“O Brasil precisa vencer o desafio da produtividade”

O agrônomo e produtor de soja e gado em Dourados, Mato Grosso do Sul, Orlando Martins é presidente do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), grupo criado em 2009 por 12 pesquisadores para discutir como produzir mais e de forma economicamente sustentável. Hoje, o grupo conta com cerca de 40 profissionais de diversos setores, indo da pesquisa ao marketing. Martins acredita que é possível o País sair do atual patamar de 50 sacas por hectare para 70 sacas. “O potencial real da soja é de 120 sacas”, diz Martins. “Precisamos ir atrás disso.” Na entrevista à DINHEIRO RURAL , ele fala do desafio da produtividade em um país que sempre teve terra em abundância para expandir a área cultivada.

DINHEIRO RURAL – O Brasil pode se tornar o maior produtor de soja do mundo nesta safra. Há alguma coisa mais importante que isso?
Orlando Martins –
As crises são cíclicas, causadas por preço, por custo, clima, etc. O Brasil planta muita soja, mas ainda não tem como se precaver de um achatamento de preços, principalmente na região do Cerrado, com solos de fertilidade natural baixa, onde se pagam juros mais altos e há problema de logística. O fato é que quando estamos em estado de euforia é difícil raciocinar, mas discutir produtividade hoje é fundamental para assegurar o futuro. Quando se aumenta a produtividade de uma área, a rentabilidade também aumenta. Nós precisamos dominar um patamar de produtividade mais alto que outros países para ficarmos no mesmo nível de competitividade num ciclo de baixa.

RURAL – Até onde pode chegar a produtividade da soja?
MARTINS –
A soja tem potencial para ir a 120 sacas por hectare. Mas o ponto de equilíbrio é onde está o maior lucro com a maior produção. Então, não almejamos as 120 sacas. Elas são economicamente inviáveis, hoje. Atualmente, o País domina um pacote tecnológico para produzir uma média de 60 sacas de soja por hectare que, em condição de campo, fica nas atuais 50 sacas por
hectare. O Cesb acredita que é possível dominar um pacote tecnológico de 80 sacas por hectare, para estabelecer uma média real no campo de 70 sacas.

RURAL – O País está se tornando o maior produtor mundial a custa do quê?
MARTINS –
Hoje, o Brasil se pauta pela desgraça alheia. Se não fosse a quebra nos Estados Unidos e Argentina, o preço da commodity não estaria nesse patamar de R$ 55 a R$ 60 a saca. Provavelmente, o Brasil estaria vendendo soja a R$ 40 ou R$ 45, com uma margem de lucro menor. E mais: mesmo hoje, esse lucro poderia ser maior se o Brasil tivesse menos área disponível. O fato de termos área para expandir o cultivo também acaba brecando o aumento do preço da soja no mercado internacional.

RURAL – O sr. está afirmando que abrir novas áreas é como meter a mão no bolso e jogar dinheiro fora?
MARTINS –
Não diria que, abrir áreas é jogar dinheiro fora, mas não é a solução para muitos agricultores. O que estou dizendo é que se todos partirem para esse caminho, nós teremos devastação e isso tem provocado desconforto do ponto de vista do agricultor e do governo. O filé da soja nós já conquistamos. A pergunta é: vale mais a pena eu ir para um local de solo inferior, por exemplo, ou melhorar a produção no lugar em que eu já sou filé? Esse é o ponto. Para um agricultor do Paraná, por exemplo, que planta 100 hectares de soja, será que é importante plantar mil hectares no Piauí? Um produtor pode ter recurso para melhorar a produtividade, mas não tem recurso para abrir uma nova frente.

RURAL – Como equacionar o avanço de área versus a produtividade?
MARTINS –
O Cesb é muito focado numa cultura e numa meta, que é a produtividade da soja. Ela é estratégica para o Brasil. Existe um apelo da sociedade para não se abrir mais áreas, principalmente se for de floresta. Então, para o Brasil continuar participando da demanda mundial crescente é preciso vencer o desafio do aumento de produtividade. A produtividade nos dá dois vieses importantes. O primeiro é a sustentabilidade ambiental para ter uma fatia cada vez maior do mercado. O segundo é que o preço da terra aumentou muito. Então, o agricultor tem lucro, mas é difícil ele ampliar o plantio comprando terras ou arrendando áreas do vizinho. Seria como uma cidade que começa a se expandir. Chega um momento em que é preciso levantar prédio porque as pessoas querem morar no centro e não a 20 quilômetros dele. Na agricultura o processo é semelhante.

