14/11/2021 - 17:00
Nos últimos três anos, receber homenagens das Forças Armadas virou parte da rotina de ministros, assessores, familiares e políticos aliados do presidente Jair Bolsonaro. A generosidade com a qual as três Forças homenageiam pessoas ligadas ao governo é mais uma mostra da simbiose entre a caserna e o poder civil, ora ocupado por mais de 6,1 mil militares da ativa e da reserva. Desde que Bolsonaro subiu a rampa do Palácio do Planalto, Marinha, Exército, Aeronáutica e o Ministério da Defesa já condecoraram ministros e ex-ministros de Estado ao menos 115 vezes, segundo levantamento do Estadão.
Até agora, os ministros mais homenageados são Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Paulo Guedes (Economia) e o ex-ministro da Justiça André Mendonça: cada um recebeu sete medalhas desde janeiro de 2019. Em seguida vêm os titulares da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; e da Ciência, Tecnologia e Inovações, o astronauta Marcos Pontes, com seis condecorações cada. Até mesmo figuras com passagem trágica pelo governo foram laureadas, como o ex-ministro da Educação Carlos Alberto Decotelli. O economista foi demitido após poucos dias no cargo, em junho de 2020, por mentir no currículo.
Familiares e assessores presidenciais também são frequentes nas cerimônias. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi homenageado três vezes em 2019. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) recebeu a Ordem do Mérito Naval em maio de 2019, quando já era investigado no esquema das “rachadinhas”. Além dele, outro denunciado no caso recebeu honras: em fevereiro deste ano, o Exército condecorou o deputado estadual André Ceciliano (PT), presidente da Assembleia do Rio. Segundo o Ministério Público, Ceciliano era o “protagonista” do esquema de corrupção, o que ele nega.
As Forças Armadas condecoraram ainda 16 pessoas que seriam depois indiciadas pelo relatório final da CPI da Covid, do Senado. Entre elas estão os empresários Carlos Wizard Martins, acusado pela CPI de integrar o “gabinete paralelo” que assessorou Bolsonaro na pandemia, e Raimundo Nonato Brasil, sócio da VTCLog, empresa de logística que teria fraudado a prestação de serviços para o Ministério da Saúde, segundo a CPI. Os dois foram homenageados com a Medalha Exército Brasileiro em 2020, já durante a crise sanitária – Wizard em março; Nonato, em julho.
A disposição das Forças em homenagear um ministro diminui se ele romper com Bolsonaro: o ex-juiz Sérgio Moro foi laureado quatro vezes enquanto esteve no governo, e recebeu a última homenagem um mês antes de sair. O mesmo se deu com Luiz Henrique Mandetta (Saúde), homenageado pela Marinha e pelo Ministério da Defesa enquanto esteve na Esplanada. “Não me ofende, não. A gente entende que as Forças Armadas também são forças políticas. Não vão fazer uma homenagem a alguém que o presidente (da República) não queira”, afirmou Mandetta.
As Forças usam as medalhas para congratular políticos próximos. De 2019 até hoje, o deputado José Priante (MDB-PA) já foi homenageado seis vezes. Priante disse que a relação com as Forças se estreitou em 2019, quando ele presidiu a comissão da reforma da Previdência dos militares – o resultado final foi favorável à caserna, com aumento de salários e gratificações. “Recebi algumas comendas, o que me honra profundamente”, afirmou o deputado. Bibo Nunes (PSL-RS), um dos mais ativos defensores de Bolsonaro na Câmara, atribuiu a homenagem que recebeu ao trabalho em favor da Marinha. “Eu ajudo a Marinha há bastante tempo. (A comenda) É um carinho, um muito obrigado.”
Para alguns congressistas da base aliada do governo, as cerimônias das Forças se tornaram um momento para encontrar autoridades do governo, ministros e o presidente, que costuma comparecer. Alguns dos mais assíduos são a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Bia Kicis (PSL-DF), com seis homenagens desde 2019; e o deputado Capitão Derrite (PP-SP), da Rota paulista. Hélio Lopes (PSL-RJ) já recebeu quatro distinções. Homenageado três vezes, o ministro Fábio Faria (Comunicações) disse que só foi a uma das cerimônias, da Marinha. Lá encontrou outros 11 ministros e quatro congressistas aliados.
Jair Bolsonaro recebeu três medalhas depois de empossado: as Ordens do Mérito Aeronáutico, Militar e da Defesa – esta última foi recebida por Michelle Bolsonaro em junho deste ano. Chefe do gabinete pessoal de Bolsonaro, Pedro Cesar Nunes Ferreira Marques de Sousa já foi homenageado cinco vezes pelas Forças desde 2019. O assessor especial Max Guilherme Machado de Moura, que vive colado com Bolsonaro e é conhecido por atacar verbalmente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), recebeu cinco honrarias.
Na semana passada, Bolsonaro criou polêmica ao cancelar a entrega da Ordem do Mérito Científico a dois pesquisadores cujo trabalho desagradava ao governo, inclusive o médico sanitarista Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, que coordenou estudo que mostrou a ineficácia de medicamentos do “kit covid” contra a doença. Em resposta à atitude de Bolsonaro, 21 pesquisadores que receberiam a homenagem declinaram da honraria.
O levantamento do Estadão foi feito com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) e considerou as nove principais homenagens das Forças e da Defesa. No período, foram entregues 10,1 mil honrarias, a maioria para militares das três Forças. A reportagem procurou Exército, Marinha, Aeronáutica e Defesa, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.
Dos atuais ministros, só quatro nunca foram homenageados: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional); Bento Albuquerque (Minas e Energia); Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência) e Joaquim Leite (Meio Ambiente) – os três primeiros são militares do topo da carreira e já tinham recebido as comendas pesquisadas antes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.