O plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira, 22, o projeto de lei que altera radicalmente as regras de concessão de licenciamento ambiental no Brasil — com forte apoio do agronegócio brasileiro e duras críticas de entidades de preservação — e prevê um procedimento especial para atividades ou empreendimentos estratégicos a serem definidos por decreto.

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O projeto foi aprovado com 54 votos a favor e apenas 13 contrários.

Em tramitação há 17 anos no Congresso, a proposta cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental com novas formas de liberação das atividades, afrouxando os controles que atualmente existem na legislação ambiental.

A discussão da proposta ganha ainda mais importância em um ano em que o país vai sediar a conferência mundial do clima, a COP30, em Belém, em novembro.

A introdução do procedimento diferenciado para empreendimentos avaliados como estratégicos — a Licença Ambiental Especial (LAE) — no texto aprovado nesta quarta ocorre a partir de uma emenda apresentada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e prevê que esses casos excepcionais serão definidos por um Conselho de Governo, órgão com a função de assessorar o presidente da República.

Dentro do governo, há uma disputa de visões, com um lado liderado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, apontando o que considera um duro retrocesso na lei, e do outro, ministros como Carlos Fávaro, da Agricultura, e Rui Costa, da Casa Civil, que defendem a necessidade de mudanças na legislação para destravar investimentos em áreas como o agronegócio e obras de infraestrutura.

De acordo com fontes ouvidas pela Reuters, o Palácio do Planalto tem se envolvido pouco nas negociações, até pelas próprias disputas internas, e também pela dificuldade de lidar com uma base aliada que é, em grande parte, favorável ao projeto.

A última versão do texto, que passou na terça-feira nas comissões de Meio Ambiente e de Agricultura do Senado com apoio até de aliados do governo, permite que empreendimentos de pequeno ou médio impacto — como barragens e projetos de saneamento básico, por exemplo — tenham direito a promover um licenciamento ambiental autodeclaratório.

Na prática, essas obras não precisariam do aval de um órgão ambiental como o Ibama para liberarem suas atividades.

Outro ponto do texto, uma reivindicação da bancada ruralista, prevê isenção de licenciamento ambiental para empreendimentos agropecuários para cultivo de espécies de interesse agrícola, além de pecuária extensiva, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte.

A ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro e uma das relatoras da proposta no Senado, Tereza Cristina (PP-MS), afirmou que o licenciamento autodeclaratório já é realizado por alguns Estados e que a medida pode ser importante para as cidades. Ela destacou que a proposta vai acabar com a profusão de normas referente a licenciamentos que trava o país.

“No campo nós temos o Código Florestal, que é uma lei rígida que demorou dez anos nesta Casa sendo discutida até ser aprovada, e que se mantém. Não há liberação de desmatamento de vegetação nativa neste projeto, nem para pecuária intensiva de grande porte”, afirmou.

O ministro Fávaro defendeu o projeto como um avanço e uma melhora o licenciamento no Brasil.

“Isso vai ser um marco no desenvolvimento do nosso país”, destacou.

Marina Silva discorda frontalmente do colega de ministério. “Identificamos vários pontos que na nossa avaliação, desde sempre, constituíam um grande retrocesso e até mesmo um desmonte do processo de licenciamento no Brasil, que se consolidou ao longo das últimas décadas”, criticou.

Uma nota técnica do Ministério do Meio Ambiente enviada aos parlamentares e vista pela Reuters questiona uma série de pontos do projeto em tramitação no Senado. Avalia que o texto terá “impacto negativo para a gestão socioambiental, além de acarretar, possivelmente, em altos índices de judicialização, o que tornará o processo de licenciamento ambiental mais moroso e mais oneroso para a sociedade e para o Estado brasileiro”.

O Greenpeace e o Observatório do Clima também têm defendido a rejeição da proposta.

“O projeto na forma como se encontra também põe em risco os direitos dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais, ao restringir a participação das autoridades que respondem pela proteção dos direitos dessas populações aos casos em que os seus territórios estiverem formalmente homologados ou titulados”, criticou o Observatório.

A gerente de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Mariana Mota, avalia que a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), se mantida no texto até sua votação final — ele ainda pode ser alterado na votação na Câmara — “faz da licença uma letra morta, ignorando estudos técnicos, impactos socioambientais e o interesse público”.

“O licenciamento ambiental não pode ser reduzido a um balcão de negócios, onde empreendimentos são aprovados com base no poder político”, disse Mariana Mota.

“Não se trata de agilidade, mas de autoritarismo disfarçado de modernização – onde empreendimentos ‘especiais’ passam ‘na marra’, enquanto o país arca com os custos da degradação e dos conflitos que virão”, acrescentou.

Aprovado pelo Senado, o texto volta para análise da Câmara, já que passou por modificações dos senadores após ter sido aprovado pelos deputados.

Há parlamentares que já defendem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar as mudanças.