08/03/2017 - 11:47
Há oito anos, quando a nutricionista, sommelière e chef de cozinha Lis Cereja, 32 anos, decidiu montar um restaurante, optou por servir pratos elaborados apenas com ingredientes orgânicos. Até a bebida, que encabeça o nome da casa, não ficou de fora. O negócio ganhou prestígio na capital paulista. Na Enoteca Saint Vin Saint, ao lado de quitutes como tartin de tomate, cazuela de porco, gnochi de batata doce, risotto de Boeuf Bourguignon e cordeiro assado, são oferecidos aos clientes cerca de 300 rótulos de vinhos orgânicos, além dos naturais e dos biodinâmicos, entre os tipos finos, de mesa e espumantes. “A nossa casa é a única do País que oferta somente vinhos naturebas”, afirma Lis Cereja, como ela chama esses produtos. “Vendemos até
300 garrafas por mês.” O preço dos rótulos é de, em média, R$ 100, mas há opções que podem chegar a R$ 500, como o Atelier Tormentas Fulvia Pinot Noir, do Atelier Tormentas, produzido por Marco Dani-elle, na cidade gaúcha de Encruzilhada do Sul.
Hoje, da receita anual de R$ 2 milhões da Saint Vin Saint, R$ 600 mil são com os vinhos. O fato é que Lis Cereja construiu um negócio que tem a sua marca. Tanto, que em 2013, junto com o marido, Ramatis Russo, ela promoveu a sua primeira feira Naturebas, como batizou o evento que reúne vinhos, principalmente, e também alimentos, como legumes, frutas, queijos e cafés. Em julho do ano passado, 60 expositores mostraram seus produtos em um anexo ao restaurante. Para mostrar as bebidas, compareceram à 4ª Feira de Vinhos Naturebas nove vinícolas nacionais e 13 importadoras. Para este ano, ainda sem data marcada, Lis Cereja acredita que possa receber para a quinta edição do evento pelo menos 300 pessoas, muitas do circuito internacional dos vinhos produzidos com uvas sem agroquímicos.
No Brasil e no mundo, o mercado das bebidas diferenciadas cresce, assim como os demais produtos desse nicho. De acordo com o Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável, a expansão dos produtos orgânicos no País foi de 20% em 2016. O faturamento atingiu R$ 3 bilhões, ante R$ 2,5 bilhões em 2015. Uma referência do negócio dos vinhos, que diferem dos demais no momento da vinificação, entre naturais, orgânicos e biodinâmicos, é o preço da uva. De acordo com Maurício Copat, responsável técnico do departamento agrícola da vinícola Salton, o valor da fruta orgânica, que é a utilizada para todas essas bebidas, geralmente excede em 50% o valor da mesma uva não-orgânica. “Tomando como exemplo a garantia de preço mínimo de R$ 0,92 do tipo isabel nesta safra, estabelecido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o valor da orgânica pode chegar até R$ 1,38 o quilo”, diz ele. “Vai depender do mercado.” Mesmo assim, a produção tem sido pequena. Hoje, a produção de orgânicas ainda representa 1% do cultivo de viníferas. No Rio Grande do Sul, o maior produtor, o cultivo estimado para a safra encerrada no ano passado foi de cinco milhões de quilos de uvas orgânicas, dos quais, 1,5 milhão se transformaram em vinho.
Mas há produtores se arriscando além do cultivo. Salete Teresinha Arruda da Silva, gerente comercial da Cooperativa de Produtores Ecologistas do município de Garibaldi (Coopeg), na Serra Gaúcha, e o marido, o enólogo Jorge Luís Mariani, iniciaram o cultivo da variedade isabel em uma área de seis hectares, em 2004. Hoje, eles produzem vinho. “Começamos vendendo as uvas para a indústria”, diz Arruda da Silva. “Aí, começamos a fazer vinho para consumo próprio.” Mas, desde 2006, a atividade se tornou um negócio. O casal produz 20 mil litros de vinho por safra. Para isso, eles contam com o cultivo próprio da fruta, mais o de 16 cooperados à Coopeg. São 500 mil quilos anuais, mas somente o casal produz a bebida na Serra Gaúcha. Os demais cooperados fazem apenas suco e geleia da fruta. No ano passado, a Coopeg, que tem 53 famílias integradas, faturou R$ 4 milhões, dos quais R$ 1,2 milhão foi com o vinho orgânico.
Aumentar a oferta da bebida é um dos maiores desafios do setor. Na Enoteca Saint Vin Saint, por exemplo, tudo que a empresária Lis Cereja gostaria de ter à mão eram mais escolhas nacionais para montar a carta de vinhos. “Na Saint Vin Saint, desde o início do negócio priorizamos os vinhateiros brasileiros, para incentivá-los”, diz ela. Mas, ainda hoje, as bebidas vendidas na enoteca são produzidas por 15 vitivinicultores nacionais, outros 30 são do exterior. Para o enólogo Jaime Fensterseifer, professor universitário por 45 anos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na Universidade de Caxias do Sul, ainda levará uma década para que o mercado de vinhos processados a partir de uvas orgânicas se consolide no País, mas é um caminho sem volta. “Os orgânicos e biodinâmicos são os vinhos que mais crescem no mercado”, diz Fensterseifer. “É um caminho irreversível.”
Não por acaso, o interesse do consumidor brasileiro pelos vinhos diferenciados também está no radar dos grandes produtores mundiais. Como a vinícola chilena Emiliana, que pertence ao grupo Concha y Toro, uma das maiores exportadoras de vinhos orgânicos do mundo e que há 15 anos está no Brasil. A Emiliana exporta cerca de 450 mil litros da bebida por ano, dos quais 16,5 mil litros têm como destino o País. “O volume ainda é pequeno se comparado aos cerca de 140 mil enviados a países como Dinamarca, Finlândia e Noruega”, afirma José Tomás Urrutia, diretor de exportações para a América Latina da empresa. “Isso não diminui a importância do Brasil para a empresa, porque a receptividade dos brasileiros pelo produto orgânico aumenta cada vez mais. Vemos isso pela demanda em feiras e em grandes redes de supermercados.”