10/05/2017 - 14:56
No mês de fevereiro, Cecília Fialho, 27 anos, economista da Céleres Consultoria, de Uberlândia (MG), esteve na sede do fundo americano de investimentos em terras Westchester Agriculture, na Carolina do Norte. Lá, ela apresentou para os principais diretores do fundo o resultado inédito de uma pesquisa sobre marcos regulatórios que avaliam eventos transgênicos no Brasil, na China, nos Estados Unidos e na União Europeia. Foi um trabalho de dois anos, no qual Fialho visitou 13 países e realizou cerca de 100 entrevistas. Com isso, ela elaborou um ranking que mostra a abordagem legal da biotecnologia dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) nos principais mercados produtores e consumidores de grãos do mundo. “Queria estudar como podemos nos inserir no universo dos marcos regulatórios globais”, diz Fialho. “Se tivermos um domínio maior de como as leis são regidas lá fora, podemos agilizar processos de negociação.”
Os estudos de Fialho foram possíveis por dois motivos. Enquanto ela pesquisava e viajava mundo afora, a Céleres a manteve como consultora, sem desligá-la de seu quadro de funcionários. A outra foi o suporte dado pela Nuffield International, uma Organização Não Governamental (ONG) formada por uma rede global de agricultores, empresários e profissionais da área rural. A Nuffield foi criada na Inglaterra em 1947, com o objetivo de financiar bolsas de estudos para pesquisa. Hoje, junto com o Reino Unido, são países membros a Austrália, a Nova Zelândia, o Canadá, a França, a Irlanda e, mais recentemente, a Holanda, que se associou em 2014. O Brasil, convidado em 2013 para fazer parte da rede, e os Estados Unidos são hoje países associados. “O Brasil está em processo de formalização para ser membro da instituição, o que deve ocorrer até 2018”, afirma a australiana Sally Thompson, embaixadora no Brasil da Nuffield International. Para o presidente mundial Roger Mercer, um dos maiores países produtores de alimentos do mundo não pode ficar fora da entidade. “As pessoas querem saber o que acontece no Brasil”, afirma Mercer. “Porque o que ocorre no País tem impacto global.” Desde a sua criação, a Nuffield já concedeu bolsas de estudo para 1,7 mil profissionais de vários setores, produtores e empreendedores, sustentadas por empresas doadoras de recursos. Nos últimos dois anos, a receita de doações à instituição foi de US$ 3 milhões, período no qual foram concedidas 136 bolsas.
Fialho foi a primeira brasileira a participar do processo de escolha de um pesquisador, nos 70 anos de história da Nuffield. Isso porque em 2014 a entidade abriu bolsas a países associados. Hoje, além dela, outros três brasileiros estão na entidade tocando projetos de pesquisa, mas que ainda não estão concluídos: o engenheiro Luciano Loman, bolsista de 2015, e dois que estão iniciando o processo neste ano, o agrônomo Murilo Martins Bettarello, 32 anos, e a administradora de empresas e fazendeira Carla Mayara Borges, 27 anos.
