Com um produto diferenciado - carne do boi "verde" -, o Brasil investe as exportações e em novos clientes para aumentar sua participação no mercado externo

 

Nos próximos meses a agenda de Antônio Camardelli prevê uma série de churrascos em países como Egito, Emirados Árabes e Alemanha. Não são simples celebrações. Os eventos fazem parte da estratégia para abrir novos mercados da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes (Abiec), da qual Camardelli se tornou presidente há poucos meses. Em entrevista à DINHEIRO RURAL , Camardelli fala da sua missão à frente do cargo: promover uma reestruturação completa na cadeia produtiva da carne para fazer com que o País continue competitivo no mercado externo.

“O Brasil pode ser mais competitivo lá fora”

Dinheiro Rural – Quais as perspectivas do setor da carne para o mercado internacional em 2011?

Antônio Camardelli – Voltamos a vender para o mercado americano depois do constrangimento imposto por conta dos problemas na aplicação de produtos no gado. Isso fez com que o setor fosse à luta e, na obrigação de manter volumes que não eram mantidos, tivemos que mudar cardápios de ofertas, com produtos diferenciados e acessar mercados abertos. Chegamos ao maior volume de países de vendas de carne industrializada. Esse acréscimo, mais a volta dos EUA e o retorno de quatro estabelecimentos que estavam com impedimentos na Rússia nos dão um cenário positivo. Se em 2010 exportamos 1,864 milhão de toneladas de carne e faturamos US$ 4,8 bilhões, a expectativa é de crescer entre 8% a 10% em vendas externas.

Rural – Quais são as prioridades da Abiec para 2011?

Camardelli – O desafio é criar um ambiente novo para negócios e adequar as legislações para esse ambiente competitivo. No modelo de gestão passado, tivemos uma legislação muito apertada e com intervenções que hoje são desnecessárias.

Rural – É necessário melhorar os processos de fiscalização…

Camardelli – O mercado americano trabalha com 100% de controle do processo. Lá a inspeção é feita em três níveis: análise de risco, controle de redução de patógenos e os processos de registros, controles e supervisões. O modelo brasileiro tem uma interferência burocrática direta. Isso foi necessario no passado, mas atualmente a indústria está muito mais avançada do que a estrutura de governo. Portanto, temos que fazer uma adequação de regras e adaptar o ambiente de negócio para sermos competitivos. Estando em condições de igualdade, o nosso produto, que é verde, com proibição de utilização de hormônios, passa a ter um diferencial verdadeiro.

 

Rural – Mudança de estrutura aumenta a competitividade?

Camardelli – Sim, porque não existe mais vantagem de preço. Antes nós tínhamos volume e preço e o custo de produção era diferenciado. No cenário atual, com a harmonização global do animal, temos o boi numa linha de preço praticamente na mesma média. Então temos que buscar o diferencial em uma melhor adequação de legislação compatível para regular esse ambiente moderno. O ministro da Agricultura, Wagner Rossi, recebeu a incumbência de adequar o Mapa à modernização desse ambiente de negócios.

“O ministro Rossi está adotando medidas para modernizar os processos do Mapa, o que beneficiará os setores da carne”

Rural – E a burocracia?

Camardelli – A burocratização em excesso liquida o processo de ganho. Hoje o preço do contêiner é o mesmo em todo o mundo. O que diferencia é o custo de colocá-lo dentro do navio. Precisamos trabalhar para que esse processo de chegada do contêiner no porto seja otimizado para que sejamos competitivos em relação à eficiência dos concorrentes.

Rural – A internacionalização dos frigoríficos brasileiros pode acelerar esse processo de adequação?

Camardelli – As aquisições feitas pelos frigoríficos no Exterior estão encurtando a cadeia do lucro. Antes, o frigorífico vendia para um agente, que vendia para uma trading externa, que comprava o corte e vendia para um fracionador, que o colocava em pedaços e vendia para um distribuidor, que vendia para o varejo. As aquisições permitem que Marfrig, Minerva e JBS exportem para eles mesmos, otimizando o lucro.

Rural – A reestruturação da cadeia da carne e um maior rigor na qualidade dos produtos podem levar o Brasil a ocupar mercados que hoje são da Argentina e do Uruguai?

