01/08/2009 - 0:00
Carlos Fernando Xavier
Pressão de ambientalistas, embargo por parte de grandes redes de supermercado e conflitos fundiários. Esses são alguns dos aspectos que têm posto em dúvida o sistema produtivo brasileiro no bioma amazônico. Uma produção que, na opinião do presidente da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado do Pará, Carlos Fernando Xavier, é totalmente viável. Xavier falou à DINHEIRO RURAL e explicou como projetos de políticas públicas e desenvolvimento tecnológico podem ajudar a melhorar a agropecuária na região. Ele afirma que é preciso punir quem descumpre a lei.
Dinheiro rural – Como as pressões em relação à preservação ambiental estão afetando o setor produtivo no Estado?
Carlos Fernando Xavier – Sofremos uma pressão que precisa ser mais bem analisada. Diferentemente do que muitos brasileiros pensam e pessoas do Exterior imaginam, o Pará é o Estado da Amazônia mais preservado. Temos 76% do nosso território conservado, o que representa cerca de 98,840 milhões de hectares de floresta. Se o Brasil pode dizer lá fora que tem floresta, é porque o Pará tem contribuído.
Rural – Existem problemas com o desmatamento ilegal?
Xavier – As áreas que foram abertas se deram por conta de políticas públicas do próprio governo federal, que incentivou essa prática. O Incra, por exemplo, só fazia a regularização fundiária de áreas que estivessem 50% desmatadas. Eles entendiam que isso era benfeitoria e as pessoas que atingiam isso eram consideradas heroínas, pois estavam integrando a Amazônia ao Brasil.
Rural – Isso se deu há 40 anos e ainda hoje há desmatamento de áreas…
Xavier – Nós temos preocupação com a questão do meio ambiente. Tanto é que, desde 2005, o Estado vem construindo um arcabouço jurídico em relação à parte ambiental. Nós aprovamos o Zoneamento Ecológico Econômico, que tem como um dos itens mais importantes o marco regulatório, que determina que o Estado só pode utilizar 35% dos recursos naturais.
Rural – É possível crescer economicamente sem danificar o bioma amazônico?
Xavier – Com certeza. Existe uma proposta do Estado chamada Projeto Preservar, em que o setor produtivo firmou o compromisso de desmatamento zero. Nós entendemos que, com agregação de tecnologia, os 24% do nosso território que já estão abertos têm condições de provocar o nosso desenvolvimento e realizar a transformação social que estamos querendo. Estamos trabalhando para que possamos consolidar essa fronteira aberta, agregar tecnologia e produzir produtos limpos.
Rural – Como desenvolver a produção sem abrir novas áreas?
Xavier – Agregando tecnologia. Queremos fazer uma redistribuição das nossas áreas. Hoje nós temos cerca de 98% da área, em torno de 27 milhões de hectares, destinada à pecuária. Nós queremos reduzir isso para 11 milhões de hectares e incorporar o restante para a agricultura, que conta com três milhões de hectares. Assim teríamos uma área de 14 milhões de hectares para agricultura.
Rural – O projeto Preservar faz parte do Termo de Ajustamento de Conduta, proposto pelo governo do Pará?
Xavier – Não. O que aconteceu é que o próprio Ministério Público, quando tomou conhecimento do programa, incorporou muita coisa ao TAC. Muito antes das medidas anunciadas pela governadora Ana Julia, nós já queríamos ter rastreabilidade, o georreferenciamento. Nós é que assumimos o compromisso do desmatamento zero. São ideias que foram posteriormente inseridas no TAC.
Rural – Mesmo com essas medidas que o sr. coloca, o Estado sempre está relacionado a irregularidades. Por quê?
Xavier – Olhe bem, matar não se pode. Mas tem um monte de gente matando. Aqui é uma região que continua com um processo migratório forte. E essas pessoas nem sempre têm consciência ambiental. Nós somos contra quem desmata. Mas quem pode fazer o controle disso é o poder público. O que dizemos é que a pessoa que fizer desmatamento ilegal tem que responder a um processo. Nós representamos os produtores do agronegócio, mas nosso primeiro princípio é o da obediência à lei. Não tem por que nós sairmos em defesa de quem estiver fora da lei.
Rural – Trata-se de uma questão de fiscalização?
Xavier – A verdade é que estamos convencidos de que alguns desses assuntos estão acompanhados de conotação ideológica. Por exemplo, o MST diz que é um movimento social, mas não tem nada disso. É um movimento ideológico. Nós temos disponibilidade para assentar 201.707 famílias, com lotes prontos, constituídos com dinheiro público, por meio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, e eles continuam invadindo.
Rural – Então o sr. acredita que existam exageros….
Xavier – Veja como outro exemplo a questão do trabalho escravo. Temos uma usina no Estado que possui 153 banheiros, mas havia um interditado. O Ministério do Trabalho chegou lá e fotografou o banheiro interditado e atuou como se lá houvesse trabalho escravo. Por causa de um banheiro. E você vai fazer o quê? Isso é de ordem ideológica.
