09/04/2018 - 10:00
“O sertão vai virar mar” é uma das profecias atribuídas ao cearense Antônio Conselheiro, líder da guerra dos Canudos no fim do século 19, uma das mais sangrentas batalhas da história brasileira. Conselheiro acreditava no fim da seca nordestina, mas o fato é que São Pedro nunca ajudou – e continua não ajudando –, em se tratando de água. Mas pode vir do mar uma contribuição importante para o produtor rural melhorar a fertilidade de terras pobres em nutrientes, como é o caso da maior parte das áreas agricultáveis do País, e não apenas do Nordeste.
As algas marinhas, presentes em quase toda a costa brasileira, podem ser usadas como fertilizante biológico ou em combinação com o tradicional NPK (sigla para nitrogênio, fósforo e potássio), insumo básico nas lavouras.
Para mostrar que esse é o caminho, no mês passado, a Oceana Brasil, uma startup do setor de fertilizantes especiais, em Jundiaí (SP), e o grupo Risa, em Balsas, no Sul do Estado do Maranhão, que pertence ao produtor José Antonio Gorgen, fecharam uma parceria inédita. Gorgen vai emprestar seu nome e credibilidade para uma linha de fertilizante da Oceana. O grupo Risa possui 70 mil hectares de soja, milho e sorgo em seis fazendas no Maranhão e no Piauí, e está entre os maiores produtores da região.
“Acreditamos no potencial do produto e estamos contando que ele será bem recebido pelos produtores”, diz Anderson Gorgen, um dos herdeiros e diretor administrativo do grupo Risa. “Nas duas últimas safras já usamos fertilizante de alga marinha em grande escala na lavoura.” Gorgen está embarcando na parceria porque, além da agricultura, o grupo atua na distribuição de fertilizantes, defensivos e insumos de multinacionais como Monsanto e Bayer, e também é concessionário da Case, fabricante de equipamentos agrícolas do grupo Fiat. No ano passado, o grupo faturou R$ 621 milhões.
Para a Oceana não poderia haver parceiro melhor na região do Matopiba (sigla para a confluência dos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), área de 73 milhões de hectares que abarca 337 municípios e hoje é a maior fronteira agrícola do País. Para Daniel Frasson, presidente da Oceana, a experiência do grupo Risa será vital para o negócio. “O aumento da produtividade de suas fazendas são a nossa maior vitrine”, diz ele. “O longo período de testes levou o grupo a confiar no produto.” Para o grupo Risa, embarcar na parceria não é uma aventura. Os Gorgen começaram a experimentar o fertilizante de algas há uma década. No cultivo de soja, por exemplo, o fertilizante tem sido aplicado em 58 mil hectares.
De acordo com Gorgen, o aumento da produtividade tem sido de três sacas por hectare. Esse volume é quase a metade do custo por hectare. “Na região, para produzir um hectare de soja se gasta, em média, o equivalente a sete sacas do grão”, diz ele. “O ganho com produtividade pode ajudar nas contas da fazenda.” No Matopiba, a média de produção de soja é de 51 sacas por hectare.
O fertilizante de alga pode ser usado sozinho para adubar a terra, ou em conjunto com NPK, ajudando a potencializar o seu desempenho. Isso porque a alga melhora as condições físicas e químicas do solo. São cerca de 70 nutrientes, entre eles o cálcio (32% do total), magnésio, ferro, manganês e zinco. “Além da riqueza nutritiva, como o produto é orgânico, ele atende a uma demanda mundial por práticas sustentáveis”, diz Gorgen. “O que temos observado é que a planta aparenta maior sanidade e as análises foliares demonstram que não há deficiência de nutrientes.”
No mundo, embora a alga marinha da espécie Lithothamnium sp., seu nome científico, seja conhecida há pelo menos 200 anos como fertilizante, apenas há 30 anos ela começou a ser explorada de modo comercial, principalmente na costa marítima de países da Europa, entre eles França, Inglaterra e Irlanda, além de Japão e Estados Unidos. No Brasil, a parceria do grupo Risa com a Oceana está ancorada no litoral do Maranhão, no município de Tutóia. A Oceana, que já possuía uma unidade de processamento de algas no local, investiu R$ 10 milhões em uma segunda unidade, destinada à parceria. De acordo com Eduard Kozak, diretor comercial da empresa, a meta é faturar R$ 70 milhões em 2018, mais que o dobro dos últimos anos.
