03/10/2020 - 9:01
A geógrafa Virgínia Knabben, que escreveu a biografia de Ana Primavesi (Ana Primavesi – histórias de vida e agroecologia, pela editora Expressão Popular), foi uma das pessoas que se encantaram com a agrônoma austríaca antes mesmo de conhecê-la. “Quando eu ouvi, pela primeira vez, os CDs ‘Conversas com Ana Primavesi’ e o jeito nítido com que ela explicava as coisas, eu me encontrei na vida”, lembra Virgínia, que se formou em Geografia na Universidade de São Paulo (USP). “Eu ouvi os CDs inúmeras vezes, tanto que algumas falas sei de cor.”
Esses áudios e vários outros vídeos com palestras e ensinamentos sobre solos e agroecologia estão disponíveis no site anamariaprimavesi.com.br, idealizado e administrado pela própria Virgínia.
Para a geógrafa, que também dá aulas particulares, o que chamou mais atenção em Ana Primavesi foi o seu “encanto pela natureza”. “A maneira como ela apresentava os processos prova que a natureza não é algo difícil de ser entendido”, comenta. “Foi isso o que me ‘cooptou’ para a agroecologia.”
O fascínio fez com que Virgínia Knabben se aproximasse de Ana Primavesi e propusesse a ela e à família escrever sua biografia. “Um dia, no Parque da Água Branca (zona oeste da capital paulista), numa manhã de autógrafos, encontrei a filha dela, Carin Primavesi, e tive a audácia de perguntar se podia escrever a história da mãe dela – que eu não tinha a mínima noção de quão incrível era”, lembra. “No início, como não me conhecia, ficou meio ressabiada, mas depois acabou falando com a dra. Ana e ambas aceitaram.”
A partir daí, foram pelo menos seis anos de uma privilegiada convivência e muita proximidade com a engenheira agrônoma, “que, ao mesmo tempo que era muito direta ao falar o que pensava, não era de muita conversa”, comenta Virgínia.
Esse foi um dos motivos, além da idade avançada, que dificultaram a montagem do “quebra-cabeças” da jornada de vida da agrônoma, desde a Áustria, passando pela 2ª Guerra Mundial, onde perdeu dois irmãos, além de tios e primos, e também foi presa, às descobertas agronômicas na Universidade de Viena, passando pelo casamento com Artur Primavesi, a migração ao Brasil e a recuperação agroecológica do icônico sítio em Itaí (SP), entre outros inúmeros acontecimentos.
Até que, pesquisando documentos reunidos ao longo de décadas por Ana Primavesi e pela família, e que estavam guardados num quarto da casa na zona sul de São Paulo, Virgínia encontrou uma “mina de ouro”: um diário, escrito em alemão, de Ana Primavesi, que preencheu várias lacunas na narrativa.
“Antes, eu ia na casa dela, ela contava uma historinha aqui, outra ali, eu registrava”, relembra. “Depois queria saber algum detalhe, mas ela não lembrava; aí Carin e seu irmão, Odo Primavesi, acabavam lembrando e a gente ia costurando a colcha de retalhos”, conta Virgínia, acrescentando que igualmente importante no processo foi a consulta a vários precursores da agroecologia, amigos de Ana Primavesi, que, em visitas à casa da agrônoma, no meio de bate-papos, deram contribuições valiosas à narrativa. “Shiro Miyazaka, por exemplo, muito amigo dela, foi o introdutor da soja no Brasil.”
Por fim, com a biografia impressa, Virgínia relembra o relato de Carin: “O livro chegou na casa da dra. Ana no início da tarde, hora em que ela sempre dormia, logo depois do almoço. Nesse dia, porém, ela não fez isso. Sentou na sala de TV e lá passou a tarde toda, lendo o livro”, conta. “Finalizando, olhou para Carin e disse: mas a Virgínia está de parabéns. O livro está muito bonito.” Virgínia afirma que guardou esse elogio “para a vida”. “Receber um elogio da dra. Ana Primavesi não era muito simples.”
Hoje o livro está em sua segunda edição, com cinco reimpressões e 5 mil exemplares vendidos. E, em comemoração aos 100 anos de Ana Primavesi, outro texto inédito acaba de ser lançado pela editora Expressão Popular: Cartilha da Terra, voltado para extensionistas e produtores rurais, na tarefa de Ana Primavesi de fazê-los conhecer os princípios fundamentais da natureza para a produção agroecológica.