Camardelli – Aumentamos a oferta porque, quanto mais você aumenta o status sanitário de um país e quanto mais ele entra no grupo de elite, mais acesso tem aos mercados com os melhores preços. O Uruguai vendia muito para a Argélia e o Egito; quando começou a exportar para o México, Japão e EUA, obteve um preço melhor e teve que trocar seu ambiente antigo por esse novo mercado. O Brasil tem condição de suprir volume e qualidade e se aproveitar desse espaço.

Rural – E hoje como está a abertura de novos mercados?

Camardelli – Se você dividir o mundo importador em 100%, o Brasil não tem acesso a 45% desse mercado. Estou falando de todo o Nafta – EUA, México, Canadá, Japão, Coreia, Taiwan, etc – que são os mercados que remuneram melhor, mas impõem barreiras comerciais transvestidas de medidas técnicas. Nestes também temos que entrar. Nosso foco agora é arrumar uma alternativa para a Europa, hoje, nossa única alternativa para cortes nobres. Ou o Brasil vende um filé para a Europa a US$ 20 ou vende para outro país a US$ 10. E a alternativa que precisamos encontrar está em um desses mercados que estão fechados.

 

Rural – Como isso vem sendo feito?

Camardelli – Estamos levantando o status sanitário de cada país para focar nos que são mais fáceis de trabalhar e mais rápidos de abrir. Também estamos focando nos mercados já abertos que têm potencial de compra, como Cuba, Marrocos e China. Na China, temos apenas três frigoríficos habilitados para exportar. Precisamos aumentar para 20, 25. O potencial da China é de 400 mil toneladas e nossa participação é de apenas 1,2 mil toneladas/ano. Já Cuba compra 70 mil toneladas/ano. Todos esses mercados foram identificados com a possibilidade de aumentar as vendas. Portanto, temos apenas que resolver os problemas que emperram o avanço nesses mercados.

Rural – E a relação com a Europa?

Camardelli – A Europa impinge ao Brasil uma condição ímpar em relação a tudo o que é preconizado dentro do regramento da OIE, que é o braço sanitário da OMC. Não existe equivalência. O Brasil é o único país do qual ela exige limitação do número de propriedades, na verdade, é uma limitação de volume. A Europa comprava US$ 1,4 bilhão e hoje não compra nem US$ 400 milhões. Nós temos que fazer a Europa enxergar o conceito técnico, que é o conceito de risco. Quando houve casos de febre aftosa no Uruguai e na Argentina, eles não fecharam o Rio Grande do Sul. Então por que quando houve incidência de aftosa em Mato Grosso do Sul eles fecharam São Paulo e Paraná? O princípio técnico está promíscuo.

Rural – Também temos problemas com a Cota Hilton…

Camardelli – O Brasil vendia 120 mil toneladas de carnes para a Romênia e Bulgária, sem nenhum tipo de licença e com o custo específico da legislação de cada país. Como esses países são tradicionais produtores de embutidos, eles compram muitas partes do boi que são interessantes para nós, como coxão duro, coxão mole, dianteiro. Mas, com a entrada desses países na União Europeia, o Brasil passou a pagar uma licença que eleva em 170% o custo de exportação. Dessa forma, o País foi procurado para fazer um acordo de compensação, em que a UE ofereceu ao Brasil cinco mil toneladas de Cota Hilton, e nós que já tínhamos cinco mil ficamos com dez mil toneladas.

“Cuba compra 70 mil toneladas de carnes/ano. São 11 milhões de pessoas que importam todo tipo de produto”

Rural – Então este acordo não foi vantajoso… Camardelli – Não estamos conseguindo mandar animais para a Cota Hilton porque a UE não nos deixa suplementar e não é qualquer animal que pode ser vendido dentro dessa cota. Ele tem que ter conformidade de carcaça, gordura compatível e, se não fizer uma terminação, não podemos chegar nesse nível de qualidade. Na prática não estamos compensando o acordo que foi feito e, se não estamos compensando, o acordo não está sendo cumprido e tem que ser denunciado. Hoje, a Europa é um problema para o Brasil e esse tipo de procedimento visa apenas limitar o nosso acesso em relação ao volume.

Rural – O Brasil pode ir à OMC?

Camardelli – A primeira visão da reunião do conselho da Abiec deu indicativos de que o Brasil tem viabilidade, caso se abra esse processo, de vencer. Estamos maturando isso com o governo, com a missão do Brasil em Genebra, que já tem parecer jurídico sobre o tema. Será uma decisão conjunta do setor com o governo, pois é um processo tardio e muito caro.