Entre 11 e 19 de março, os quatro participaram da Conferência de Novos Bolsistas Nuffield, que aconteceu pela primeira vez na América Latina. Brasília foi o local escolhido. Os bolsistas visitaram a Embrapa Cerrados e Biomas, duas cooperativas e duas fazendas produtoras de grãos, próximas da capital federal. Para Ivan Moreno, diretor de Acesso a Mercado da Bayer que esteve na conferência, as pesquisas desenvolvidas são sempre práticas, mostrando como solucionar problemas. “É uma construção diferente de liderança”, afirma Moreno. “Porque esses jovens, com uma capacidade imensa de realização, voltam para os seus países mais engajados com os desafios do campo.” Participaram da conferência 76 bolsistas de 11 países. A Austrália é o país mais engajado, com a maior quantidade de pesquisadores nesta temporada. São 28, seguidos pelo Reino Unido, com 23. Mas as atenções se voltam para os novatos, como a África do Sul, que neste ano teve a primeira bolsista aprovada. Thato Moagi, 26 anos, formou-se em Ciência Vegetal em 2013 pela Universidade de Pretória. Hoje, Moagi é dona de 50 hectares de Modimolle, na província de Limpopo, a cerca de 200 quilômetros de Johanesburgo, onde cultiva milho, batata e cria 40 bovinos e cabras da raça dorper. O Brasil faz parte de sua rede de interesses como referência para implantar um sistema de integração entre lavoura, pecuária, floresta e horticultura. “O gado ocupa uma área pequena e quero aumentar a produção de carne sem reduzir a lavoura”, diz ela. No roteiro de visitas técnicas, próximo passo da pesquisa, Moagi estará de volta ao Brasil. A intenção é retornar em setembro para visitas a fazendas de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e algum Estado do Sul, além de Uruguai e Holanda, juntamente com um grupo de pesquisadores.
O passo seguinte para ela, assim como qualquer outro bolsista, é a escolha de um país no qual ela estará sozinha por oito semanas, para terminar o recolhimento de dados. Em seguida, são apresentados os resultados. Fialho diz que não há surpresas durante o processo. “Somos acompanhados o tempo todo e o suporte é pleno”, diz ela. “Além disso, passamos a ter uma rede mundial de contatos que posso acionar a qualquer momento.” Isso porque a filosofia é “uma vez bolsista, o pesquisador passa a ser um Nuffilder”, formando um tipo de irmandade da ciência. E, claro, com uma visão macro do mundo.
O engenheiro Luciano Loman, bolsista que ingressou na instituição em 2015, diz que sempre quis viajar para conhecer o mundo. Mas virou empresário de uma subsidiária austríaca de serviço para agricultura de precisão, como estação meteorológica e modelagens hídricas para manejo do solo. “No final da contas eu caí em um ambiente em que posso, além de conhecer o mundo, aprender e olhar para a necessidade das pessoas”, diz ele. Loman está estudando as fazendas verticais e quer desenvolver para o Brasil uma modelagem para áreas urbanas. “Com água e luz controladas é possível produzir dez vezes mais que no modelo convencional”, afirma. Loman já viajou para a Europa, Estados Unidos, Quênia e África do Sul. “Em Soweto e Johanesburgo, por exemplo, há iniciativas fantásticas de produção de alimentos em comunidades carentes”. Ele pretende terminar a bolsa neste ano, período em que Murilo Bettarello e Carla Borges darão os primeiros passos da pesquisa. Membro da Via Verde, consultoria com 30 profissionais, Bettarello quer melhorar uma startup criada em 2015, a EasyAgro, para levar informação ao produtor rural. Trata-se de um aplicativo com todas as informações comerciais sobre produtos para o combate a pragas, doenças e daninhas, além de sementes. “Não é uma ferramenta para competir com o agrônomo ou técnico, é para somar.” Sem nenhuma propaganda, já foram baixados 20 mil aplicativos. Borges, que toca junto com a família uma área de 11,5 mil hectares de soja, milho, sorgo e feijão em Chapadão do Céu (GO), quer resolver um problema seu e de seus vizinhos: como fazer a gestão de máquinas agrícolas, para reduzir o tempo das manutenções preventiva e corretiva. “Temos máquinas que trabalham três meses por ano”, diz Borges. “Se uma fazenda está a 70 quilômetros da cidade, uma quebra pode ser um dia parado, comprometendo a produtividade da lavoura.” Ela irá para Japão, Indonésia, Cingapura, Reino Unido, Israel e Estados Unidos. “Quero chegar a uma solução prática, através de um aplicativo on line que faça a leitura do problema ocorrido, fazendo o mecânico ganhar tempo na troca de peças”, diz ela. “Nunca quis sair da fazenda, mas sei que pesquisando com a Nuffield estou na direção certa, vou conseguir as resposta que preciso.”