19/04/2022 - 19:01
O Brasil produz 192 mil toneladas de borracha natural por ano, o que corresponde a cerca de 1,4% do volume mundial. Quando se olha para esses números de forma pura e simples, a contribuição do País para o setor no contexto global é tão irrisória que mudar este status parece impossível. Mas uma análise mais ampla sobre o potencial de crescimento da heveicultura nacional pode revelar uma situação bem diferente, e promissora. Com avanços tecnológicos, investimentos, capacitação, gestão de pessoas e uma ação integrada de toda a cadeia, o
mundo pode começar a ver por aqui uma saída para a dependência da produção altamente concentrada na Ásia, sobretudo na Tailândia, Indonésia e Vietnã.
Segundo dados da Associação Brasileira de Produtores e Beneficiadores de Borracha Natural (Abrabor), a capacidade produtiva do aís pode aumentar em 40% nos próximos cinco anos. E de forma sustentável, avançando principalmente sobre áreas de pastagens degradadas, com a possibilidade de integração com outras atividades. O crescimento planejado e bem estruturado, pode trazer ganhos econômicos, ambientais e sociais. São esses fatores, combinados à diversificação do abastecimento global, que começam a despertar o interesse de mais empresas em apostar no setor. É o caso da indústria automotiva que indiretamente consome cerca de 80% da borracha produzida no Brasil, na forma de pneus.
De acordo com o diretor-executivo da Abrabor, Fernando Guerra, a pandemia da Covid-19 acelerou a aproximação da cadeia como um todo, algo que já vinha acontecendo desde 2016. Durante esses dois anos o setor, assim como vários outros segmentos, sofreu com as dificuldades de abastecimento causadas pelos problemas de logística, como o tempo maior para transporte marítimo e a falta de contêineres. Esse cenário chamou ainda mais atenção para a necessidade de uma ampliação das fontes de fornecimento de borracha. E daí surgiu o grupo de trabalho Borracha Natural Sustentável, composto por Abrabor, Embrapa, Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip) e Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “Já escrevemos um plano estratégico e estamos focados em implementá-lo”, disse Guerra. “O Brasil tem tudo para ser um dos maiores players mundiais de produção de borracha, mas precisamos de representatividade para conquistar parcerias.”
COMPETITIVIDADE A expansão da heveicultura nacional precisa ser vista com esse olhar de cadeia, de projeto coletivo, porque o ponto de partida do cultivo das seringueiras demanda alto investimento e paciência. Trata-se de uma atividade de ciclo longo, que demora sete anos para começar a produzir, mais três para atingir sua capacidade adulta e exige aplicação de R$ 25 mil por hectare. Conforme o diretor-executivo da Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha (Apabor) e consultor da Abrabor, Diogo Esperante afirmou, o tempo para o payback pode ser de até 15 anos. “Um hectare de soja custa R$ 6 mil. Você planta e no ano seguinte, ou em dois anos, já tem o retorno”, afirmou.
A atividade tem apresentado grandes saltos de produtividade por conta da profissionalização. O desempenho médio anual no Brasil gira em torno de 1.450 kg de borracha seca por hectare, mas a distância entre os extremos é grande, vai de 400 a 2,5 mil kg, variação de 525%. Um dos desafios do setor é aumentar a concentração dos produtores na ponta mais alta de produtividade a partir de mais eficiência. Isso já vem acontecendo nas regiões onde a heveicultura é mais recente, a exemplo dos estados de Goiás e Tocantins, nos quais a atividade foi implementada por empresários agrícolas a partir de um plano de negócio em grande escala. Os goianos, inclusive, já assumiram a vice-liderança da heveicultura local. “Em Goianésia, cidade que lidera a produção no País, a OL Látex, do Grupo Otávio Lage, incorporou a experiência do setor sucroenergético à heveicultura”, disse Esperante.
São Paulo segue na ponta do ranking nacional, com 74% de toda a produção de borracha natural, tendo a cidade de São José do Rio Preto como o principal polo. A atividade vem sendo desenvolvida no estado desde os anos 1960, mas no início não deu muito certo porque foi implementada na região litorânea, onde a umidade favoreceu o surgimento do mal-das-folhas, doença causada pelo fungo Microcyclus ulei. Quando foi levada para o interior do estado, principalmente nas áreas mais ao Norte e Noroeste, não sofreu com o ataque do fungo. Com o inverno, as folhas da seringueira acabam caindo e criam um vazio sanitário natural, protegendo a planta.
A borracha nacional só não é mais competitiva porque os concorrentes asiáticos dispõem de mão de obra farta e de custo baixo. Quando os preços estão em alta, a competição fica mais parelha, segundo Fernando Guerra, da Abrabor. “Nesse caso a gente compete de igual para igual, mas na baixa dos preços não conseguimos concorrer com o cenário de subsistência que eles têm”, afirmou. Daí a necessidade de um movimento coletivo. “Antes, era uma preocupação do produtor, mas hoje é um desafio da cadeia produtiva e do governo, como um plano de Estado. Até porque, para se completar, o ciclo de produção passa por ao menos dois governos.”
DIFERENCIAL No campo, o que vai garantir a competitividade da heveicultura nacional é o emprego de mais inovação e a gestão de pessoas. De acordo com o diretor da Apabor, alguns pontos da atividade precisam ser modernizados. “Ainda sangramos as seringueiras basicamente com uma faca, muito parecido com o que se fazia há 100 anos. E por que não temos facas com uma lâmina que não perca a afiação?”, disse Diogo Esperante.
Na opinião do dirigente, paralelamente às inovações tecnológicas, o que vai fazer grande diferença no desempenho da heveicultura brasileira é a gestão de pessoas, inclusive por não se tratar de uma atividade automatizada. Segundo Esperante, ainda se vê uma rotatividade grande de pessoas nos campos de seringueiras, o que ainda pode se agravar nos próximos anos. “Será essencial o desenvolvimento de alternativas que possam suplantar esse problema, com melhores equipamentos que reduzam a necessidade de o seringueiro ser tão tecnificado e aprimorem a produtividade”, afirmou.
Em relação ao melhoramento genético das plantas, já existe uma trajetória significativa desenvolvida pelo Instituto Agronômico (IAC), órgão de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios e vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo. A instituição vem desenvolvendo estudo de longo prazo para abastecer o mercado com clones de seringueira mais saudáveis e produtivos. Com o planejamento adequado, podem ser espalhados por mais lugares e ampliar o potencial do negócio.