22/12/2022 - 20:09
Há algumas faixas da discografia da música popular brasileira que ostentam com perfeição o título de grandes clássicos. A explicação está no caráter atemporal de estética e conteúdo. Um exemplo é a música Querela do Tempo, a última faixa do álbum Transversal do Tempo gravado por Elis Regina em 1978. “O Brazil não conhece o Brasil”, dizem Aldir Blanc e Maurício Tapajós. Na grafia, uma crítica ao mercado internacional. Na sonoridade, uma crítica que serve aos brasileiros, há 44 anos. O Brasil não conhece o Brasil do agronegócio, da energia, da bioeconomia, da biotecnologia. E assim, muitos brasileiros nem sequer sabem que uma das maiores empresas de açúcar e etanol do mundo é nacional: a Raízen, que fechou o ano passado com receita líquida de R$ 196,2 bilhões — e que está transformando a cana-de-açúcar em uma viável alternativa mundial de combustível do futuro.
Números superlativos são apenas alguns dos índices que mostram a robustez da companhia. Além da receita, coloque na conta R$ 10,7 bilhões de Ebitda, 1,3 milhão de hectares de área cultivada com os canaviais, 35 parques de bioenergia e 40 mil funcionários. Isso tudo em 2021. A se esperar o relatório de sustentabilidade deste ano. A parte financeira reflete uma estratégia que, na visão do CEO Ricardo Mussa, levará a Raízen à condição de “maior empresa em produção de energia renovável do mundo”. Esse posto ele garante que será ocupado usando como matéria-prima a cana, commodity renovável, limpa e cujo maior produtor global é o Brasil. “Estamos no País certo, na hora certa, com a planta certa e com a empresa certa”, afirmou Mussa.
Nos bioparques da brasileira, 76 milhões de toneladas da planta se transformam em 6,2 milhões de tons de açúcar e 3,5 bilhões de tons de etanol de primeira geração (E1G). Seus resíduos, em etanol de segunda geração (E2G). E os seus subprodutos, em bioenergia e biogás. Ainda assim, disse o executivo, de cada pé, somente algo entre um terço e 40% são aproveitados. O restante, como as folhas, se perde no processo com impacto negativo nos índices de produtividade. “A cana é a planta mais energética do mundo, hoje ainda subutilizada por desafios tecnológicos.” Outra preocupação da companhia é a sustentabilidade do planeta e dos negócios. Com maior produtividade na área plantada, a empresa já consegue expandir sua área de vegetação nativa. Dessa forma reduz as emissões de gases de efeito estufa (GEE) com a própria floresta e também em outras frentes, como quando usa o biogás em vez de biodiesel em sua frota — o que responde por 30% das emissões da companhia. “Com essa substituição, geramos adicional de redução de 90% das emissões”, disse.
Esse é só um dos ganhos do ciclo de economia circular adotado nos bioparques. Ao produzir etanol de primeira e segunda geração, a receita e os índices de descarbonização evoluem. Segundo o CFO da companhia, Carlos Alberto Bezerra de Moura, a comercialização de 54% a mais de E1G permitiu aumentar a receita de R$ 2,8 bilhões por trimestre para R$ 3,4 bilhões. Além disso, a pegada de carbono do E1G é de 24 gramas de CO2 por megajoule, a do E2G é de 2g a 16 gramas por megajoule, enquanto a do etanol de milho é 62. “Nossa visão de expandir o tamanho do mercado dando aplicações mais nobres aos produtos é fruto do poder da governança”, disse Moura. Desde 2011, já são mais de 30 milhões de toneladas de CO2e, evitadas.
Na frente da sustentabilidade do negócio, Mussa afirma que há uma conjuntura a favor da companhia. Em que pese os desastres sociais que provocaram e que todos prefeririam evitar, a pandemia e a Guerra da Ucrânia fizeram a demanda da Raízen aumentar.
De 2020 a 2021, o impulso veio pela busca de mercadorias mais responsáveis ambientalmente. Já com a guerra, a segurança de abastecimento energético se tornou um ponto importante. De acordo com o executivo, a Europa precisava de um país amigável e de uma empresa que desse garantia de abastecimento. “Encontraram isso no Brasil e na Raízen, e assim conseguimos firmar contratos de dez anos ou mais”, disse. Mas ainda há outra questão relevante que une ambas as frentes.