“Para 2022, a meta é R$ 500 milhões”, diz Kozak. Hoje, a Oceana Brasil retira do mar 500 toneladas por dia, em uma jazida a 50 quilômetros da costa. Não por acaso a região foi escolhida. Segundo Kozak, as reservas do mar do Maranhão estão entre as maiores do mundo. Isso porque o Lithothamnium cresce em profundidades entre 10 metros e 40 metros, se desenvolvendo mais rapidamente em águas mais oxigenadas e de maior incidência solar.
“Se aumentarmos a produção em 1.000%, ainda assim poderemos explorar a reserva por mais de 100 anos”, afirma ele. As jazidas de algas, embora em menor quantidade, se estendem por cerca de quatro mil quilômetros da costa, entre os Estados do Pará e do Rio de Janeiro, com reservas ainda não conhecidas. Segundo Ricardo Macedo, gerente de Pesquisa da Oceana Brasil, a planta marinha é avermelhada ao natural, passando a branco-acinzentada, sinal de pureza da matéria-prima, quando calcificada. “A alga extraída no Brasil é de ótima qualidade”, diz Macedo.
O fato é que pode estar no mar uma riqueza ainda pouco explorada no País. O Brasil é um grande importador de fertilizante. No ano passado foram utilizados nas lavouras 34,4 milhões de toneladas de fertilizantes, aumento de 1% em relação a 2016, das quais 26,3 milhões de toneladas foram importadas. O crescimento das compras no Exterior foi de 7,5%, segundo a Associação Nacional para Difusão de Adubos. De acordo com Cleber Vieira, sócio-analista da Agroconsult, consultoria especializada no agronegócio, o País é refém da volatilidade do mercado internacional de fertilizante e da variação cambial do dólar. “Importamos grande parte dos fertilizantes fosfatados do Marrocos, enquanto que a Rússia e a Alemanha garantem os potássicos. E os nitrogenados chegam de vários países fornecedores”, diz Vieira.
É por isso que o grupo Risa e a Oceana estão de olho em parte desse mercado, principalmente o de fertilizantes fosfatados. Desse tipo de nutriente, onde a alga disputa espaço, o consumo interno foi de 5,1 milhões de toneladas em 2017, aumento de 3% com relação ao período anterior. “A ideia com o Lithothamnium é suprir 20% do comércio de fosfatados no País”, afirma Kozak, da Oceana. Para Romeu Amaral, gerente comercial do grupo Risa, que no ano passado vendeu 247 mil toneladas de produtos no Maranhão e no Piauí, o novo adubo pode fazer diferença no negócio. “Entramos na parceria para tornar nossos fertilizantes mais eficientes”, diz Amaral. “E, lógico, aumentar as nossas vendas de insumos.” A expectativa é que os produtos à base de algas representem uma receita de R$ 290 milhões, um aumento de 24% no negócio de fertilizantes do grupo Risa.
A terra tem voz
O que as pesquisas de campo realizadas no País já mostraram
As pesquisas realizadas no País com algas do tipo Lithothamnium têm mostrado resultados positivos em diversas culturas. Na safra 2016/2017, a Oceana realizou testes na fazenda Santa Fé, em Acreuná (GO), com a cultura de feijão. Foram comparados fertilizantes à base de algas com os apenas fosfatados, aplicando 200 quilos de cada produto por hectare. No primeiro caso, o ganho foi de sete sacas de 60 quilos por hectare, alcançando cerca de 62 sacas. Com o fosfatado, a produção foi de 55 sacas.
Outra pesquisa, dessa vez na Universidade Federal de Lavras (MG), em 2009, mostrou o efeito sobre a cana-de-açúcar. O experimento aconteceu em propriedades do Estado do Paraná. Foram testadas três áreas: com Lithothamnium e vinhaça (resíduo da indústria sucroalcooleira), apenas com vinhaça e outra sem aplicação de fertilizante. Na área um, a produção de álcool por hectare foi de 4,2 mil litros, ante 2,8 mil litros da área com vinhaça. Já na produção de açúcar, a área um chegou a nove toneladas por hectare, enquanto que na área apenas com vinhaça ela foi de 5,9 toneladas por hectare. Em comparação com a área sem uso de insumos, o uso da alga dobrou a produtividade de etanol e de açúcar.