02/07/2019 - 14:38
O produtor rural Frederico D’Avila, 41 anos, cultiva soja, milho, aveia e feijão em 1,3 mil hectares no interior paulista. Desde março, ele frequenta os corredores da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Eleito deputado pelo PSL em outubro, D’Avila é um novato na função. Mas não é um neófito na política, pelo menos naquela relativa às demandas do agronegócio. Antes de ser eleito, D’Avila já fazia parte do conselho da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e era o vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja de São Paulo (Aprosoja-SP). Agora, como deputado, a ideia é formar uma Frente Parlamentar da Agropecuária Paulista. Isso porque, embora o lado urbano de São Paulo seja seu cartão postal, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio do Estado representa cerca de 20% do PIB nacional.
É o maior do País, com forte presença da agroindústria e de serviços. “Precisamos de representatividade”, diz D’Avila. “Reserva de água e segurança no campo são pautas urgentes.” Confira a entrevista exclusiva que ele concedeu à DINHEIRO RURAL.
DINHEIRO RURAL – Por que criar uma Frente Parlamentar do Agronegócio em São Paulo?
FREDERICO D’AVILA – Nunca houve uma frente com esse tema no Estado. Ainda como conselheiro na Sociedade Rural Brasileira (SRB) e vice-presidente da Aprosoja-SP, recebi a solicitação para criar uma frente nos moldes da frente nacional, em Brasília. Com a entrada do governador João Doria e a escolha de Gustavo Junqueira, que já foi presidente da SRB, para secretário da Agricultura, isso foi reforçado. No passado recente, veio uma avalanche de demandas que envolveram o produtor, como a exportação de gado vivo pelo porto de Santos, proibição da caça do javali, pulverização aérea e leite do Uruguai. São temas que afetam o produtor e precisamos de representatividade para tomar posição. Eu, por exemplo, sou contra a caça aleatória. Mas, com o javali e o javaporco, não há outra maneira de controlar, que não seja caçando. Na pulverização aérea, como controlar doenças em lavouras de banana, com plantas de dois metros de altura?
RURAL – A frente seria uma cópia da nacional?
D’AVILA – Não dá para comparar, porque em São Paulo são 94 políticos e em Brasília, são 513. O Estado também não tem muitas pessoas diretamente ligadas ao agronegócio. Pode haver simpatizantes a um determinado tema, sensíveis às propostas, e até um apoiador que, dentro de uma determinada situação, venha a abraçar o setor. Mas falta conhecimento. Não é como
a frente nacional, onde todo mundo entende do assunto. São Paulo não é assim. E isso não é nenhum demérito. Nós somos um espelho da população. Dos 43 milhões de habitantes, 88% estão nas zonas urbanas. Pouca gente na Assembleia tem a agropecuária como sua principal atividade econômica. Diferentemente de outros estados, como Rio Grande do Sul e Paraná, por exemplo. Mesmo assim, propus a frente e coletei 28 assinaturas, de 5 partidos. E precisávamos apenas de 20 assinaturas. A frente virou um xodozinho, querida por todos.
RURAL – Como ela vai funcionar?
D’AVILA – A frente se forma por adesão, tanto de um político que seja membro como daquele que apenas apoia. Na Assembleia, há frentes de tudo quanto é coisa que se possa imaginar. Atualmente, há 92 frentes protocoladas em São Paulo, esperando para ser implantadas. Agora, a frente em Brasília se tornou relevante, porque foi criado o Instituto Pensar Agropecuária, com os associados botando dinheiro para ter uma base de apoio técnico que subsidia o trabalho dos parlamentares, com jornalistas, advogados, ambientalistas, agrônomos, meteorologistas. Enfim, uma equipe técnica qualificada e bem paga. É esse o nosso desafio.
RURAL – Que temas são pertinentes à frente paulista?
D’AVILA – Propus a Frente Parlamentar da Agricultura e Irrigação. Lógico que agricultura compreende pecuária, porque sem pasto, ela não existe. Irrigação é um tema inexplorado, um negócio subaproveitado em São Paulo. É preciso olhar para a reserva de água, um problema seríssimo. Aos olhos de um leigo, fazer um açude em uma propriedade rural é gravíssimo. Fazer uma represa, cisterna ou tanque de peixe é ambientalmente burocrático. Os técnicos até entendem a necessidade, mas há receio de autorizar uma obra, porque ela é facilmente resvalada para entraves jurídicos. E o produtor pode ser atingido pelo Ministério Público com questionamentos sobre Áreas de Proteção Permanente (APPs), por exemplo. Mas não há água fora das áreas de APPs, no topo do morro. A seca terrível que os paulistas passaram em 2015/2016, com falta de água até na capital, poderia ser evitada, se houvesse uma política de reserva de água nas propriedades rurais.
RURAL – O senhor poderia dar um exemplo?
D’AVILA – As dificuldades são geradas pelo novo Código Florestal. No caso da lei para a região da Mata Atlântica, não se pode, em hipótese alguma, cortar ou suprimir uma única árvore em um determinado estágio de vida. Mas, para represar água, alguma vegetação vai ser suprimida. A proposta é que armazenar água nas propriedades rurais possa ser feito dentro da lei.
RURAL – Como comunicar esse tipo de ação, de arrancar árvores, a uma sociedade urbanizada que pouco olha para o campo?
