30/11/2021 - 16:29
Como presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito tem dado voz à insatisfação do setor com as políticas ambientais do governo federal. No final de agosto, a Abag assinou, junto com outras entidades do agro brasileiro, uma carta em que defendia a democracia e criticava o prejuízo causado pelo descaso como meio ambiente. Pouco antes de embarcar com destino a Glasgow, na Escócia, onde participou da COP-26, Brito conversou com a reportagem da RURAL sobre o potencial do Brasil como protagonista da questão climática e sobre o quanto a produção nacional é responsável, mas é prejudicada por uma minoria barulhenta. Segundo ele, é preciso eliminar da cadeia quem atrapalha o desenvolvimento do setor.
RURAL – Qual é a imagem que o Brasil levou à COP-26?
Marcello Brito – Vamos voltar atrás para entender os fatos e não cometer injustiças. Em 2019, a COP-25 seria no Brasil. Lembremos disso. Mas o novo governo que assumiu desdenhou da questão climática, desdenhou da ciência, e falou “não vamos gastar dinheiro nosso para fazer evento aqui no Brasil”. A COP-25 foi realizada em Madri, e na ocasião a posição do governo brasileiro foi nociva, para não dizer outra coisa. Nós assistimos durante os anos de 2019 e 2020 a simplesmente um caminhão de horrores em relação a esse tema, dito pelas mais altas autoridades brasileiras. Ao mesmo tempo, assistimos ao aumento do desmatamento, ao aumento das queimadas, assistimos a um desmonte do processo de fiscalização brasileiro. Nesse terceiro ano, a mesma coisa. A situação vai piorando para o Brasil em todos os aspectos. O País passa a ser mal visto. Não foram um ou dois embaixadores que chamaram a atenção para isso. Há dezenas de pesquisas internacionais que mostram a perda de reputação brasileira.
Você já disse que o Brasil precisa ser mais ambicioso na questão climática. Como?
Podemos olhar com a visão do retrovisor, ou pelo futuro, com tudo aquilo que a ciência, as estatísticas e as tendências de comportamento nos mostram. Os países industrializados do hemisfério norte vão ter muitos problemas para mudar a matriz energética deles, de transporte, para conseguir reduzir as emissões. Nós estamos falando de bilhões que precisam ser investidos. No Brasil, mais de 60% das nossas emissões vêm do uso da terra. E desses, 44% vem do desmatamento ilegal. Se a gente adota uma postura de eliminação do desmatamento ilegal, passamos a ser o país líder na questão climática , e isso nos daria ferramentas para as negociações comerciais e acesso a mercado.Se olhar pelo retrovisor, você vê como problema. Se você olhar para o parabrisa e para frente, vê isso como uma solução. É a melhor ferramenta para que nós transformemos o nosso país naquilo que a gente chama de potência agroambiental. Se o mundo quer redução de emissões, quer floresta e quer sequestro de carbono, o Brasil tem pra dar.
Falta uma estrutura para transformar a teoria em prática, como no caso do mercado de carbono?
Eu não digo que falta. O mercado de carbono ainda é voluntário e incipiente na maioria dos países do mundo. Você tem um mercado forte na Europa e mercados internos na China e nos Estados Unidos, mas em termos mundiais ainda é pequeno. Agora, todos os países estão tratando disso. E todo mundo quer ser pai da matéria aqui no Brasil. Veja o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que colocou o projeto dele no Congresso Nacional para regulamentar o mercado de créditos de carbono — e todos querem o crédito. Eu cito o nome dele porque a gente vinha conversando há muito tempo e não é uma visão oportunista, de última hora.
O Brasil reconhece seu potencial em bioeconomia?
O que aconteceu aqui foi uma questão puramente ideológica. E vou te dar três pontos interessantes. Tivemos a maior comitiva de CEOs de empresas brasileiras ou que têm operações no Brasil indo à COP-26. Estamos falando de gente do agro, da indústria, da energia, da construção, de todos os setores. Eles entenderam o tamanho do risco que estamos passando pela imagem política ambiental que projetamos ao mundo, e como isso coloca seus negócios em risco. Eles precisam estar lá para mostrar que, apesar de um desvio momentâneo por parte das autoridades brasileiras, o setor privado brasileiro está comprometido com o desenvolvimento sustentável. Tivemos a maior delegação de governadores indo à COP-26, de forma organizada, que estão ocupando o vácuo de poder que o governo federal deixou nessa linha. Há limitações para o que eles podem fazer, mas eles se colocaram à disposição dessa negociação. E houve também um grupo grande de parlamentares indo a Glasgow, alguns deles que compõem a base negacionista das ciências climáticas, mas que nos últimos meses viram que tem voto e dinheiro nessa área.
Você vê uma divisão no nosso agro entre os insatisfeitos e os satisfeitos com o desempenho do governo federal?
