A pecuária está presente em mais de 60% das propriedades pesquisadas pelo censo do IBGE

Há pouco mais de um mês o governo brasileiro divulgou os dados relativos ao censo agropecuário, com números referentes ao ano de 2006. A época do estudo é emblemática, porque a pesquisa se realizou num dos piores ciclos da agricultura brasileira.

profissionalização: apenas 22% dos produtores brasileiros usam algum tipo de assistência técnica

Os baixos preços das commodities se juntaram a um real valorizado e o resultado dessa combinação corre nas renegociações de dívidas do setor, estimadas em mais de R$ 30 bilhões.

Ainda assim, as planilhas mostraram um campo forte, porém vítima de uma ideologia transportada para a pesquisa. Pela primeira vez na história, o censo do IBGE dividiu a agricultura entre familiar e empresarial.

Mesmo sem afirmar de forma categórica, os dados foram dispostos de maneira a colocar em lados opostos pequenos e grandes produtores. Nem bem os dados vieram a público, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, ironizou a agricultura profissional, afirmando que os pequenos eram responsáveis por 70% da comida posta à mesa do brasileiro e, portanto, mais importantes no contexto nacional.

A senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, não demorou a rebater mostrando que 88% da riqueza produzida vem das grandes propriedades rurais. E ainda emendou: “O Brasil é o único país em que existem dois ministérios da Agricultura”, se dirigindo a Cassel, cuja pasta concorre com o Ministério da Agricultura em muitos aspectos.

sem sentido: pesquisa CNA/Ibope mostra que 48% dos assentamentos não produzem nada

Pouco mais de uma semana depois, a mesma CNA divulgou um estudo do Ibope realizado em cerca de mil assentamentos e apresentou dados alarmantes que colocaram em xeque a política agrária do governo brasileiro e Cassel, por sua vez, se viu obrigado a dar explicações.

Segundo apurou o Ibope, 72% dos assentamentos não são produtivos e estariam muito abaixo dos índices colocados pelo próprio Incra.

Desse universo, 48% não produzem absolutamente nada e ainda 46% das famílias compraram as terras de terceiros, o que é proibido pela lei. Rolf Hackbart, presidente do Incra, tentou desmerecer a pesquisa, dizendo que o universo pesquisado representa apenas 0,1% dos assentamentos, portanto não poderia ser levada a sério.

crédito: cerca de 77% dos assentados pelo governo não têm acesso a financiamentos

O Ibope discorda: em nota oficial, o instituto afirmou que a metodologia utilizada está conformidade com os padrões internacionais.

A pesquisa divulgada pela CNA foi entendida pelo Palácio do Planalto como uma provocação, visto que, realizada entre os dias 18 e 19 de setembro deste ano, teria o claro propósito de fazer um contraponto ao estudo oficial do IBGE.

O golpe mais duro, porém, aconteceu numa área cara ao governo: o crédito. Segundo apurou o Ibope, 77% dos assentados não têm acesso a financiamentos, o que coloca em dúvida a eficiência de programas dirigidos a esses grupos.

A posição da CNA é clara: não se deve fazer distinção entre nenhum tipo de agricultura, e mesmo no caso dos assentamentos é preciso dar as ferramentas para que eles prosperem e, acima de tudo, fiscalizar se a terra está cumprindo o papel para o qual foi destinada, com o mesmo rigor atribuído às outras propriedades passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.

Mas os dois estudos não mostraram apenas discordâncias. Tanto o Censo do IBGE quanto a pesquisa do Ibope apontaram a criação de gado como a principal atividade nas áreas rurais,atingindo uma ocupação acima de 60% das propriedades.

Outros números ainda mostram um avanço na questão tecnológica. Até 2006 a taxa de lotação na pecuária, ou seja, o número de cabeças por hectare, não passava de 0,7 – mas no último levantamento o número ficou acima de 1.

“Isso mostra um aumento na tecnologia, muito provavelmente impulsionado por um melhor manejo de pastagens”, avalia o analista da Scot Consultoria Fabiano Tito Rosa. A boiada também caminha para o norte, segundo o que apurou o IBGE.

O censo observou a ocupação de novas fronteiras no leste do Pará, em praticamente todo o Estado de Rondônia e no noroeste do Maranhão.

“O estudo, na verdade, firmou uma posição que era bem conhecida, visto que o Pará vem se tornando um dos principais produtores de carne”, completa Tito. A boa notícia é que, mesmo em áreas consideradas novas, há uma tendência para a intensificação dos rebanhos, num modelo mais sustentável de ocupação da terra.

Os números, porém, trouxeram uma má notícia. Dos 5,2 milhões de estabelecimentos pesquisados, constatou- se que 80% dos produtores rurais são analfabetos ou possuem baixíssima escolaridade. Verificou-se que, conforme aumenta o grau de escolaridade, melhor é o desempenho da propriedade.

Apenas 22% se utilizam de recomendação técnica e, não por acaso, o número corresponde à proporção de estabelecimentos que têm crescido nos últimos anos. “É uma tendência: o produtor mais informado tem mais chances de ser bem-sucedido na atividade em relação àquele que não acompanha as tecnologias e, principalmente, a comercialização”, pondera o analista de mercados Fernando Muraro Jr., da Agência Rural.

Ao observar os números colhidos pelas pesquisas há, no entanto, a percepção comum de que a atividade agropecuária é fundamental para o País, seja na produção de alimentos para a mesa dos brasileiros, realizada por pequenos produtores, seja nas grandes lavouras que trazem divisas ao Brasil. “Todos são agricultores”, define Kátia Abreu.