23/11/2020 - 17:35
O Brasil, reconhecido mundialmente pela megabiodiversidade, está com a reputação seriamente abalada quando o assunto é meio ambiente. Enquanto provas concretas revelam que as florestas brasileiras estão pegando fogo, algumas autoridades insistem em afirmar que tudo segue normalmente e suavizam o que merece atenção e ações imediatas. Só no mês de setembro foram registrados mais de 32 mil focos de incêndio na Amazônia, 61% a mais do que no mesmo período de 2019, que totalizaram quase 20 mil, segundo dados do Portal do Monitoramento de Queimadas e Incêndios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No Pantanal a situação é pior do que se imagina. Em setembro foram 8 mil focos, contra 2,9 mil do mesmo mês do ano passado. No acumulado, já passam de 18 mil. Com os recordes das queimadas, danos irreversíveis são causados ao planeta. Devastação dos biomas, alterações climáticas abruptas e extinção de inúmeras espécies de animais e plantas são só algumas das consequências da soma do desleixo do governo com as ações ilegais que destroem milhares de hectares. No final, todos pagam o pato, e um dos principais impactados é o setor que movimenta parte da economia do País: o agronegócio. Representando 21% do Produto Interno Bruto (PIB), os elos do setor começam a sentir o quão prejudicial está sendo a repercussão do assunto Brasil afora. “A agropecuária sofre com uma correlação entre o que acontece com meio ambiente e os impactos nos mercados compradores internacionais. Por isso, há tantos programas que prestam contas sobre ações de preservação ambiental e qualquer sinal de ameaça impacta as exportações”, disse Márcio Astrini, ambientalista e secretário-executivo do Observatório do Clima. É exatamente o que está acontecendo neste momento com a indicação do parlamento europeu de que sem mudanças significativas na agenda ambiental o acordo com o Mercosul não será ratificado.
Em outra iniciativa também alarmante, a VF Corporation, empresa com sede nos Estados Unidos que representa 18 marcas internacionais dos setores têxtil, de calçados, materiais esportivos e utensílios, suspendeu a importação do couro brasileiro. O cancelamento foi justificado como resultado de notícias associando as queimadas na Amazônia ao agronegócio. A renegociação só será possível quando houver comprovação de que o produto não tem origem em fazendas que causam danos ao meio ambiente. Como consequência, exportadores da matéria-prima tiveram parte de sua renda comprometida. Bons produtores rurais que trabalham respeitando as leis, pagando impostos, produzindo de maneira adequada e que se comprometem com a preservação ambiental, conforme o Código Florestal e leis vigentes, pagam caro pelos maus exemplos. “Nesse momento o maior inimigo da boa agricultura do Brasil é o governo federal, porque ele não combate o criminoso e deixa que ele se confunda com quem respeita a lei”, disse o ambientalista. Além dos criminosos, outro problema grave que afeta a imagem do agronegócio é a falta de acesso à informação pelos pequenos produtores que mantêm práticas antiquadas que agridem o ecossistema. “A produção não profissional é problemática, porque caso o proprietário não faça parte de uma cooperativa, ele tem dificuldade de acesso a financiamento para novas tecnologias e técnicas, e acaba replicando métodos de manejo que prejudicam toda a cadeia”, disse Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Dentre as técnicas antiquadas e que podem fazer com que o fogo se alastre com facilidade, principalmente em períodos de estiagem, é a queima para eliminar restos de vegetação e culturas. Apesar de estar prevista em lei, a prática pode ocasionar grandes prejuízos ao causar incêndios descontrolados. Já quando se trata do médio e grande produtor, não há desculpas para a não implementação de práticas sustentáveis. “Eles possuem acesso a todo e qualquer nível de informação, assim como recursos para investimento”, afirmou o presidente da associação.