D’AVILA – Não é fácil cuidar dos problemas do dia a dia, inerentes à atividade do produtor, e ainda cuidar dessa outra parte, que é ficar se explicando para um público bombardeado diuturnamente por informações muitas vezes falsas e absurdas. Gastar tempo dizendo às pessoas que, ao sair da cama, ela já está vinculada ao agronegócio, porque o lençol dela é de algodão, que a mesa vem de árvore plantada, que o shampoo do cabelo, o colírio nos olhos, tudo acontece por causa do produtor. Explicar que o serviço no campo é bom para as pessoas da cidade. Mas nós vamos cuidar de quê? Vamos atrás das nossas demandas, como o Plano Safra, ou vamos bater boca com a Gisele Bündchen ou a Bela Gil?
RURAL – Mas o discurso dessas celebridades e de tantas outras faz sentido para muita gente.
D’AVILA – Esse discurso pega muito nas grandes cidades. Mas em Primavera do Leste (MT), Passo Fundo (RS), Maringá ou Londrina (PR), todo mundo sabe da importância do campo. O dono da loja de computador sabe que ele
não vende um aparelho se a colheita da soja não for bem. O Brasil tem 200 milhões de habitantes. Desse total, 43 milhões estão em São Paulo. Dessa população, 28 milhões estão entre Campinas e a Baixada Santista, num espaço de 128 quilômetros. Aí, quanto menos as pessoas têm contato com a natureza nos grandes centros, mais distantes elas ficam de temas ligados à produção de alimentos.
RURAL – Qual o grande trunfo da produção paulista?
D’AVILA – A diversificação de sua agropecuária é extremamente positiva. Não há um padrão único de clima e topografia, com regiões muito características. No Alto do Vale do Paraíba, tem queijo, manteiga, criação de aves. Em Franca e Mococa, tem produção de café. No miolão do Estado, há bastante cana. Indo para o Pontal, tem pecuária. Descendo para Ourinhos, volta a ter um mix de culturas. E há as ilhas de excelência, como Holambra com as flores. Pilar do Sul e São Miguel Arcanjo, vêm com as uvas. No Vale do Ribeira, tem banana, búfalo, chá, palmito. Para cima, em Itapeva e Itararé, há madeira para celulose, goma, resina. Bastos tem ovos. Pardinho tem criação de gado puro e centrais genéticas. O Estado possui o maior PIB agrícola do Brasil, justamente por causa da diversidade. A nossa cesta não depende de uma só galinha.
RURAL – Como a irrigação beneficiaria os produtores?
D’AVILA – Em muitas áreas, como nas regiões de solo arenoso, a irrigação seria extremamente viável, porque são zonas muito vulneráveis. Há, também, áreas de solo muito fértil, mas o intervalo de chuvas não é regular. Aí, qualquer seca prejudica a produção. Com a irrigação, seria possível explorar com segurança áreas que hoje são marginais.
RURAL – Qual seria o impacto no PIB com a irrigação?
D’AVILA – Acho que o PIB agrícola paulista cresceria uns 20%, talvez até 30%. Porque não é somente a cultura de grãos que se beneficiaria. É gado embaixo de pivô, cana-de-açúcar, frutas, como acontece no Estado do Ceará. São atividades que poderiam responder por 50% de aumento da produtividade. Estamos elaborando um Plano Estadual de Irrigação, onde entra a reserva de água. Porque água é como dinheiro: a gente usa pra tudo. Para energia, piscicultura, agricultura, abastecimento humano e industrial.
RURAL – Que outras pautas o senhor considera importantes?
D’AVILA – A segurança do patrimônio no campo. Foi uma das minhas propostas de campanha mudar o nome da Polícia Ambiental para Comando da Polícia Rural e Ambiental. Essa polícia ainda é vista com maus olhos pelo setor agrícola, porque ela tem a cara de uma viatura e um talão de multa. A ideia é que a Polícia Ambiental fiscalize com sua patrulha rural e também faça a segurança rural, contra o roubo de máquinas, defensivos, gado. Precisamos de uma ronda extensiva rural. Um tipo de força tática para crimes específicos do campo. Como tem o COI para resgate em matas, os bombeiros, a proteção a roubo de banco, proteção de pessoas, da mulher. Ou seja, atende-se a um segmento específico.
RURAL – Fiscalização e segurança não são duas funções muito distintas?
D’AVILA – O policial rodoviário guarda a estrada, mas se passar uma quadrilha de banco ele tem condições de abordar. Não queremos criar um polícia só rural. Porque seria necessário outro comando, outro quartel, outra infraestrutura. Queremos justamente racionalizar. E a Polícia Ambiental é um trunfo, porque ela possui capilaridade, que é onde está a necessidade de um órgão de segurança. Assim, se ampliam os quadros na mesma estrutura, dando atribuições a uma polícia que já existe. Como patrulhar um bairro rural com denúncia de roubo de gado, cabo elétrico, máquinas. Hoje, a ambiental não faz isso.
RURAL – Isso é apenas uma ideia ou já existe algum estudo?
D’AVILA – Já conversamos com os secretários da Agricultura e com o executivo da Polícia Militar. Estamos acabando de desenhar o modelo para apresentar ao secretário de Segurança Pública e ao governador João Doria, que é muito rápido na tomada de decisões. Como ele veio da iniciativa privada, sabe que tempo é dinheiro. Na atividade rural, esse ditado é ainda mais verdadeiro.