01/05/2009 - 0:00
O pecuarista e expresidente da Sociedade rural Brasileira Pedro Camargo neto não entende a morosidade do governo brasileiro em articular a retomada das exportações de carne bovina para a união europeia. “Tínhamos um mercado de 300 mil toneladas e exportamos apenas 36 mil em 2008”, diz. Segundo ele, o Brasil precisa banir as medidas excessivas do Sisbov. “Se você tiver uma fazenda com cinco mil animais e estiver faltando meio brinco de um, a fazenda inteira está fora”, diz.
Dinheiro rural – O sr. costuma dizer que o problema da pecuária brasileira é o brinco. Por quê?
Pedro Camargo Neto – Com o Sisbov, passamos dez anos em cima da rastreabilidade, prometendo e não cumprindo. Desde aquela época, venho alertando que não poderíamos perder nosso principal destino (Europa) e isso iria trazer prejuízos, e trouxe. A indústria frigorífica vive uma crise. Falta liquidez financeira, houve um revertério cambial, mas a perda do principal mercado trouxe US$ 1,3 bilhão de prejuízo para o Brasil e eu não tenho visto esta questão da retomada das negociações estar como prioridade na agenda do Ministério da Agricultura, da indústria frigorífica de carne bovina e mesmo das entidades de pecuaristas.
RURAL – Outros assuntos têm sido mais discutidos?
Neto – Eles falam da questão tributária, de crédito, mas a retomada das exportações para a União Europeia tem estado ausente nas audiências públicas, no Senado, nas comissões de agricultura. O ministro Reinhold Stephanes coloca que a crise não é sistêmica, mas eu vejo que é sistêmica, sim, no sentido que perdemos o melhor cliente. Embora o Ministério da Agricultura diga que está tomando providências para melhorar o Sisbov, estas providências não estão andando com a prioridade que deveriam por causa do tamanho da crise. Em 2008, exportamos US$ 4 bilhões de carne bovina, mas, se não tivéssemos perdido a União Europeia, teríamos exportado US$ 5,3 bilhões. É uma perda monumental e este dinheiro saiu da pecuária, saiu dos frigoríficos.
RURAL – Quer dizer que o governo criou um sistema que ele mesmo não foi capaz de fiscalizar e implementar?
Neto – Ele criou por exigência da União Europeia, se prontificou a implantar um sistema de rastreabilidade e passou anos falando que estava implantando sem conseguir. Em 2007, tivemos um escândalo em cima da rastreabilidade e a União Europeia excluiu o Brasil, porque não tinha cumprido com as obrigações prometidas. De lá para cá, o Ministério da Agricultura tem melhorado, a União E uropeia exigiu que o Brasil fizesse uma lista de fazendas. É o único País que tem fazendas listadas com possíveis fornecedores de carne para a União Europeia e não coube ao Brasil reclamar na época. Eles exigiram isso, porque o Brasil não cumpria nada. Na lista, há muitas fazendas pequenas, não há fazendas nas regiões importantes de pecuária, não estão as com confinamento. Dentro do Ministério da Agricultura tem uma enorme burocracia para ser habilitado. É um sistema burocrático que não atende à questão de demanda de hoje. O Brasil precisa reagir, negociar com a União Europeia algo mais factível e não ficar esperando a União Europeia mandar um relatório. Não dá para esperar, o Brasil precisa ser pró-ativo e negociar condições que possa cumprir.
RURAL – Mas o que é o entrave?
Neto – O entrave é o seguinte: houve um escândalo no passado. Agora o Brasil vem atendendo, mas numa lentidão burocrática que não permitiu incorporar um rebanho bovino do tamanho suficiente para a União Europeia. Temos poucos bovinos dentro do Sisbov habilitados para esse mercado. Temos um número de fazendas até grande, 300 fazendas, mas o número de bovinos é pequeno. Há Estados que possuem três fazendas, mas como pode o Mato Grosso do Sul ter três fazendas habilitadas? A burocracia precisa ser diminuída, o que significa fazer certo e rápido. Temos que negociar algumas exigências excessivas que foram in-cluídas em razão do escândalo.
RURAL – Quais seriam as exigências excessivas?
Neto – A exigência de um boi com dois brincos. Por exemplo, se cair um brinco, há que se pedir a segunda via do brinco. Se você tiver uma fazenda com cinco mil animais e estiver faltando meio brinco de um, a fazenda inteira está fora. É uma medida excessiva. Você não pode imaginar que numa fazenda de mil animais pelo menos um não tenha perdido o brinco. Faltam regras possíveis de serem cumpridas e falta agilidade na burocracia do Ministério da Agricultura, porque hoje em dia é assim: meio brinco é suficiente para cair fora. A União Europeia nos excluiu não foi por causa de meio brinco, nos excluiu porque faltavam 100% dos brincos, porque visitou confinamentos em que o brinco ficava na prateleira.
RURAL – O novo Sisbov então não solucionou?