Diante dos fatos, atitudes corroboram para a propagação e fortalecimento dos criminosos e da incidência de crimes ambientais. Em abril de 2019, durante viagem ao município de Macapá, no Amapá, o atual presidente da República desautorizou a operação de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que ocorre dentro da Floresta Nacional (Flona) do Jamari, em Rondônia, contra o roubo de madeira. “É um governo que tomou uma série de ações concretas que facilitaram as cadeias de desmatamento, principalmente na Amazônia”, afirmou Astrini. Como resultado do descaso com a legislação brasileira, que na teoria é uma das mais rígidas do mundo, negócios que seriam promissores para o País podem não acontecer. O principal deles é o acordo Mercosul com a União Europeia que está há duas décadas em processo de negociação e se encontra na corda bamba por conta do desmatamento desenfreado.
De acordo com a Frente Parlamentar Ambientalista, a estimativa é que a derrubada de árvores no bioma poderá atingir uma área de 15 mil km² em 2020, contra os quase 10 mil km² de 2019. Dentre as ações que deverão ser adotadas para que as negociações voltem a acontecer, estão medidas que impeçam a destruição da Amazônia. Antes mesmo do acordo ser colocado em jogo em setembro, o vice-presidente da República recebeu uma carta de oito países da Europa cobrando medidas contra o avanço das áreas devastadas. O documento reforça que a situação atual inviabiliza e dificulta a compra de produtos brasileiros e a aplicação de investimentos no País. Segundo o presidente da Abag, o grande impasse que priva o Brasil de expandir as suas exportações é a questão ambiental. “Se o País conseguir reduzir o desmatamento, ninguém segura a gente”, afirmou Brito.
RECURSOS Orçamento para a preservação da biodiversidade não falta, muito ao contrário. Segundo levantamento realizado pelo Observatório do Clima, o atual ministro do Meio Ambiente utilizou apenas R$ 105 mil dos
R$ 26,6 milhões autorizados pelo governo para a pasta entre os meses de janeiro a agosto. “Nós temos orçamento, mas não temos autoridades querendo agir”, disse Astrini. O valor disponibilizado deveria ser destinado para a implementação de ações destinadas à criação e à realização de programas que protegem e preservam a natureza. Os recursos não incluem o pagamento de salários, aposentadorias, aluguéis e outros gastos administrativos, nem custos com as autarquias do Ministério do Meio Ambiente (MMA) como o Ibama, Instituto Chico Mendes e Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Com o objetivo de apresentar medidas que diminuam a incidência do problema, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que há cinco anos une entidades do agronegócio e diferentes organizações, enviou uma carta às principais autoridades do País em setembro. O documento contém sugestões para a rápida redução do desmatamento, entre as quais a retomada e intensificação da fiscalização, com responsabilização exemplar pelos ilícitos ambientais identificados; suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem sobre florestas públicas; e, destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável. “A gente precisa continuar pondo pressão nos governos”, disse Brito, que é representante da Abag no movimento. Segundo o advogado e sócio da área de direito ambiental do Machado Meyer, Eduardo Ferreira, além das iniciativas, é preciso lembrar que o código ambiental de 2012 existe e é rígido, mas os órgãos responsáveis precisam colocá-lo em prática. “Políticas concretas e efetivas de preservação precisam ser adotadas, ao mesmo tempo que estas também possibilitem o desenvolvimento econômico e sustentável do País”, afirmou.
PERSPECTIVA Para o presidente da Abag, a curto prazo não há riscos dos volumes de exportação do agronegócio sofrerem fortes quedas, mas decisões precisam ser tomadas para que, no longo prazo, o setor não sofra as consequências do que acontece hoje. “Temos que trabalhar diuturnamente na proteção da floresta e outros biomas”, afirmou. Segundo o ambientalista, um dos maiores reguladores pluviométricos mundiais é a Amazônia e sem o devido cuidado, o Brasil perderá uma das suas maiores riquezas e o potencial de geração de valor do agronegócio brasileiro cairá. “É como se a cada dia a gente sabotasse a nossa bomba d’água”, afirmou. O País está a um passo de se autodestruir caso não haja mudança de postura na forma de governar e no processo de tomada de decisão, que precisam ser baseados em ciências e não em discussões ideológicas. Nem no Brasil e nem no exterior.