Rural – Mas existem casos reais de irregularidades….
Xavier – O que acontece realmente no Pará é que em razão desse processo migratório forte, as pessoas chegam querendo se estabelecer em um município novo e não têm uma consciência forte. Dentro do projeto Preservar, estamos fazendo uma discussão ampla para tentar criar essa consciência. Mas é um processo longo, que não dá para se concluir do dia para a noite.
Rural – O sr. acredita que as pressões ambientais façam com que o Brasil tenha que repensar seu processo produtivo?
Xavier – Eu acho graça de alguns comentários que eu escuto, dizendo “como se pode criar boi em áreas desmatadas”. Eu ainda não vi tecnologia em que seja possível criar boi em copa de árvore. Conheço a pecuária da Europa e vi pastagem lá, cerca elétrica, confinamento, tudo igual ao do Brasil.
Rural – Mas o Brasil não pode sofrer com mercados cada vez mais restritivos?
Xavier – O que estou vendo é um processo de redução de pastagem para conseguirmos produzir mais com menos área. Estamos desenvolvendo tecnologias para isso. Essa pressão que estão fazendo é uma discriminação muito forte em relação à Amazônia. Eu tenho dados da Embrapa que mostram imagens de satélite da Europa e comprovam que eles retiraram 99% de suas florestas. Lógico que nós não vamos querer fazer isso, mas é preciso que se tenha um equilíbrio.
Rural – Como o sr. analisa o relatório do Greenpeace sobre a pecuária no bioma amazônico?
Xavier – Na realidade, acho que o Ministério Público foi muito na onda do Greenpeace, um grupo de ambientalistas que não têm uma preocupação com a legislação ambiental. Eu não os vejo, por exemplo, fazendo nada em defesa do Nordeste brasileiro. Não vejo a ONG dizendo que as cidades de Ribeirão Preto e Sertãozinho, no interior paulista, precisam repor suas reservas. Correram para cima da gente. Depois o MP entendeu que nós estamos construindo um arcabouço jurídico e que nós temos hoje áreas protegidas além do que deveríamos ter por lei.
Rural – E quanto à decisão das grandes redes de supermercado de interromper a compra de carne dessas regiões?
Xavier – Acho que se você vai comprar no Pão de Açúcar ou no Carrefour, ou em qualquer outro, isso é uma decisão de ordem pessoal e eu entendo. O que essas redes não podem alegar é que estão sob pressão. Pressão de que lado? Porque nós é que estamos dando a contribuição para o País poder dizer lá fora que tem floresta. Será que eles têm coragem de dizer que não vão comprar o álcool produzido em Sertãozinho ou Ribeirão Preto porque não tem reserva? Acho que essa decisão deles foi discriminatória.
Rural – O sr. acredita que a pecuária extensiva na Amazônia será viável no futuro?
Xavier – Não tenho dúvida. Há uma série de trabalhos, um deles feito inclusive pelo Banco Mundial, em parceria com a Esalq e coordenado por Sérgio Zen, do Cepea/USP, que mostra que a pecuária mais rentável é feita na Amazônia.
Rural – E do ponto de vista ambiental?
Xavier – Nós não tomamos nenhuma medida que não seja embasada em ciência e conhecimento. Esse negócio de “achismo” não é com a gente. Por isso temos um departamento técnico forte. Tudo que estamos fazendo é com o apoio da ciência, em parceria com a Embrapa, que é hoje uma das maiores empresas de pesquisas agrícolas do mundo. O que digo é que a tecnologia irá viabilizar a pecuária extensiva no bioma amazônico, com qualidade, rentabilidade e sem danos ambientais.
Rural – De que maneira?
Xavier – Estamos trabalhando na pecuária a redução de pastagem para que possamos, em uma área menor, produzir mais. E agregando tecnologia de pasto rotacionado desenvolvida pela Embrapa, que já tem muita gente fazendo. Nós queremos mostrar para a sociedade brasileira e mundial que há, sim, a possibilidade de fazer uma pecuária no bioma amazônico de forma extensiva.
Rural – Medidas de restrição de compra de carne em áreas de desmatamento, como foi feita com a soja, podem ser uma solução?
Xavier – Eu avalio que dentro dessas medidas há muito viés ideológico. É uma conversa tola, que não tem nenhum respaldo cientifico. Nós, brasileiros, temos que combater isso. Daqui a pouco quem produz alimento no Brasil vai ser considerado um marginal, enquanto em outros países essas pessoas são amparadas por políticas de governo, com fortes subsídios. Aqui o produtor recebe um tratamento diferenciado e isso é ruim. Precisamos mostrar para a sociedade que temos uma função estratégica. O agronegócio é quem segura a economia deste país.
Rural – Então esse não é o caminho?
Xavier – Acho que a saída é você agregar tecnologia e mostrar para a sociedade que é possível produzir de forma extensiva e sustentável no bioma amazônico. Eu não vejo dificuldade de sensibilizar a sociedade, inclusive internacionalmente. Temos que caminhar com a ciência.