01/09/2009 - 0:00
Em um estudo exclusivo, ele revela como os fundos de investimentos podem virar o jogo da próxima safra e por que os
produtores do Cerrado correm sérios riscos
Fernando Muraro Jr.
Nos últimos meses, a vida de Fernando Muraro Jr., da Agência Rural, tem sido olhar para os números. Analista de mercado há mais de 15 anos, ele diz que as primeiras previsões para as próximas safras não são boas. Muitos dos fundamentos de oferta e demanda não são tão favoráveis neste primeiro momento. Mas, num estudo revelado em primeira mão à DINHEIRO RURAL, ele fala como o comportamento dos fundos de investimentos pode virar o jogo e trazer bons resultados para o campo brasileiro
DINHEIRO RURAL – Analisando os números, o que é possível prever para a próxima safra?
Fernando Muraro – Tudo indica que 2010 não será bom para a soja. E o engraçado é que a culpa é do milho. Isso porque o preço do cereal em 2009 não empolgou ninguém. Produtores ganharam bastante dinheiro com a soja, mas não com o milho. Isso desestimulou o plantio. O Brasil está plantando a menor área dessa cultura desde a década de 1970. Em contrapartida, haverá um incremento de pelo menos de um milhão de hectares de soja em cima do milho no Brasil e três milhões na Argentina. Só na América do Sul, serão quatro milhões de hectares em áreas plantadas. Por quê? Por que o bushel da soja, cotado em Chicago, saltou de US$ 8 em dezembro de 2008 para US$ 13 em junho de 2009. E o milho? O milho não passou de US$ 4.
RURAL – E quanto à rentabilidade, o que o produtor pode esperar?
Muraro – Depende da situação do câmbio, se vai estar acima ou abaixo de R$ 1,80. A rentabilidade do Cerrado, por exemplo, já é negativa. Os custos de produção já estão acima da rentabilidade por hectare. Em Cuiabá, o sinal está amarelo. Se o dólar permanecer ao redor de R$ 1,80, as fronteiras agrícolas ficam inviáveis. Minha recomendação aos clientes é olhar mais para o câmbio do que para Chicago, que aponta para uma retomada.
RURAL – Mas não pode acontecer um revés, ou seja, no próximo ano o milho explodir e a soja cair?
Muraro – Não. O Brasil deve passar para 2010 com um estoque de quase 11 milhões de toneladas, o que dá para segurar bem a redução da área plantada. Se tivermos problema na safra de verão, começamos a falar de escassez de milho. Caso contrário, o milho começará a reagir no segundo semestre do ano que vem.
RURAL – Anos atrás, o sr. dizia que o câmbio abaixo dos R$ 3 não tinha jeito. Agora, o sr. fala de R$ 2. O que aconteceu?
Muraro – O pessoal ficou mais eficiente. Antes, a produtividade média era de 45 sacas por hectares. Hoje quem colhe menos que 55 sacas por hectare em Mato Grosso está em uma situação complicada. Todo mundo quer 60 sacas para sobreviver.
RURAL – Mas o que levou a este aumento?
Muraro – Foram a eficiência e o manejo. Hoje, a ferrugem já deixou de ser um problema, o agricultor brasileiro maneja a lavoura como ninguém e o clima vem ajudando.
RURAL – Tem como Chicago compensar o câmbio ou é difícil?
Muraro – É difícil. Pelo cenário da oferta e demanda, vai ser delicado para a soja, porque temos crescimento da área plantada na América do Sul e uma excelente safra nos EUA. Se o clima ajudar no Hemisfério Sul, podemos ter uma recuperação de estoques. A produção mundial este ano foi de 210 milhões de toneladas.
RURAL – Mas onde o Brasil está crescendo em área, se no Centro-Oeste a situação está complicada?
Muraro – Lá, cresce um pouco sobre o algodão e no Sul cresce em cima do milho.
RURAL – Isso porque o sinal também está amarelo para o algodão…
Muraro – Exatamente. As pessoas vivem de alimentos, deixam de comprar roupas, mas não de se alimentar. Por isso o algodão sofre tanto. Mas, se a crise for embora, os produtores de algodão podem se dar bem no médio prazo.
“Os fundos de investimentos podem alterar os preços da próxima safra. É a era das bolhas”
RURAL – O sr. acha que a agricultura ainda é viável no Sul do Brasil? Muraro – É sazonal. A safra 2009/2010 será de El Niño e isto é bom, são anos historicamente ligados à produtividade mais elevada. No Sul, o problema é a produção. No Norte e Centro-Oeste é preço. É este o jogo. Como diz Adoniran Barbosa, “Deus dá o frio conforme o cobertor”.
RURAL – Mas um de seus estudos revela uma ação mais que intensiva dos fundos…
Muraro – Estudamos o comportamento do cobre, petróleo, da soja, do milho, euro e dólar. Em todos os casos, a curva de valorização e desvalorização obedeceu à mesma lógica, ignorando as leis da oferta e demanda.
