10/07/2017 - 8:00
Muita coisa mudou desde 1847, quando a primeira cooperativa agropecuária brasileira foi criada, em uma colônia no Paraná. A mudança mais recente tem feito essas organizações ir além de prestar assistência técnica e oferecer ferramentas para escoar a produção agropecuária da melhor maneira possível. Agora, elas se aproximaram do sistema financeiro e estão se tornando um pilar importante nas finanças do agronegócio. As cooperativas mais organizadas possuem bancos e estão indo além de repassar as linhas de crédito governamentais, que vêm minguando nos últimos anos. Agora, essas entidades têm financiado os cooperados com recursos próprios. É o caso da CrediCoamo, que pertence à Coamo Agroindustrial Cooperativa, de Campo Mourão (PR), organização que ficou em primeiro lugar na categoria Cooperativas, no prêmio AS MELHORES DA DINHEIRO RURAL 2016.
Uma das maiores cooperativas do País, a Coamo foi criada em 1969. Vinte anos depois, os associados criaram a CrediCoamo, uma cooperativa de crédito que, no ano passado, por meio de recursos próprios, emprestou R$ 476,3 milhões aos cooperados em um total de 8,3 mil operações. Se fosse um banco, a CrediCoamo não estaria entre os menores. No fim do ano passado, ela contabilizava ativos de R$ 2,5 bilhões, um crescimento de 20,3% em relação a 2015. “Em custeio agrícola, a CrediCoamo ocupou a décima posição em valores contratados e a sexta em número de operações”, afirma José Aroldo Gallassini, que preside as duas cooperativas.
A ideia deu tão certo que hoje a CrediCoamo opera 41 agências dentro das instalações da Coamo e tem 18,3 mil cooperados no Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Incluindo as operações realizadas com dinheiro próprio e aquelas financiadas com captações no mercado, ela ficou em quinto lugar na concessão de crédito, segundo dados do Banco Central (BC). Ao todo, foram emprestados R$ 1,5 bilhão em 17,2 mil operações de crédito.
Além do dinheiro dos cooperados, a CrediCoamo intermediou R$ 939,9 milhões em linhas oficiais de custeio, e obteve R$ 99,8 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO), para a aquisição de máquinas, implementos agrícolas, e para a correção de solo. No ano passado, sua receita foi de R$ 306,3 milhões e resultou em sobras (o equivalente ao lucro) de R$ 100,1 milhões. “Do total das sobras, após as destinações legais e estatutárias, distribuímos R$ 30,3 milhões aos associados da CrediCoamo, na proporção da movimentação de cada um”, diz Gallassini.
Os cooperados aprovam. É o caso do produtor Frederico Stellato Farias, dono das fazendas São Domingos, em Luiziana, e Nova, em Campo Mourão (PR). Ele se vinculou à CrediCoamo em 2008 e, desde então, toma empréstimos regularmente, tanto para o custeio da safra de soja, milho, trigo e aveia, quanto para financiar a correção de 260 hectares de solo e comprar máquinas agrícolas. Na safra passada, ele fez um empréstimo de R$ 160 mil. “Duas vezes ao ano, pego dinheiro na CrediCoamo para custeio das safras de verão e de inverno”, diz Farias. “A burocracia é menor que a dos bancos.”
Depois da colheita e da venda da safra, Farias também aplica o resultado no mesmo guichê. Para ele, há uma relação de confiança com a cooperativa, que conhece bem a sua realidade de cooperado. Ele conta que nas várias vezes nas quais buscou por recursos em bancos privados e estatais, além de hipoteca e outras garantias, as instituições faziam outra exigência, a chamada operação casada. “Eu era obrigado, por exemplo, a fazer seguro e a adquirir outros produtos para concretizar o negócio”, afirma Farias. “Isso sem contar os gastos com os incontáveis registros de uma cédula rural para cada operação.”
Essas facilidades e a relação próxima com os produtores vêm garantindo o crescimento do sistema. De acordo com a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), essas organizações responderam por R$ 14,3 bilhões dos recursos ofertados ao agronegócio em 2016. Hoje, há 1,6 mil cooperativas em atividade. De acordo com Luiz Roberto Baggio, representante nacional do ramo de agropecuária da OCB, não há dados oficiais sobre empréstimos com recursos próprios, porque o crédito indireto concedido pelas cooperativas é muito particular a cada uma delas, à sua natureza, estrutura e atividade. “Nem sempre o crédito concedido pela cooperativa é feito via dinheiro, mas de outras formas como, por exemplo, na intermediação do comércio da safra”, diz Baggio. “Por isso é difícil quantificar essa movimentação de recursos próprios.”
Outra organização ativa no financiamento do agronegócio é a Cooperativa Agroindustrial de Cascavel (Coopavel), criada no início dos anos 1980. Hoje, o CrediCoopavel presta serviços bancários a 5,5 mil produtores rurais através de sua agência na sede da cooperativa. “Os diferenciais em relação a outras instituições financeiras são a distribuição das sobras, as taxas de juros menores e a isenção da tarifa de manutenção de conta”, diz Dilvo Grolli, presidente da Coopavel e da CrediCoopavel. “Fazemos o mesmo papel dos bancos oficiais, dos privados e das cooperativas de crédito. A diferença é que, no nosso caso, o lucro volta para os cooperados.” No ano passado, os ativos da CrediCoopavel foram de R$ 200 milhões e o lucro distribuído, de R$ 8,3 milhões. Além dos recursos próprios para crédito, a cooperativa possui convênio com o Banco do Brasil, BNDES, Caixa Econômica, Bradesco e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE). “Tudo o que a cooperativa entrega retorna para a sociedade”, diz Grolli. “Com crédito diversificado, a região se auto-regula e há equilíbrio do mercado.”
O potencial de negócio é gigantesco. As 100 maiores cooperativas do agronegócio tiveram uma receita de R$ 180 bilhões no ano passado, valor 15% superior a 2015. Somente a Coamo, por exemplo, uma das maiores do País, fechou o ano com uma receita de R$ 11,4 bilhões. O certo é que, cada vez mais, as cooperativas devem participar desse movimento de crédito porque hoje não existem recursos oficiais disponíveis para toda a operação agrícola nacional. Em algum momento, com mais força, as cooperativas vão financiar definitivamente o seu cooperado.
Segundo Márcio Lopes de Freitas, presidente da OCB, a necessidade de financiamento para alavancar a produção agrícola tem motivado as cooperativas a criarem bancos. Por meio deles, fica mais fácil captar recursos no mercado para repassá-los aos cooperados. As entidades que já operam suas próprias estruturas de financiamento tendem a azeitar ainda mais suas operações. O pacote oferecido por essas instituições também inclui formas tradicionais de crédito, como as linhas oficiais e a captação de recursos por meio da emissão de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). “É na combinação dessas fontes que as cooperativas conseguem simplificar e atender seus cooperados”, afirma Freitas. “No fundo, a maior vantagem é que não há a burocracia das operações bancárias tradicionais.”