Antes de o mel e o chocolate em calda conquistarem o paladar dos americanos, como cobertura para suas panquecas matinais, era o melaço de sorgo que ocupava lugar de destaque no café da manhã nas terras do Tio Sam. No entanto, com o passar do tempo, as coberturas industrializadas fizeram com que o sorgo perdesse espaço e passasse a ser usado apenas para a recuperação de pastagens degradadas, inclusive no Brasil. No entanto, o sorgo pode voltar a ser importante para o agronegócio, ao agregar mais valor à produção brasileira de etanol. Como substituto da cana na entressafra dessa cultura, os ganhos das usinas com o sorgo podem gerar uma receita até 7% maior por ano. “As usinas buscavam uma forma de não parar durante a entressafra, como meio de reduzir custos operacionais”,  diz Antonio Kaupert,gerente de vendas da Ceres Sementes, empresa americana especializada no estudo e no desenvolvimento de culturas energéticas. “O sorgo possui tecnologia mais avançada em relação a outras culturas, além de ser uma opção para a renovação da área de cana.”

As pesquisas em busca do sorgo sacarino, adaptado à produção de etanol, acontecem em um dos momentos mais complicados da história do setor (veja matéria na pág. 28), com custos de produção em alta, produtividade e rentabilidade em baixa e falta de competitividade no mercado. Para piorar, as quase 400 usinas existentes no País ficam paradas por até quatro meses durante a entressafra da cana. A solução definitiva para todos esses problemas ainda está longe de aparecer, mas o sorgo já seria uma saída para minimizar o prejuízo causado pelas usinas paradas. “O sorgo pode entrar nas áreas de renovação da cana, substituindo a soja e o amendoim, culturas até agora usadas na região Centro-Sul”, diz Sérgio Prado, diretor da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). “A vantagem do sorgo é que as usinas não atuarão em áreas diferentes de seu negócio e ainda podem retomar a operação da usina na entressafra.”

Na ponta do lápis, a consultoria Agrosecurity, de Vinhedo (SP), mostra a vantagem de se plantar sorgo na entressafra da cana, em vez de cultivar soja ou arrendar a área a terceiros. Para Felipe Pimentel, diretor da consultoria, tomando-se como base um preço médio da soja de R$ 51 para a saca de 60 quilos e uma produtividade de 52 sacas por hectare, a receita chegaria a R$ 2,6 mil. Abatendo R$ 1,8 mil do custo para plantar, colher e transportar, o ganho real é de R$ 860 por hectare. Já no arrendamento da terra para o plantio da oleaginosa, o ganho seria de R$ 585, a uma taxa de 11,4 sacas por hectare, a título de aluguel.

Na produção de sorgo, as usinas teriam duas fontes de renda: o uso do açúcar para a produção de etanol e do bagaço para a geração de energia. Com isso, levando-se em consideração uma produtividade de 50 toneladas de sorgo por hectare, o ganho real seria de R$ 1,6 mil por hectare, já com o custo de produção de R$ 2,6 mil por hectare descontado. “Sem contar o ganho de não deixar a usina parada”, diz Pimentel. A consultoria também realizou um comparativo para mostrar como seria a atividade de uma usina com e sem sorgo na entressafra da cana. O custo de produção agrícola de uma unidade pode reduzir-se em até 3,2%, agregando o sorgo sacarino em áreas de renovação da cana. Já o custo industrial anual do etanol hidratado cairia 2,8% e, o do etanol anidro, 2,7%. “Com o sorgo na linha de produção, os ganhos totais de uma usina que vende etanol e eletricidade devem aumentar 7%”, afirma.

Pimentel explica que o sorgo não é alternativa para substituir a cana nas lavouras. Segundo seu levantamento, a produtividade da cana é de 85 toneladas por hectare, contra 50 toneladas de sorgo colhido na mesma área. A taxa de extração do ATR (quantidade de açúcar do insumo) é de 142 quilos por tonelada na cana, contra 90 quilos no sorgo. Já a quantidade de etanol hidratado, a ser produzido com uma tonelada de cana, chega a 87 litros, ante os 55 litros obtidos a partir do sorgo. “O sorgo vem agregar valor e não
substituir a cana”, diz Pimentel.

O sorgo sacarino só não é produzido em escala comercial ainda por causa da chamada curva de aprendizado do mercado. De acordo com Vagner Kogikoski, gerente de marketing da Canavialis, empresa de tecnologia na área sucroenergética do grupo Monsanto, os usineiros precisam se adequar à nova cultura, e isso leva tempo. “Mas acredito que em dois anos todos os que já testaram o sorgo irão produzi-lo em escala industrial.” A Canavialis, que desde 2004 pesquisa o cereal, faz testes em cinco áreas de 20 hectares cada, em São Paulo e Goiás.

Uma das usinas que já testam a cultura como alternativa é a Raízen, joint-venture formada pela Cosan e pela Shell. A companhia, que possui 24 usinas no Brasil, planta atualmente cerca de 860 mil hectares de cana por ano, dos quais 18% são renovados a cada safra. Segundo Cássio Paggiaro, diretor de produção agrícola da Raízen, nesta safra a empresa plantou 600 hectares de sorgo na usina Bom Retiro, de Piracicaba (SP). A expectativa é de que os índices agrícolas e industriais da cultura superem os registrados no ano passado. Em 2012, o cultivo de mil hectares de sorgo rendeu 32 toneladas por hectare. O desempenho ficou 36% abaixo da expectativa de 50 toneladas, apregoadas pelas empresas detentoras da tecnologia de produção do cereal. “Com essa produtividade, a cultura ainda seria inviável em escala industrial”, diz Paggiaro. “Mas a culpa não é da nossa inexperiência com a cultura.”

A produção de etanol a partir do cereal na usina da Raízen também não atingiu o esperado. Enquanto tanto a Canavialis quanto a Ceres apostaram em produtividades acima de 1,5 mil litros de etanol por hectare, a usina de Piracicaba não conseguiu ultrapassar os 900 litros.

Na usina Moema, localizada em Orindiúva (SP), operada pela Bunge Brasil, os resultados industriais foram melhores. Na área de 740 hectares destinada aos testes com sorgo, a produtividade média foi de 34 toneladas de sorgo por hectare, com produção de 1,8 mil litros de etanol. Segundo Edison Delboni, diretor técnico de açúcar e bioenergia da Bunge, o problema encontrado na produção está no campo. “A baixa produtividade das cultivares de sorgo atualmente disponíveis, como o vigor das sementes e a resistência inicial à seca, são alguns dos problemas encontrados”, diz Delboni. “Aliado a isso, temos o baixo rendimento das colhedoras de cana adaptadas à colheita do sorgo.” A Bunge planta no País mais de 300 mil hectares de cana-de-açúcar, com uma área de renovação de 16% ao ano.