10/11/2021 - 17:10
O espaço deixado pelo governo Jair Bolsonaro no protagonismo ambiental entre as nações do chamado sul global não ficou muito tempo vazio. A Colômbia tem preenchido o vácuo deixado pelo vizinho. Ainda que cerca de dois terços da Amazônia estejam no Brasil, é do país presidido por Iván Duque Márquez a atenção e as ações que se destacam desde antes da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-26).
Em Glasgow, onde a conferência ocorre há uma semana, Duque teve uma série de encontros com chefes de Estado. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, entre eles. Foi a primeira vez que os dois ficaram frente a frente, o democrata americano de máscara, o sul-americano sem. Além de ambos terem bases conservadoras, param por aí as semelhanças com Bolsonaro.
Duque avança no vácuo deixado pelo País não só de olho no espólio da “soft power” ambiental deixada por Bolsonaro, mas em outras negociações e lucros futuros. “Isso abre espaço para o governo colombiano em outros foros”, diz o professor de Relações Internacionais da USP Felipe Loureiro. “Quando um país avança em um tabuleiro (geopolítico), ganha prestígio em outros.”
ATUAÇÃO NA COP
Em 2019, no mesmo dia em que Bolsonaro afirmou, em discurso na Assembleia-Geral das Nações Unidas, que há “falácias” sobre a Amazônia, Duque se disse contra a politização de queimadas na região. Agora, enquanto Bolsonaro sequer pôs os pés no Reino Unido para a COP e preferiu ficar na Itália após a reunião do G-20 para ser homenageado por um político da ultradireita local, Duque não só se encontrou com autoridades estrangeiras, como vendeu a imagem de um país comprometido com a luta contra o desmate. Esteve ao lado do premiê britânico, Boris Johnson, no anúncio de um acordo de proteção de florestas com a adesão de mais de cem países. Dias depois, esteve junto do presidente francês, Emmanuel Macron. “Não podemos sair da COP sem dar ao mundo respostas concretas, e esta cúpula deve ser lembrada porque demos um basta a discursos vazios e materializamos a esperança para as gerações que pedem o melhor de nós”, escreveu nas redes.
Na Escócia, ele ainda promoveu a agricultura colombiana e saiu com US$ 33,5 milhões (R$ 184 milhões) para conter a devastação na Amazônia e reduzir os gases de efeito estufa. O dinheiro veio de uma aliança com a Alemanha, a Noruega e o Reino Unido. Os dois primeiros injetaram mais de R$ 3 bilhões no Fundo Amazônia, congelado desde o início da gestão Bolsonaro. Sobre o assunto, em 2019, Bolsonaro se referiu assim ao país nórdico: “A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Que explora petróleo também lá? Não tem nada a oferecer para nós”, disse, além de sugerir que o dinheiro norueguês fosse usado para reflorestar a Alemanha.
“Em relações internacionais não existe vácuo. Se um país sai de cena, outro ocupa”, diz o professor da FGV André Pereira de Carvalho. Segundo ele, desde que o Brasil criou atritos em relação ao Fundo Amazônia, a Noruega cogitava levar o financiamento à Colômbia. “É inacreditável que o Brasil não esteja aproveitando esse momento. Não será fácil reconstruir nossa imagem. Pode durar décadas.”
CONTROVÉRSIAS
A realidade doméstica do líder do país andino, porém, não é tão pacífica e engajada. A Colômbia é considerado o lugar mais perigoso do mundo para ser um ambientalista: 65 dos 227 assassinatos de ativistas ambientais foram registrados lá em 2020, segundo a ONG Global Witness.
Segundo a ativista colombiana Laura Morales, da Citizen Climate Lobby, Duque faz marketing em cima de ações ambientais que partem da sociedade civil. “Alguns dos resultados que ele anuncia nunca passaram pelo governo e mesmo assim ele faz questão de dizer que são de sua gestão.” Procurado, o governo colombiano não atendeu a pedidos de entrevista do Estadão.
Ainda assim, aos olhos da comunidade internacional, Duque conseguiu conciliar suas convicções político-ideológicas com uma posição alinhada à postura exigida pela emergência climática já sentida nos diferentes cantos do planeta. Conforme o último relatório do IPCC, o painel de cientistas da ONU, A Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado, o que vai gerar eventos climáticos extremos.
“Há alguns anos a Colômbia vem se destacando com uma série de reformas. Não por acaso entrou para OCDE e para a Otan, e o Brasil continua de fora”, diz a coordenadora do curso de Relações Internacionais da Anhembi-Morumbi, Helena Margarido Moreira. Para ela, durante a COP, o Brasil pareceu ensaiar um retorno à política ambiental anterior com anúncios como o fim da derrubada ilegal da floresta com prazo para acontecer e o acordo do metano, mas “não há nada diferente do que o governo Bolsonaro faz desde o início”, afirma, referindo-se às dúvidas da comunidade internacional sobre o cumprimento dos acordos.
LUTA PELO FUTURO
Um metro e trinta e cinco. Trinta e seis quilos. Óculos grossos e um moletom verde em que se lê: “Não há planeta B”. Francisco Vera Manazares, de 12 anos, é daqueles que outras crianças sempre seguiram na escola. Um dos primeiros da classe, conta a mãe, Ana María Manazares, suas “preocupações de menino” estão longe da escola, na pequena Villeta, a 100 km de Bogotá, na Colômbia. Tão distante que ele veio parar em Glasgow, a convite do programa Euroclima+, da União Europeia, para participar da COP-26, a conferência do clima.
O garoto divide seu tempo entre os jogos de videogame (“Call of Duty… um horror, superviolento”, reclama a mãe), a bicicleta e mover o mundo a seu redor com um propósito claro: lutar pelos direitos da sua geração a um futuro ambientalmente melhor. “Por que estou aqui? Quantas crianças o senhor está vendo por aqui? Jovens há muitos, mas crianças?”, indaga, olhando fixamente para mim. Articulado e falante, Francisco está aqui porque foi nomeado Embaixador para a Boa Vontade, pela União Europeia. Honraria que lhe garantiu ser ouvido em encontros, reuniões, palanques improvisados em protestos e a conhecer alguns países. Antes, estava na Espanha.
A nomeação também o deixou ao lado do timorense Nobel da Paz José Ramos Horta, em um evento, a dividir o microfone com a ativista Greta Thunberg e, tão importante quanto, a ter o reconhecimento dos meninos da escola. Da ambientalista sueca ouviu que estava fazendo o que é certo. “Ela me disse para não parar”, diz tão sem modéstia e sem qualquer vaidade aparente.
Greta é uma referência, claro. Mas Francisco quer ser o próximo no lugar da sueca, badalada e ouvida por onde passa? “Quero ser como qualquer pessoa que luta pela vida”, diz. A certeza de que esse era o caminho veio quando ele viu na TV as florestas no Brasil sendo queimadas. Ali, aos 9 anos, resolveu que deveria fazer alguma coisa. Foi para as redes sociais, criou um grupo que se transformou em uma ONG e hoje reúne mais de 400 crianças, a maioria na Colômbia e no México. “O que acontece no país do senhor é muito triste. A Floresta Amazônica queimando e sendo derrubada.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.