A preocupação global com a insegurança alimentar está fazendo com que grandes companhias rechacem biocombustíveis que venham de áreas destinadas ao cultivo de alimentos. Com o E2G, produzido a partir de resíduos, a empresa tem a solução ideal. “Como produto especial, o etanol de segunda geração recebe uma classificação distinta e um prêmio maior”, disse Mussa. Não por um acaso, em maio deste ano a empresa anunciou investimentos de R$ 2 bilhões para a construção de duas novas plantas dedicadas à sua produção. Localizadas anexas aos Parques de Bioenergia Univalem, em Valparaíso (SP), e Barra, em Barra Bonita (SP), cada planta terá capacidade de produção de 82 mil m³ de E2G por ano, adicionando uma capacidade anual de aproximadamente 164 milhões de litros de biocombustível.
Considerada a planta com maior eficiência energética, a cana ainda está longe de
atingir seu pleno potencial econômico
SOCIAL O respeito ao meio ambiente entra como fator condicional, afirmou o CFO: “Temos a mentalidade de dar sempre o melhor aproveitamento ao que a natureza nos confia”. Essa preocupação se estende à cadeia de valor. Paula Kovarsky, vice-presidente de Estratégia e Sustentabilidade na Raízen, cita como exemplo o Programa Cultivar, “que é essencialmente cuidar da cadeia de suprimento, um negócio que fazemos há mais de dez anos”, afirmou. São mais de 300 fornecedores envolvidos, o que representa 80% do total — ou 40% da cana moída nos bioparques da Raízen.
Outra iniciativa é a expansão da certificação do Bonsucro, que promove a cana-de-açúcar sustentável globalmente. Com 77% dos bioparques próprios já em conformidade, a meta agora é levar as boas práticas aos fornecedores. Como a metodologia original só certifica ou não os produtores, a Raízen criou uma jornada com um ranking que vai de um a quatro. Se a nota é um, diz a VP Paula Kovarsky, “a gente corta, porque as práticas são inadmissíveis”. A partir de dois pontos, a companhia entra para incentivar a melhoria. “Atuamos em pontos como práticas trabalhistas, de ética, de segurança e até incentivos financeiros para esse fornecedor”, afirmou. Uma visão integrada de quem sabe o papel que quer no futuro. “Hoje nós somos uma noiva com quem todo mundo quer se casar”, disse Mussa.
A Visão do CEO
“Vejo a Raízen como a maior empresa do mundo em produção de renováveis. Falo de bioprodutos, biocombustíveis, bioenergia. Não falta demanda. Faltam fábricas. Estamos no País certo, na hora certa, com a planta certa e com a empresa certa”
Cana como matéria-prima
“A cana é uma planta altamente energética. Falando em uso da terra, é uma commodity muito mais eficiente em capturar energia do sol e transformar em biomassa do que qualquer outra. Exemplos: com um hectare de soja se produz 3,5 toneladas de biomassa e com a mesma área de milho são 11 toneladas. Já com a cana-de-açúcar são mais de 90 toneladas. É a planta menos intensiva em uso da terra e é a que produz mais energia. Vale complemtar, ainda, que hoje aproveitamos menos de 40% do que ela oferecel. Seu potencial é imenso.”
Comparação entre energias limpas
“As energias solar e eólica são fontes limpas, mas com limitações pois são instáveis e com muita complexidade de armazenamento. A gente tem o etanol de primeira geração e o etanol de segunda geração que resolvem esses dois problemas. Para muitos mercados como o americano, o europeu e mesmo o asiático, somos uma grande alternativa.”
Segurança alimentar
“Quando falamos de biocombustível, a Europa logo pergunta a origem da matéria-prima porque eles já se negam a comprar produto caso ele concorra por áreas que deveriam ser para produção de alimentos. Como o etanol de segunda geração vem do resíduo da cana, ele recebe uma classificação distinta e um prêmio maior.”
Impacto das crises
“Quando veio a pandemia da Covid, a percepção da população mundial com o tema da sustentabilidade e a questão climática ficou mais forte. Ali nossa demanda já aumentou. Com a Guerra da Rússia, a segurança de abastecimento energético se tornou um ponto importante. Os europeus precisavam de um país amigável e de uma empresa que desse garantia de abastecimento. Encontraram isso no Brasil e na Raízen. Nosso modelo integrado nos permite fazer contratos de 20 anos.”
ROI da sustentabilidade
“Nossa primeira usina certificada Bonsucro foi a de Maracaí (SP) em 2011. No passado, certificávamos as plantas meio que por obrigação. Isso gerava por ano pouco menos de R$ 1 milhão de prêmio. O valor que recebemos multiplicou por 39. Ter uma cadeia sustentável é um bom negócio.”