mil toneladas, gerando receitas da ordem de US$ 482 milhões. Trata-se, evidentemente, de um faturamento de respeito, mas poderia ser bem maior sem que fosse necessário aumentar a produção. O segredo? Investir em algodão de melhor qualidade. Enquanto a falta de padronização do produto que vai para a indústria têxtil, com fibras que variam entre curtas e longas em um mesmo lote, dificulta o processo de confecção de tecidos, sendo pouco resistente e mais barato, os de fibra longa são mais valorizados. Uma tonelada de algodão superior pode valer US$ 1,4 mil, com prêmio por qualidade de até 7%, o que equivale a US$ 100 a mais por tonelada, na comparação com uma fibra de qualidade inferior. Não é à toa, portanto, que grandes grupos passaram a investir na melhoria da qualidade do produto. Entre eles, estão a Agrícola Xingu, do grupo japonês Mitsui; o grupo Horita, em Barreiras; e a Bayer CropScience; entre outras.


“Temos um ponto a favor porque a nossa cadeia do algodão é altamente sustentável” Rafael Cervone, presidente da Abit

A necessidade de partir para a melhoria do algodão deriva também da realidade do mercado, que vem caindo nos últimos anos. Para a safra algodoeira 2015/2016, que começa a ser plantada neste mês, a área cultivada pode chegar a 993 mil hectares, uma queda de 2% ante um milhão de hectares em 2014/2015, de acordo com a estimativa do primeiro levantamento de safra da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Mas, se o campo vai repetir a produção de 1,5 milhão de toneladas de pluma do período passado, isso ninguém sabe. A produção vai depender do uso mais intenso de tecnologias, como mais fertilizantes e melhores sementes que já foram aplicados nas lavouras, e dos agroquímicos para controlar as pragas nos próximos meses. O fato é que os produtores de algodão têm se mostrado ansiosos quanto ao futuro do setor, por causa do menor consumo global da fibra.


“Fibra de melhor qualidade pode agregar valor em toda cadeia” Fernando Prudente,diretor da área de algodão da Bayer

Em relação a 2010/2011, quando o Brasil colheu 1,9 milhão de toneladas de pluma, a queda na produção, até agora, já foi de 21%. De acordo com o Comitê Consultivo Internacional do Algodão (Icac, na sigla em inglês), que monitora a produção em cerca de 130 países, a previsão atual de demanda no mundo está em 24,5 milhões de toneladas de pluma, ante uma produção estagnada em cerca de 26 milhões de toneladas nos últimos cinco anos. “Por causa da valorização do algodão de melhor qualidade, temos certeza de que escolhemos o caminho certo”, diz Tahishi Nitta, diretor da Agrícola Xingu, localizada no município de São Desidério, no oeste baiano. “Se investirmos em qualidade, cada vez mais, é possível reverter essa situação.” E isso não é conversa da boca para fora.

Para melhorar o desempenho da fazenda, a Agrícola Xingu, propriedade do grupo japonês Mitsui, um gigante mundial que comanda 1,2 mil empresas que atuam em diversas áreas e fatura US$ 45 bilhões, por ano, investiu US$ 320 milhões na Bahia, nas últimas quatro safras. O recurso foi utilizado para a reciclagem da mão-de-obra que trabalha no campo da Xingu, em sementes mais produtivas e em maquinário mais eficiente, além de cinco mil hectares de terras. A fazenda de 125 mil hectares, que também cultiva soja e que já era referência no cultivo de algodão, hoje é vista como um exemplo de determinação.

“Acreditamos muito no avanço tecnológico e no potencial do algodão brasileiro”, afirma Nitta. “Não pretendemos diminuir nossos investimentos, nem mesmo em área plantada.” Foi por causa dos investimentos realizados que a empresa está muito próxima de atingir a classificação máxima de qualidade para 80% do algodão cultivado, com parte da produção já exportada para mercados exigentes, entre eles o Japão e a Coreia do Sul. Atualmente, a área de plantio é 20 mil hectares para esta cultura. A produção da safra 2014/2015 foi de 4,5 mil quilos de algodão em caroço, por hectare, desempenho 15% acima do obtido quatro anos atrás.  Só para comparação, a atual produtividade média da Bahia é de 3,6 mil quilos.


