08/06/2020 - 18:26
Em 2016, a economista colombiana Carolina Hernández Tascón era gerente-geral da divisão de processamento da Noble Agri, companhia com sede em Hong Kong. Em março daquele ano, a empresa foi comprada pela gigante de alimentos China Oil and Foodstuffs Corporation (Cofco), estatal chinesa que pagou cerca de US$ 2,3 bilhões pelo negócio. Na mesma época, o Grupo Cofco, que é o maior processador, fabricante e comerciante de alimentos da China, também adquiriu a Nidera, empresa de commodities holandesa, por um valor na casa dos US$ 2 bilhões. Um ano depois, a gigante chinesa integrou as duas companhias, criando, assim, a Cofco International, uma subsidiária da matriz. Foi quanto a executiva colombiana se viu diante do maior desafio da sua carreira, até então. “Fui convidada a assumir a Diretoria Comercial da Cofco”, lembra Carolina, que até hoje ocupa a posição, em São Paulo.
Aos 36 anos, casada e mãe de um menino de 3 anos – nascido no Brasil –, ela comanda seis unidades de negócio, que somam mais de 1 mil funcionários indiretos e movimentam cerca de 10 milhões de toneladas de grãos por ano, exportados para o próprio mercado chinês e para outros países da Ásia, Europa e Oriente Médio. Carolina também é responsável pela operação de biocombustíveis da Cofco, bem como da comercialização de produtos de valor agregado. Papel de peso e destaque numa companhia com receita global acima dos US$ 30 bilhões e cerca de 11 mil funcionários em 35 países, sendo cerca de 6,5 mil no Brasil. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO RURAL, a executiva fala do atual momento do setor, da importância do País para o negócio e dos desafios e aprendizados que a crise global do coronavírus tem trazido.
RURAL – Qual a importância do Brasil na operação global da companhia Cofco?
Carolina – A importância é altíssima. Apenas para colocar essa questão em perspectiva, vale destacar que
a plataforma internacional da nossa companhia possui 28 milhões de toneladas de capacidade, entre processamento e armazenagem doméstica, e 33 milhões de toneladas de capacidade portuária, isso distribuído em 94 ativos espalhados pelo mundo. O Brasil responde por 40% desses investimentos.
RURAL – Quais os produtos de maior peso nas relações comerciais da empresa com o Brasil?
Carolina – Dentro da plataforma de grãos e oleaginosas, nosso carro chefe é a soja, que representa cerca de 70% do negócio. Temos duas grandes plataformas. Numa, ficam açúcar, algodão e café. Na outra, ficam outros grãos e oleaginosas, como soja, milho e trigo. Cada um tem produtos de valor agregado. O biodiesel é um deles. A Cofco China tem uma capacidade instalada de processamento de mais de 20 milhões de toneladas por ano, sendo que a originação brasileira é estratégica para manter o pipeline rodando. Mas, por sermos também o braço de trading do grupo, nossas atividades comerciais não se limitam exclusivamente à estratégia de abastecimento de alimentos da nossa matriz. Temos também uma participação ativa na originação de milho e trigo no mercado brasileiro para abastecer fluxos globais a países de alto consumo, como nações da Europa, do Sudeste Asiático e do Oriente Médio, além do consumo doméstico brasileiro.
RURAL – De que outros países a Cofco mais compra e que produtos?
Carolina – A Cofco International faz um handling de mais de 114 milhões de toneladas, entre todas as commodities de seu portfolio (soja, milho, trigo, sorgo, proteínas, óleos vegetais, açúcar, café e algodão, entre outros). Estamos presentes em 35 países. Em todos eles, nossa relação com os produtores locais
é muito importante.
RURAL – A companhia realiza algum tipo de programa para fortalecer as relações com os produtores brasileiros?
Carolina – Nossa missão é ser a primeira escolha do produtor brasileiro. Nossos esforços estão voltados em identificar os gaps que existem hoje na cadeia do produtor e tentar solucioná-los. Queremos usar nossa principal vantagem competitiva a favor deles, aproximá-los do principal comprador de soja do mundo: a China. Queremos que tenham acesso direto ao consumidor final. Pensando nisso, levamos, em 2018, dez produtores brasileiros de soja, milho e algodão para a China. Eles conheceram a estrutura da empresa, nossos portos, a sede, observaram como tudo funciona. Esse tipo de atividade é importante para que os produtores conheçam a Cofco de perto e entendam todo o processo.