Neto – O novo Sisbov é este: em que se exportam 36 mil toneladas para a União Europeia em 2008. É insuficiente: o Brasil tinha um mercado de 300 mil toneladas e está fazendo falta, porque não são apenas 300 mil toneladas, mas 300 mil toneladas de uma parte do boi de alto valor. Hoje os frigoríficos matam boi e, como não conseguem colocar o filé mignon, o contrafilé na União Europeia, acabam colocando em outros mercados. Eles apuram neste boi muito menos que eles apuravam antes. O preço médio da tonelada para a União Europeia é de US$ 5 mil, enquanto para outros países é de US$ 3,8 mil.
RURAL – Os pecuaristas reclamam do custo do Sisbov. Pelo que o sr. está dizendo, o problema não é o custo…
Neto – Não é o custo, o problema é que, mesmo pagando, é difícil. O custo esta dividido em duas partes: há o custo do brinco e o custo administrativo da fazenda. Você não pode ter um funcionário por boi. E, como a União Europeia paga a mais, os frigoríficos têm a obrigação de repassar parte disso ao pecuarista para ele arcar com os custos do Sisbov.
RURAL – Isso na prática acontece?
Neto – Precisa acontecer, mas não tem acontecido de maneira sistemática, embora hoje aconteça, porque há pouco boi. Agora o problema é que com as regras atuais nem pagando você consegue.
RURAL – Sobre o endividamento atual dos frigoríficos, o sr. acha que houve falta de planejamento?
Neto – As estatísticas do setor de bovinos não vinham sendo acompanhadas. Não há um levantamento sistemático de produção e os frigoríficos foram surpreendidos pela falta de boi, resultado dos baixos preços no passado. Pecuaristas e frigoríficos tinham que montar um sistema que não desse sustos.
RURAL – No passado, o sr. costumava dizer que era preciso divorciar a suinocultura da pecuária. E agora?
Neto – A suinocultura sofre de uma questão sanitária que vem da pecuária, mas o setor de bovinos é muito maior que o de suínos. É difícil o setor de suínos liderar o processo da febre aftosa no Brasil. Mas quando se tem um foco de aftosa, o Brasil deixa de vender bovinos e suínos para grandes mercados como Japão, Coreia, EUA e México. Suínos não são vendidos para países árabes por uma restrição religiosa. Bovinos não têm essa retrição. Então, para nós, é importante conquistarmos países que têm a restrição da aftosa. Como não conseguimos envolver os suínos, que é um setor muito grande, nós falamos: vamos divorciar, explicar que a epidemiologia da febre aftosa nos suínos é diferente da dos bovinos e que os focos de febre aftosa que ocorreram no Brasil foram com bovinos e não se transmitiram aos suínos. Que o setor de suínos é um setor integrado, são granjas maiores nas quais você tem uma biossegurança diferenciada. Nos bovinos não, porque é uma pecuária extensiva. Felizmente, o Estado de Santa Catarina avançou e obteve o status de livre de febre aftosa sem vacinação para bovinos e suínos. Ou melhor, suínos nunca são vacinados, não se vacinam suínos. Na verdade, o divórcio que houve, em vez de ser um divórcio entre espécies bovina e suína, foi o de Santa Catarina do resto do Brasil.
RURAL – Os produtores de suínos reivindicam aumento do financiamento e a determinação do Banco Central para os bancos comerciais aceitarem reprodutores suínos como garantia. Houve algum avanço?
Neto – A melhora é devagar. Continuam faltando linhas de crédito e há dificuldade de dar as garantias. Embora pelo manual de crédito rural seja possível, você não consegue que os bancos façam isso.
RURAL – Mas qual é a perspectiva?
Neto – A perspectiva é pressionar para que acelere. O governo está para anunciar a tal LEC, linha de estocagem de carne suína. O governo fala em flexibilizar as garantias, sai alguma coisa, mas sempre sai pouco e devagar.
RURAL – E a questão ambiental?
Neto – Em particular, em Santa Catarina ela é muito forte. Você pega as granjas dos nossos associados, elas estão quase que integralmente atendendo aos requisitos ambientais. É uma questão que deve dificultar a ampliação da produção nestas regiões. O dia que for necessário aumentar o número de matrizes, isso deve acontecer em outras áreas em que não haja concentração de suínos. É uma preocupação, mas não é um problema.
RURAL – Quando o mercado russo vai abrir as portas?
Neto – O Ministério da Agricultura nos mandou uma carta dizendo que negociou isso com autoridades na Rússia e que vai sair. Então tenho que acreditar que vai sair.
RURAL – O principal gargalo seria a aceleração dos processos?
Neto – Sim. Nas Filipinas houve uma missão e deve sair. No caso da China foram preenchidos todos os questionários, esperamos que saia com a viagem do presidente Lula em maio. Com relação aos EUA, o relatório tecnicamente foi favorável, mas agora, com a mudança do governo lá, atrasou um pouco. Da União Europeia deve vir uma missão para concluir e habilitar alguns Estados. Quanto à África do Sul há uma grande tendência, porque foi uma missão do Brasil em fevereiro e não conseguiu abrir, então estamos reclamando para que voltem e reabram, porque não tem sentido estar fechado. Os dois países – problema são Coréia do Sul e México, que têm sido extremamente negativos em qualquer negociação. Então o governo tem que tomar providências mais enérgicas.