A questão de achar que o agro está rachado é bobagem. O que acontece é que hoje você tem um grande agro exportador, mas que representa 25% das propriedades brasileiras, que estão conectadas ao mercado internacional e conhecem a pressão de consumidores e investidores, por estarem na primeira barreira das pancadas que vêm deles. E você tem 75% das propriedades pequenas ou médias sem esse acesso. E aí se misturam questões de cunho partidário com questões de cunho de estado. Não tem esse racha. O que tem é um pequeno número de pessoas, e lembre-se, a minoria organizada sempre faz mais barulho que a maioria que trabalha em silêncio. A grande maioria do agro nacional, 99%, segundo um estudo do Mapbiomas de 2020, não está envolvido no desmatamento ilegal. Só que 70% do desmatamento ilegal privado brasileiro está dentro desse 1% das propriedades. Olha só a pressão sobre a pecuária. As áreas de pasto ocupam 75% de tudo que foi desmatado em florestas e áreas públicas da Amazônia legal entre 1997 e 2020. São 21 milhões de hectares de áreas públicas desmatadas ilegalmente. Nosso agro tem tudo de melhor para mostrar. Mas temos que nos unir para eliminar da cadeia essa minoria que tem atrapalhado muito. Já viajei o mundo inteiro a serviço do agronegócio e não existe uma agricultura com tamanha capacidade de resiliência, com tecnologia e, principalmente, com inclusão de sequestro de carbono, como a brasileira.
Você fala dessa maioria que trabalha em silêncio. Muitas empresas passaram a divulgar de forma mais clara suas boas práticas. Você percebe uma mudança na comunicação do setor?
Sim, isso está acontecendo. Temos coisas boas da pecuária para mostrar. E da soja, das florestas plantadas, do açaí, do dendê, da fruticultura. E esse é o nosso papel. A defesa do agro brasileiro se faz nas mesas de negociação internacionais, e não em grupo de whatsapp. Ou na internet, onde ficam xingando, esculhambando europeu, americano, chinês. Não é assim que as coisas acontecem. O mercado internacional é um local para profissionais. E o que um grupo imenso de empresas tem feito, de forma silenciosa, sob a liderança da ministra Tereza Cristina, é fazer essa defesa no palco em que ela tem que ser feita, que é o palco do consumidor.
A pandemia trouxe uma visibilidade inédita para a resiliência do agro e acabou acelerando a aproximação do setor com o mercado de capitais. Como você vê esse movimento?
Acho muito interessante e salutar. E até me assusto de ter demorado tanto. Porque você pode cancelar uma viagem, cancelar uma compra de um presente, suspender a compra de uma casa. Mas não pode parar de comer, de vestir. Precisa de energia renovável. Então esses investimentos vão continuar e esse setor será altamente financiado, mas de forma sustentável. Temos mania de brigar com banqueiro porque ele pede por sustentabilidade. Não. Quem pede isso é quem coloca o dinheiro. O banco é só a caixa de ressonância de seus clientes. E isso é o que os clientes estão querendo e exigindo.
Há uma diferença muito grande entre os consumidores europeus e os brasileiros, em termos de maturidade e exigência. Você acredita ser possível diminuir essa diferença?
Existe uma diferença em primeiro lugar econômica. Em segundo lugar, educacional. Veja bem, o Brasil hoje tem 28 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Metade da população em insegurança alimentar, quando a pessoa não tem acesso àquele conjunto de alimentos necessários a sua melhor nutrição. Você acha que o cara vai olhar as questões de sustentabilidade? Ele está tentando sobreviver. Então, existe essa diferença do consumidor do país desenvolvido com o em desenvolvimento e com o pobre. E essas diferenças têm que ser respeitadas. Por isso que é obrigação dos emissores dos gases de efeito estufa, dos causadores de todo esse problema que estamos enxergando hoje, fazer o financiamento e a transição sustentável dentro de um novo modelo de produção e consumo nos anos vindouros. Não vamos exigir que o consumidor brasileiro, o pobre que mora na periferia de Belém do Pará, tenha a mesma exigência em termos de rastreabilidade do consumidor que está lá em Amsterdã. Isso seria um engano de nossa parte.
Como você está olhando para a sucessão de Tereza Cristina no ministério?
Primeiro, eu queria fazer um elogio e um agradecimento. Nesses três anos a ministra Tereza Cristina foi a grande bombeira desse governo. Ela não deixou a bola do agronegócio brasileiro cair. E conseguiu isso fazendo a defesa e o papel de ministra da Agricultura, de ministra do Meio Ambiente e até de chanceler. Porque há algum tempo atrás tínhamos nessa posição uma pessoa que só atrapalhava o Brasil. Ela vai deixar o ministério no ano que vem para as eleições e estamos preocupados com quem vai substituí-la. Esperamos que o seu sucessor seja o seu secretário executivo, Marcos Montes. Isso vai mostrar que o Brasil tem uma linha agrícola séria. Se ofor um ente político que vai provocar a paralisia do ministério, porque é isso que uma mudança desse tipo causaria, vamos mostrar que essa área, onde mais acertamos durante esse governo, também vai terminar de forma ruim.