01/06/2011 - 0:00
A rotina do presidente da MAN , Roberto Cortes, está mais tranquila nos últimos meses. As vendas de caminhões no País – das quais 30% são da VW Caminhões, marca do grupo MAN – nunca estiveram tão aquecidas, puxadas pelo dólar barato, pela fartura de crédito e, especialmente, pelo bom desempenho do agronegócio. Em entrevista à DINHEIRO RURAL , Cortes detalha as relações entre a exuberante performance do setor e a do campo e avisa: o mercado brasileiro de caminhões continuará crescendo a uma taxa de dois dígitos.”
Dinheiro Rural – Por que o mercado de caminhões sofreu mais com a restrição de crédito do que o de automóveis?
ROBERTO CORTES – O setor de caminhões é um termômetro fiel da economia. Por isso estamos bem. Vínhamos crescendo a taxas de dois dígitos, antes da turbulência internacional. Na crise, sentimos muito. Aí, traçamos alguns cenários de recuperação em formato de U, de V, de W. Nenhum deles ocorreu, de fato, mas foi melhor do que o esperado. Houve uma recuperação em formato parecido com V, com a primeira perna mais curta. Ou seja, superamos o período pré-crise. Em média, o setor de caminhões vendia entre dez mil e 11 mil unidades por mês, em 2008. Na crise, despencou para 7,5 mil a oito mil. Em 2010, atingimos 14 mil. Se fizermos uma analogia com o PIB, também observamos esse formato V, com expansão de 7,5%, no ano passado. Em 2011, diante de uma economia crescendo próximo a 5%, devemos crescer 10%, com vendas acima de 15 mil unidades por mês.
Dinheiro Rural – Há pouco tempo, caminhões saíam das montadoras sem pneus porque os fornecedores não conseguiam acompanhar o ritmo das vendas. O problema persiste?
CORTES – O que estamos fazendo, tanto a indústria quanto os fornecedores, são investimentos no aumento da capacidade. Produzíamos 170 caminhões por dia, antes da crise. Hoje, são 380 unidades. Mais do que dobramos a capacidade de produção. No meio do caminho pode ter havido algum descompasso. Mas foram questões pontuais. Se faltarem peças, vamos importar. Sempre há saídas.
“Nosso setor é um termômetro fiel da economia brasileira. Por isso estamos bem”
Dinheiro Rural – Quais são os setores da economia que mais puxaram a produção de caminhões?
CORTES – Todos puxaram, alguns mais que outros. O da construção civil e o da infraestrutura impressionaram. O setor de mineração é muito forte. O campo também está crescendo muito. No Brasil, o agronegócio é um motor para a indústria. E ainda continuará sendo por muito tempo. O recorde da safra de grãos, em 2011, deverá impulsionar ainda mais a indústria. No País, 65% das mercadorias são transportadas por caminhões, inclusive a produção agrícola.
Dinheiro Rural – No agronegócio, que segmento mais demandou por veículos para transporte?
CORTES – É difícil destacar um, pois todos estão bem. Em unidades, o volume de caminhões é bem dividido. Produzimos caminhões de cinco toneladas a 45 toneladas e atendemos a todos as atividades do campo. O setor de vendas pela internet tem puxado a venda de VUC, aqueles caminhões menores e para uso urbano.
Dinheiro Rural – As medidas de restrição ao crédito, para esfriar a atividade econômica, não irão também reduzir as vendas de caminhões nos próximos meses?
CORTES – Esperamos que essas medidas sejam pontuais, apenas para controlar a inflação. Não se deve manter uma linha de ação permanente. Ninguém pode deixar de renovar a frota em razão de uma política restritiva de crédito. Para crescer, as empresas precisam investir. E elas continuarão a fazer isso.
Dinheiro Rural – E a tendência de alta dos juros?
CORTES – Também deve ser temporária. Esperamos que a política de concessão de crédito volte à normalidade. Afinal, 98% das nossas vendas são feitas por intermédio de linhas de crédito de longo prazo.
Dinheiro Rural – Neste ano, a Volvo, no Paraná, pagará aos trabalhadores R$ 15 mil relativos à participação nos lucros, o maior valor já desembolsado por uma empresa privada brasileira. Isso é sinal de que o setor nunca esteve tão bem?
