19/05/2023 - 19:51
O julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre revistas íntimas em presídios – procedimento em que visitantes de detentos têm de ficar nus e fazer movimentos, como agachamentos, enquanto agentes penitenciários “inspecionam” seus corpos, inclusive com espelhos – sofreu uma reviravolta em sessão virtual nesta sexta-feira, 19. Após a Corte formar maioria para vedar a prática, o ministro André Mendonça recuou – trocou o voto, favorável à proibição do procedimento, o que fez com que a maioria fosse desfeita.
Logo em seguida, o decano Gilmar Mendes pediu destaque, ou seja, levou a discussão do caso para sessão presencial da Corte máxima. Nesses casos, o placar do julgamento é resetado. Não há data para que a discussão do assunto seja retomada.
Na manhã desta sexta-feira, 19, o julgamento tinha seis votos no sentido de reconhecer que a revista íntima não é compatível com a Constituição por violar a dignidade da pessoa humana e uma série de direitos fundamentais – à integridade corporal, à proibição de tratamento desumano ou degradante e à honra.
Os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, André Mendonça, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber haviam acompanhado o voto do relator, Edson Fachin, para que fosse fixada a seguinte tese: “É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos”.
Depois, Mendonça mudou o voto e passou a seguir a linha divergente, aberta por Alexandre de Moraes. O ministro afirmou que não é o caso de “vedar de maneira absoluta as revistas íntimas, mas estabelecer a sua excepcionalidade, a sua especificidade para casos fundamentados e a necessidade de um rigoroso protocolo, para que se vede e se responsabilize, eventualmente, quando ocorrerem o excesso, o abuso”. A tese foi seguida por Kassio Nunes Marques e Dias Toffoli, além de Mendonça.
Alexandre propôs a seguinte tese: “A revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais será excepcional, devidamente motivada para cada caso específico e dependerá da concordância do visitante, somente podendo ser realizada de acordo com protocolos pré estabelecidos e por pessoas do mesmo gênero, obrigatoriamente médicos nas hipóteses de exames invasivos. O excesso ou o abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou médico e ilicitude de eventual prova obtida. Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá impedir a realização da visita”.
O julgamento que agora será retomado em sessão presencial do Plenário, sob os holofotes da TV Justiça, trata da validade de provas obtidas a partir de “práticas vexatórias” na revista íntima para entrada de visitantes em presídios. Os ministros discutem se há violação do princípio da dignidade da pessoa humana e ofensa ao direito à intimidade, à honra e à imagem das pessoas.
O que é revista íntima?
Na revista íntima o corpo da pessoa é “objeto de análise minuciosa, a pretexto de busca e retirada de objetos ilícitos das cavidades corporais”, explicou Fachin em seu voto. Segundo o ministro, a prática foi abolida em vários Estados, mas ainda é realizada em locais de detenção.
Em geral, as averiguações envolvem uma “vistoria direta” do corpo da pessoa, que fica nua, parcial ou completamente. Os agentes do Estado ainda podem determinar que ela agache, salte ou realize outros movimentos, como tosse e flexões. Além disso, podem ser usados espelhos e até “toque íntimo”.
Segundo Fachin, as revistas realizadas em presídios tem “caráter vexatório” uma vez que submetem familiares e amigos de presos ao “desnudamento e à exposição involuntária das cavidades íntimas”, até mesmo toques, “em condições duvidosas de higiene e sob o olhar de agentes responsáveis pela segurança das unidades prisionais”.
Como votou o relator?
Fachin ressaltou que quando se aplica, à adolescentes, adultas e idosas visitantes de pessoas presas, a exigência se ficar nu e praticar movimentos diversos diante de agentes penitenciários “indistintamente e sem fundamento legal”, ocorre violação do princípio da dignidade humana.
“Isso porque a adoção desses protocolos generalizados significa a prévia discriminação aos familiares dos presos e o abandono das razões legítimas que devem iluminar e mobilizar as ações estatais. Desse modo, as justificativas usualmente apontadas para a revista íntima radicam-se em interpretação enviesada das noções de segurança pública e prevenção, à medida que parentes e amigos de pessoas detidas são preconcebidos como suspeitos de atos incorretos ou delituosos apenas em razão desse vínculo”, anotou.
Sobre as provas obtidas com tais procedimentos “vexatórios” o ministro ponderou que elas devem ser consideradas como “ilícitas por violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à integridade, intimidade e honra”. Tal ilicitude, no entanto, deve ser objeto de análise nas “instâncias apropriadas”, anotou.
Fachin afirmou que a busca pessoal – diferente da revista íntima – em visitantes de presídios é permitida, mas deve ser realizada após eles passarem por equipamentos como detectores e apenas se “for fundada em elementos concretos ou documentos que materializem e justifiquem a suspeita do porte de substâncias e objetos ilícitos ou proibidos”. Assim, segundo o ministro, permite-se o controle judicial e a responsabilização civil, penal e administrativa nas hipóteses de eventuais arbitrariedades.
“O desnudamento de visitantes e inspeção de suas cavidades corporais, ainda que alegadamente indispensáveis à manutenção da estabilidade no interior dos presídios, subjugam todos aqueles que buscam estabelecer contato com pessoas presas, negando-lhes o respeito a direitos essenciais de forma aleatória. A ausência de equipamentos eletrônicos não é nem pode ser justificativa para impor revista íntima”, ressaltou.
O que disse a PGR?
A Procuradoria-Geral da República sustentou que não há legitimidade na “realização generalizada de revistas íntimas com atos de desnudamento e inspeção nos órgãos genitais”. Por outro lado, argumentou que a diligência poderia ser adotada “quando absolutamente imprescindível para alcançar objetivo legítimo concretamente e previamente fundamentado”.
O Ministério Público Federal ainda pediu que os efeitos da decisão do STF sejam modulados, pelo período de um ano, para que os presídios possam ajustar os seus protocolos e as suas regras de ingresso dos visitantes.
Qual o caso discutido no STF?
Os ministros analisam um recurso apresentado contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que considerou ilícita prova produzida durante revista íntima, uma apreensão de droga.
A corte absolveu a mulher com quem o entorpecente foi encontrado sob o entendimento de que a prova foi obtida “em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, honra e imagem das pessoas, pois a revista nas cavidades íntimas ocasiona uma ingerência de alta invasividade”.