DINHEIRO RURAL – Por qual ângulo é possível explicar o sucesso da soja no Brasil?
MARTINS –
O agricultor que sobreviveu é um cara diferenciado, porque venceu uma situação muito difícil. Quem pegou o crescimento da soja no Cerrado atravessou as décadas de 1980 e 1990 sob uma inflação galopante e sem logística nenhuma de escoamento da safra. Os agricultores que se deram bem e que estão cultivando grandes áreas no Cerrado até hoje são sobreviventes. Para cada um desses que sobreviveram deve ter uns dez que quebraram no meio do caminho. Houve um processo de seleção natural: ficaram aqueles que conseguiram se adaptar.

RURAL – Qual o pacote tecnológico para ter uma média de produção de 80 sacas por hectare?
MARTINS –
O pacote tecnológico dominado para o Brasil é de 60 sacas por hectare. Nós ainda não sabemos quais são os fatores que vão nos levar a um novo pacote tecnológico. Por isso, o Cesb promove pelo quarto ano consecutivo o Desafio Soja Brasil em todo o território nacional. Porque é uma situação que ainda não foi dominada. Por isso estamos discutindo o sistema e dando feedback do que ocorre com a produtividade daquele produtor que está se diferenciando. Com informações de várias regiões é possível comparar o que fez um produtor ter 93 sacas por hectare, outro ter 70 e um terceiro, 40 sacas.

RURAL – Mas isso não é nada mais que pesquisa de campo.
MARTINS –
Não da maneira clássica. No Brasil, muitos dos pesquisadores são estudantes que fizeram agronomia, mestrado, doutorado e foram trabalhar numa estação de pesquisa. Em geral, eles têm pouco contato com a realidade do campo. Eles sabem pesquisar sobre determinado assunto – e isso é bom –, mas não têm a cultura de quem plantou e colheu.

RURAL – O tipo de pesquisa do Cesb pode ser comparado ao do produtor americano Kip Cullers, campeão mundial em produtividade de soja e de milho?
MARTINS –
Não. A produtividade desse agricultor, de 200 sacas por hectare, tem um custo inviável. Mas ele mostrou que é possível. O Cesb procura um potencial econômico viável para a soja. Nossa meta não é ganhar concurso e sim ter mais lucro na atividade. Por isso o produtor participa da pesquisa. Juntamos muitas cabeças para pensar. Foi com os agricultores participando que surgiu a ideia de testar coisas como o plantio cruzado, adubações mais pesadas, adubação com nitrogênio e o uso de herbicidas para funcionar como um hormonal para a planta. Estamos capturando as informações esparsas e voltando para o campo para testar algumas possibilidades.

RURAL – Muito produtor se arrepia com a possibilidade de adubar com nitrogênio. Por que o Cesb insiste nisso?
MARTINS –
O nitrogênio é o elemento responsável pelo crescimento rápido da planta e da qualidade do grão. A princípio, como a soja é uma planta leguminosa, ela fixa seu próprio nitrogênio e não precisaria aplicar o produto químico. Ou seja, no senso comum, gastar com aquilo que a planta já faz de graça. Mas hoje será que essa fixação de nitrogênio é suficiente para produzir acima das 60 sacas, como pacote tecnológico dominado? O Cesb acredita que não. Para obter produtividade maior, a planta precisa de mais nitrogênio. Como aplicar esse nitrogênio é a questão.

RURAL – A adubação sempre foi cara para os produtores, que chegam mesmo a dizer que adubar sem necessidade deixa a planta preguiçosa…
MARTINS –
A soja fica preguiçosa e essa foi sempre a maneira de enxergar a adubação nitrogenada. Estamos falando em tecnologia e aí existe uma terceira possibilidade, que é a de deixar a planta se esforçar para fixar tudo que ela consegue de forma natural, através da matéria orgânica deixada por culturas anteriores. O nitrogênio entraria no final.

RURAL – Como o Cesb encaminhará a recomendação?
MARTINS –
Nos 30 locais de teste, a colheita vem sendo feita e, a partir do mês de abril, juntaremos os dados de pesquisa. A recomendação irá para as áreas em que o nitrogênio é um limitante. O produtor vai testar parte de sua área e monitorar o que acontece. O teste vai determinar um protocolo para o ano seguinte e apontar o patamar de desenvolvimento da tecnologia. Acreditamos que para aumentar a produtividade em 20 sacas por hectare, o custo será de seis ou sete sacas. Significa dobrar o lucro do produtor, sem ter de dobrar a área cultivada, as máquinas e os funcionários.