CORTES – Remuneração é um assunto delicado. Na MAN, trabalhamos com um pacote definido e equacionado com os trabalhadores e o sindicato. É complicado falar sobre as razões que levaram a Volvo a conceder uma PLR dessa. Em Resende (RJ), nossa fábrica está crescendo e em harmonia com os colaboradores. Em um ano contratamos 1,5 mil pessoas.
Dinheiro Rural – A desvalorização do dólar reduziu os custos de produção de caminhões?
CORTES – No caso da MAN, as compras são feitas no Brasil. Não somos afetados pelas questões cambiais porque 97% dos componentes dos nossos caminhões são nacionais. Não temos preocupação com o que ocorre lá fora.
Dinheiro Rural – Mas o setor ainda depende muito das importações.
CORTES – Não muito. Assim como a MAN, as demais montadoras de caminhões no Brasil – tanto as americanas como as alemãs –, têm alto grau de nacionalização.
Dinheiro Rural – Pelos resultados de vendas da MAN, o crescimento do País está no interior agrícola ou em regiões com grandes obras de infraestrutura?
CORTES – A base das vendas está no Sudeste, com aproximadamente 40%. Mas, percentualmente, o Nordeste e o Centro-Oeste estão brilhando. O agronegócio tem avançado rapidamente para o Nordeste e levado prosperidade à região. O Centro-Oeste, em especial Goiás, está muito forte nessa área. Já a região Norte cresce naturalmente, enquanto a região Sul ainda se recupera da crise.
“O agronegócio tem avançado rapidamente e levado prosperidade a todas as regiões”
Dinheiro Rural – Qual o impacto sobre o setor, em relação à política da Argentina, em impor novas normas à entrada de produtos brasileiros?
CORTES – Ao que tudo indica, será algo temporário. Mesmo assim, as restrições não nos afetaram muito. Exportamos, mas importamos também. E contamos com outros mercados importantes, que estão bem. Somos fortes no México, no Chile, na Colômbia, na África do Sul e em Angola, países em que as condições das rodovias são muito parecidas com as do Brasil. Nossos produtos estão muito bem adaptados a esses mercados.
Dinheiro Rural – Por meio do Finame, o BNDES é responsável por boa parte das vendas de caminhões novos. Qual será a saída, caso o banco deixe de prestar tal suporte?
CORTES – Realmente, a grande maioria dos financiamentos, algo em torno de 85%, é feita via BNDES. A função é essa mesma, ser um banco de fomento. Mas, caso se reduza o crédito, provavelmente haverá uma entrada agressiva de outros bancos. Atualmente, usufruímos do Programa de Sustentação do Investimento 3 (PSI3), que dá um certo suporte à produção. Isso tem sido bom para a MAN. Em 2011, devemos comemorar o nono ano consecutivo de liderança. No começo da década, mais precisamente em 1995, tínhamos 15% de participação no mercado. Em 2003, superamos a marca de 30%, o mesmo market share atual.
Dinheiro Rural –A indústria investiu milhões nos últimos anos para adaptar seus motores aos biocombustíveis. A recente falta do etanol mostrou que o futuro dos combustíveis vegetais pode não ser tão promissor como se imaginava?
CORTES – Sabemos que a questão dos veículos flex é complexa. Os caminhões modernos podem rodar com o diesel de origem fóssil e com o de origem vegetal. Precisamos nos preparar para as duas tecnologias. Por questões estratégicas, caso o governo decida adicionar 5%, 10% ou 20% de óleo vegetal ao diesel tradicional, estaremos prontos. Acredito que a tendência mundial é de se utilizar cada vez mais o biodiesel. Em relação às variações de preços, tudo na economia passa por momentos como esse. Mas, como tendência de longo prazo, os biocombustíveis são uma alternativa ótima. É a melhor opção para o Brasil. Por isso, investimos mais de R$ 25 milhões em pesquisa nos últimos dez anos.
Dinheiro Rural – Se o País mantiver o ritmo de crescimento entre 5% e 7% nos próximos dez anos, será necessária uma reforma no modelo logístico brasileiro. Os caminhões perderão espaço para outras modalidades mais baratas, como os trens de carga?
CORTES – Como em qualquer lugar do mundo, há meios de transporte de mercadorias mais eficientes do que os caminhões. Não somos contra ferrovias e dutos, que ajudariam a reduzir o custo Brasil e contribuiriam com o crescimento da economia. Isso compensa uma possível redução de vendas, no futuro. A prosperidade do Brasil é a prosperidade da indústria..