Foram necessários quase 12 anos de discussões, ao longo de quatro legislaturas. Só em sua atual versão, entre a nomeação do comunista Aldo Rebelo (PCdoB/SP) à relatoria do novo Código Florestal e sua aprovação pela Câmara dos Deputados, na noite de 24 de maio, o debate se arrastou durante 21 meses. O esboço da nova legislação ambiental brasileira foi traçado com a aprovação de 430 dos 513 parlamentares, na primeira derrota para a presidente Dilma Rousseff no Legislativo. Ao fim da novela, a bancada ruralista havia demonstrado sua força e conquistado a aprovação de uma emenda que consolida atividades agrícolas em Áreas de Proteção Ambiental (APPs) – margens de rios e encostas de morros –, desde que o desmatamento tenha ocorrido antes de 22 de junho de 2008. Também a contragosto do Palácio do Planalto, os deputados aprovaram uma emenda do PMDB que delega aos Estados a competência de regulamentar as ocupações em áreas de proteção – o governo queria que fosse atribuição exclusiva da União. Em recado aos ruralistas, Dilma disse que vetará todos os artigos do texto que preveem anistia a desmatadores.

A derrota do governo na Câmara ocorreu a despeito de uma série de tentativas do Planalto de organizar a pressão em torno dos deputados. As reuniões com líderes partidários da base aliada e o convite a ex-ministros do Meio Ambiente para que protestassem em Brasília contra a proposta dos ruralistas se mostraram ineficazes. Até mesmo pontos do relatório original de Aldo Rebelo apoiado pelo governo foram modificados sem grande resistência da própria base governista. Foi aprovado, por exemplo, o artigo que isenta proprietários de imóveis de até quatro módulos fiscais (de 20 a 400 hectares, dependendo do Estado) de recompor o desmate em APP, feito antes de junho de 2008. O governo também era contrário à inclusão das APPs no percentual mínimo de reserva legal (área preservada de desmatamento) das propriedades. Na prática, essa medida reduz a área que os produtores são obrigados a conservar – 80% da propriedade na Amazônia, 35% no Cerrado e 20% nos demais biomas.

Apesar da aprovação na Câmara, a reação do governo mostra que a polêmica acerca do Código Florestal está longe do fim. No Senado, os ruralistas pretendem ocupar a relatoria do projeto de lei, cargo com maior influência sobre o teor final da proposta, e alterar pontos que ainda os desagradam. O mais cotado para a tarefa é o peemedebista Luiz Henrique da Silveira. Como governador de Santa Catarina, em 2009, ele sancionou uma lei estadual – hoje questionada no Supremo Tribunal Federal (STF) – que autorizou seu Estado a, por exemplo, definir áreas de APP menores que as previstas no Código Florestal. Ainda há divergências também sobre se o texto aprovado pela Câmara traz a anistia ao desmatamento de APPs, conforme aponta o governo. Segundo o deputado Aldo Rebelo, a União definirá as áreas que terão de ser reflorestadas no decreto de regulamentação da lei. “Há uma série de desinformações que têm circulado pelo governo”, diz Rebelo.

 

A discórdia continua: aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados, o texto que desagradou o governo agora será discutido no Senado

Outra mudança que os ruralistas querem inserir no Código Florestal é a extensão do prazo para o agricultor aderir aos programas de recuperação ambiental, o que permitirá a troca das multas por reflorestamento. No texto aprovado pela Câmara, os produtores têm 90 dias para fazer o levantamento das áreas degradadas. A bancada quer recuperar o texto original de Rebelo, que estabelece um prazo de cinco anos para que os Estados concluam o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE, a definição das atividades que podem ser desenvolvidas de forma sustentável em cada território) e os produtores se enquadrem na legislação ambiental. “O produtor não tem condições de atender a isso, nem há gente suficiente com capacidade para fazer o estudo da área conservada de tantas propriedades”, afirma o deputado Abelardo Lupion (DEM-PR).

O pleito dos ruralistas que deve motivar maior resistência do governo federal é o aumento da autonomia dos Estados na regulamentação do meio ambiente. No texto aprovado na Câmara, avalia o governo, há perda de poderes para a União. “Cada Estado sabe de seu meio ambiente e deve poder legislar sobre ele”, afirma o deputado Moreira Mendes (PPS-RO). Aldo Rebelo rebate, dizendo que as normas federais devem prevalecer sobre as normas estaduais. Ainda assim, a bronca de ambientalistas e do Palácio do Planalto foi grande. Ao fim da sessão que aprovou o novo código, o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), escancarou a insatisfação com as mudanças conquistadas pelos ruralistas. “A presidente Dilma considera essa emenda uma vergonha”, disse. A presidente prometeu vetar a lei se ela for aprovada da mesma maneira no Senado.