Padronização: irregularidade nas fibras, que variam entre curtas e longas no mesmo lote, dificultam o trabalho da indústria

A Agrícola Xingu não está sozinha nesse movimento. O grupo Horita, em Barreiras, município vizinho de São Desidério, vem cultivando 38 mil hectares nas últimas safras, e também prevê colher 4,5 mil quilos de algodão em caroço, por hectare nos próximos meses. Com o beneficiamento, a produção total tem ficado em cerca de 68 mil toneladas de pluma pronta para a exportação. “Já chegamos a dois mil quilos de pluma, por hectare, em ano que choveu certo no plantio e na colheita”, diz Walter Horita, diretor do grupo. “Parte da produção depende realmente do clima, outra das tecnologias, mas outra depende mesmo do capricho na lavoura.” Horita se refere à umidade do caroço do algodão no momento da colheita, à pré-limpeza da fibra e ao acondicionamento nas algodoeiras. O prêmio por qualidade no grupo Horita tem sido, em média, de US$ 40 por tonelada exportada para o Oriente Médio, o que equivale a um adicional de cerca de US$ 2,7 milhões, por safra.  

BANCO DE DADOS Para monitorar a qualidade do algodão brasileiro, a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e a Generation 10, empresa inglesa que faz o gerenciamento de produção, firmaram uma parceria para desenvolver o Banco de Dados de Qualidade do Algodão do Brasil. A ação, lançada em agosto, integra o Programa Standard Brasil HVI (sigla, em inglês, para High Volume Instrument), criado em 2012 com o objetivo de estabelecer um sistema brasileiro de classificação da fibra. Atualmente, os produtores analisam o algodão em laboratórios referendados pela Mapa, mas os dados não são unificados. A Abrapa estima que nos próximos anos, 90% da fibra produzida no País, por cerca de mil produtores, passará a ser classificada no sistema.

Para Rafael Cervone, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), o Brasil tem potencial para avançar em duas frentes, se apostar na qualidade. Uma delas é justamente acessar mercados que remuneram melhor, como o europeu e o árabe, além de japoneses e coreanos. A outra frente é explorar nichos internos que também demandam por algodão como, por exemplo, o setor automotivo e as linhas de produtos para crianças e bebes, descolando-se da atual demanda concentrada nos setores de vestuário e cama, mesa e banho. “Precisamos fazer a lição de casa porque as oportunidades estão aí”, diz Cervone. “Além disso, na comparação com outros países, temos um ponto a favor porque a nossa cadeia do algodão é altamente sustentável.”


Qualidade da pluma: Walter Horita, diretor do grupo Horita, ressalta a importância do investimento em tecnologia

O Brasil produz quase todo o algodão em áreas de sequeiro, como é o caso da Agrícola Xingu e do Grupo Herita, enquanto a maior parte dos países produtores utiliza muita água para irrigar as suas lavouras. A Índia, por exemplo, que é a maior produtora mundial, com seis milhões de toneladas anuais, utiliza a irrigação em praticamente toda a lavoura. Para Fernando Prudente, diretor da área de algodão da divisão de negócios da alemã Bayer CropScience, é preciso colocar esse diferencial no radar: “Fibra de melhor qualidade, casada com a sustentabilidade na produção, pode agregar valor em toda cadeia”, diz. Com esse apelo, durante o 10º Congresso Brasileiro do Algodão, em Foz do Iguaçu (PR), que aconteceu em setembro, a Bayer lançou a campanha “E se as pessoas usassem mais algodão”, uma iniciativa da qual a empresa não se considera dona, mas parceira. “Queremos outras empresas do setor apostando nessa ideia, além de produtores e das entidades de classe”, diz Prudente.