RURAL – Em que áreas e etapas do processo o Brasil precisa melhorar para ser mais competitivo no mercado global?
Carolina – Ainda vejo grandes deficiências na área de infraestrutura e logística interna no Brasil. Nossa estrutura de custos domésticos precisa melhorar bastante, para dar mais competitividade e paridade de exportação. Por exemplo, temos períodos do ano em que um frete do Mato Grosso para o Porto de Santos, em São Paulo, custa mais caro do que o frete de Santos para Tianjin, na China. Em termos de distância percorrida, isso mostra o quanto temos de espaço para melhoria em na logística brasileira. Ainda há muito a ser feito.
RURAL – Até que ponto as questões políticas do Brasil afetam o negócio e as relações comerciais da Cofco no País?
Carolina – Como qualquer outra empresa comercial estrangeira no Brasil, a Cofco sempre espera um cenário favorável para todos os seus investimentos e operações. Desejamos um Brasil forte, onde todos se beneficiem
de um ambiente político estável e de uma economia
forte e em crescimento.
RURAL – Quais as maiores diferenças entre os produtores brasileiros e os europeus e americanos?
Carolina – A estandardização geográfica não é muito assertiva. Os produtores brasileiros possuem características distintas, mesmo dentro do próprio País. Cada produtor tem um perfil e terá comportamentos e estratégias de comercialização diferentes, por causa de inúmeras variáveis, tais como extensão da sua terra, produtividade do seu solo, liquidez da cultura que planta, necessidade de fluxo de caixa, políticas de seguros e até mesmo
incentivos governamentais.
RURAL – Quais os planos da Cofco para o futuro no Brasil?
Carolina – Temos um plano estratégico de crescimento de 5% ao ano no nosso programa de originação de grãos. Para dar suporte a essa originação, estamos sempre olhando oportunidades em investimentos de armazenagem doméstica, parcerias logísticas e portos. Na área de processamentos, vamos continuar expandindo as operações em nosso complexo industrial em Rondonópolis (MT), onde temos excelente localização geográfica, perto de grandes distruibuidores.
RURAL – Que efeitos mais fortes a Cofco já sentiu devido à pandemia de coronavírus?
Carolina – No nosso negócio, a pandemia ainda não trouxe nenhuma ruptura muito grande. Diferentemente de outros segmentos, nossa indústria não parou. Pelo contrário. Entre janeiro e maio deste ano, tivemos um aumento de 45% na exportação de soja. Mas há impactos, claro. Sem dúvidas, o maior deles aconteceu na área de biocombustíveis. A queda de demanda e o preço internacional do petróleo têm ocasionado mudanças desfavoráveis aos produtores de biocombustíveis brasileiros. Na área de alimentos, os impactos são menores e estamos conseguindo dar escoamento às safras recordes, em grande parte pelo enorme comprometimento que todos os agentes da cadeia têm assumido com o País, em especial motoristas e operadores de ativos.
RURAL – Que ensinamentos a pandemia já trouxe à empresa?
Carolina – Penso que o maior deles é em relação à importância de estarmos sempre atentos às demandas e necessidades dos nossos stake-holders. Um ótimo exemplo é o caso dos caminhoneiros. No início da pandemia, havia uma grande dúvida se eles iriam parar ou continuar trabalhando. Esses profissionais correm riscos para escoar
a produção agrícola e precisam receber uma ajuda especial neste momento de crise. Em parceria com associações da categoria, nós estamos fornecendo alimentos e fazendo doações aos transportadores, para que eles possam realizar seu trabalho com mais segurança e tranquilidade.
RURAL – Como você acredita que será o futuro do agronegócio pós-pandemia?
Carolina – O agronegócio nunca mais será o mesmo. Acredito que teremos um setor mais digitalizado. Faremos ainda mais uso de aplicativos para transações comerciais de produto e de logística, mais monitoramento por satélite e maior automação nas áreas. O mercado de commodities ainda está muito atrasado nesse sentido. Muita coisa ainda é feita como se fazia no passado. A tecnologia tem sido uma grande aliada neste momento de crise, em que o gerenciamento remoto tornou-se imprescindível, tanto para executar processos quanto na comunicação.