RURAL – Ou seja, caso os fundos voltem a operar com força, os preços voltam a subir…
Muraro – O mercado vem vivendo nos últimos anos uma sofisticação absurda. As commodities agrícolas têm seguido todas as outras commodities, o que mostra que os fundos estão influenciando muito. Não por acaso, no mês de março, nós tivemos a melhor cotação. Hoje o mercado agrícola é baseado em fundos de investimento que trabalham não a oferta e demanda, mas a proteção do dólar.
Em um estudo exclusivo, ele revela como os fundos de investimentos podem virar o jogo da próxima safra e por que os
produtores do Cerrado correm sérios riscos
RURAL – E como o produtor trabalha dessa forma?
Muraro – Ele tem de se especializar e aprender a jogar esse jogo. E acima de tudo não querer ganhar sempre, o tempo todo. É engraçado como às vezes há pessoas que torcem para que o mercado caia só porque ele já vendeu. Deixar de ganhar faz parte do jogo, o importante é vender bem.
RURAL – E o endividamento no Centro-Oeste?
Muraro – Continua elevado, mas 2009 foi um ano acima das expectativas e deu para diminuir um pouquinho. As preocupações se voltam para 2010, pois as margens estão muito apertadas. Precisaríamos de dois anos como 2009, com rentabilidade acima de R$ 400 por hectare, para retomar o crescimento da área plantada no Centro-Oeste, principalmente em Mato Grosso.
RURAL – E o risco, ainda fica por parte das empresas que financiam esse mercado?
Muraro – Sim. Nos últimos dez anos, quem tem assumido o risco de comercialização e da queda dos preços são as revendas que vendiam e não havia lastro. Hoje, o que percebemos é um aumento da troca de insumos por produtos e o cálculo para o pagamento é feito em safras por hectare e não mais por um preço.
RURAL – Mas esse modelo parece um pouco atrasado…
Muraro – Pode parecer, mas funciona. É melhor do que o sistema de balcão, que ainda é usado no Sul, por exemplo. Toda empresa grande hoje em dia tem um departamento de troca, associado a uma trading. É uma espécie de seguro natural em que todos se protegem e os riscos não ficam apenas nas costas das empresas.
RURAL – E a questão dos transgênicos tomará mais espaço na próxima safra?
Muraro – O Brasil surpreende, porque tanto os EUA quanto à Argentina, desde que adotaram essa tecnologia, em menos de cinco anos, atingiram quase 95% da área plantada. No Brasil, não. A safra 09/10 vai ser marcada por 70% de transgênicos. Tem muito convencional ainda, mas, com a chegada de novas variedades transgênicas, acredito que o Brasil vai chegar perto dos a 90% nos próximos três anos.
RURAL – Muitos dizem que os produtores vão ficar nas mãos de poucas empresas, como a Monsanto…
Muraro – Não acredito, porque, embora existam poucas empresas no setor, há uma concorrência. Cabe ao Estado regular para evitar a concentração. Mas, o fato é que essa tecnologia foi aceita pelos produtores.
RURAL – O sr. acha que é possível aumentar os prêmios aos convencionais?
Muraro – Já teve seu boom, mas agora é nicho. Não tem mais toda aquela demanda. Pode ser que aconteça, mas não apostaria nisso.
“O preço da logística no Centro-Oeste pode trazer rentabilidade negativa, principalmente em Mato Grosso”
RURAL – Como o sr. tem visto o trabalho dessas tradings gigantes, como grupo Maggi, SLC, Vanguarda?
Muraro – Aconteceu uma expansão forte, porque muitas empresas ou fundos de investimento se juntaram a estes grandes produtores. Agora os fundos estão com menos apetite. A preocupação é com os pequenos e médios produtores que, se não obtiverem rendimentos acima de 55 sacas por hectare, correm o risco de sair do mercado.
RURAL – Como está o clima no Meio- Oeste americano em relação aos subsídios? Eles continuam altos.
Muraro – Especialmente na soja, os preços estão bem distantes dos preços mínimos. Desde 2004 que não se fala mais nisso. Eles já estão na lei de mercado, o que significa que não se chega naquele piso em que o governo paga a diferença. Portanto, esse é um assunto que não está em pauta no momento.
RURAL – Movimentos como os da ADM, que vai produzir uma parte de etanol a partir de milho, vão continuar?
Muraro – Com a queda do preço do milho, que está se aproximando de US$ 3, e com o barril de petróleo a US$ 70, a rentabilidade das usinas voltou a melhorar. Elas tiveram uma ressaca com a crise, porque com o preço do petróleo a US$ 40 e o milho a US$ 4 a coisa ficava inviável. Agora, o preço do milho se estabilizou e o preço do petróleo se mantém a quase o dobro de seus melhores preços. O etanol está lá consumindo um terço da safra americana.
RURAL – E qual será o papel dos chineses?
Muraro – Eles estão fazendo o papel deles. No ano passado, a China colheu 16 milhões de toneladas e comprou bem do Brasil. Este ano, eles estão falando em colher 14 milhões. A China continua fazendo um papel belíssimo do lado da demanda. Na safra passada, eles importaram 40 milhões de toneladas, o que deve se repetir.