15/09/2014 - 11:45
Todos os anos, cavalos, touros, bezerros, peões e uma profusão de turistas de todo o Brasil e do Exterior chegam a Barretos, no interior paulista, para o maior evento sertanejo da América Latina. A Festa do Peão de Barretos recebe por ano quase um milhão de visitantes e cerca de 500 competidores para provas de montaria, team penning e três tambores. É o retrato mais bem acabado de um país que se urbanizou muito rapidamente nas últimas décadas, mas que conserva em seu DNA uma forte herança do mundo rural. No mês passado, entre os dias 21 e 31, mais uma vez essa origem foi celebrada durante a 59ª edição da festa, que ocupa uma área de 188 hectares, a oito quilômetros do centro da cidade. “Com ela, mantemos a cultura do peão estradeiro, aquele que tocava o gado até o frigorífico”, diz Jerônimo Muzetti, empresário do ramo de veículos e presidente da associação Os Independentes, criada em 1955, que organiza a Festa do Peão.” Os fundadores da associação tinham contato com esses peões estradeiros, muitos dos quais eram filhos de fazendeiros.” Nesses dez dias, a cidade de pouco mais de 100 mil habitantes se agiganta nos preparativos para receber os amantes da música do interior e das comidas típicas, além daqueles que se identificam com a cultura country. “A festa é uma mistura que agrada a todo mundo”, diz Muzetti. “Estamos de braços abertos para receber todo tipo de público.” A edição de 2014 foi a sétima comandada por ele.
Organizar a festa de Barretos, que fatura R$ 20 milhões a cada ano e injeta pelo menos dez vezes mais no comércio local, não é uma tarefa fácil. A associação Os Independentes, que tem cerca de 100 funcionários fixos, passa a contar com cerca de dez mil colaboradores temporários, entre contratados diretos e indiretos, durante o evento. “O desafio da festa é melhorar sempre, porque é isso que os frequentadores do parque esperam”, diz Muzetti. Neste ano, por exemplo, foi implantada uma nova tecnologia para a compra dos ingressos, na qual o cartão de crédito é utilizado diretamente nas catracas de entrada, facilitando o acesso ao parque. “O ingresso é o próprio cartão de crédito.” Inaugurado em 1985, o Parque do Peão, com capacidade ara receber até 100 mil pessoas, abriga mais de 300 metros quadrados em painéis de LED para a exibição das atrações, dois mini-shoppings, feira gastronômica e um museu que conta a história das montarias, além de ambulatórios médicos e uma área de camping com capacidade para até 15 mil pessoas, porque os hotéis e as pousadas da região não dão conta de acomodar os turistas.
Para se manter atualizado sobre o mundo dos rodeios, Muzetti viaja com frequência ao Exterior. Nesse roteiro, duas festas são obrigatórias: em Calgary, no Canadá, ele visita o centenário Calgary Stampede, considerado o maior rodeio do mundo, e nos Estados Unidos não deixa de ir ao PBR World Finals Las Vegas. Somente na festa americana Muzetti já esteve por mais de dez vezes. “Os rodeios americanos são muito bem produzidos e aprendemos com eles”, afirma. “Mas a nossa festa se parece mais com a do Canadá, com um formato de espetáculo e feira gastronômica.” Muzettti também destaca a importância da valorização do peão de rodeio como profissional de um esporte que acontece com mais intensidade lá fora do que aqui. “Nos Estados Unidos, os competidores são atletas profissionais e ídolos”, diz. Em Las Vegas, por exemplo, o peão vencedor do rodeio chega a ganhar até US$ 4 milhões em prêmios. Segundo Muzetti, encarar o peão como atleta de alto nível é um processo cultural que ainda está em construção no Brasil.
Outra diferença em relação aos americanos, mas aí a favor da festa brasileira, é a intensidade da diversão no Parque do Peão. Por conta disso, nos últimos anos, é cada vez maior a presença dos próprios americanos, além de mexicanos, portugueses, uruguaios e argentinos. “Em Barretos, a festa começa às sete da noite e vai até as quatro da madrugada”, diz Muzetti. “O rodeio americano, que geralmente acontece em estádio de futebol, também começa às sete da noite, mas às dez o lugar já está vazio.” Para aumentar ainda mais a animação, a festa brasileira deste ano passou a contar com alguns shows coletivos, nos quais mais de duas atrações se apresentam em um mesmo palco. Foi o caso das duplas Chitãozinho e Xororó e Milionário & José Rico. “Essa interação entre os artistas agrada muito ao público”, diz Muzetti. Que o diga o cantor sertanejo Cristiano Araújo, que recebeu o título de embaixador da 59ª Festa do Peão de Barretos, e se apresentou ao lado da dupla Bruno e Marrone. “Bruno e Marrone são meus ídolos”, diz Araújo. “Essa mistura é espetacular porque podemos trocar experiências e aprender uns com os outros.” Barretos também é um local para se preservar tradições de um Brasil genuinamente rural. Entre as atrações tipicamente do interior estão a brincadeira do pau de sebo e a queima do alho. No primeiro caso, ganha uma prenda aquele que conseguir subir em um tronco de árvore escorregadio, que, para muitos, é impossível de escalar. Já a queima do alho faz parte da culinária das comitivas de peões de boiadeiro, com o preparo de uma refeição à base de arroz carreteiro, feijão e carne, num fogão improvisado, próximo ao chão. “A queima do alho é um ritual que representa o boiadeiro”, diz Matheus Calil, diretor da Viola Show, empresa que também organiza eventos semelhantes ao de Barretos, como os rodeios de Sertãozinho (SP), o da Expoacre, em Rio Branco, e o Ribeirão Rodeo Music, na vizinha Ribeirão Preto.
“Barretos ajuda a perpetuar o mundo sertanejo”, afirma Calil. “Essa cultura tradicional não pode morrer nunca.” Na festa Ribeirão Rodeo Music, que completou uma década de existência em maio deste ano e recebeu um público de 120 mil pessoas, houve concurso de berrantes e uma exposição com mais de 1,3 mil discos de música sertaneja de raiz.
Outra característica que valoriza Barretos é o fato de o local da festa funcionar como palco para que as empresas se apresentem. A cervejaria Ambev e a Minerva Foods, um dos maiores grupos frigoríficos do Brasil, são patrocinadores da festa e mantêm ranchos no parque para realizar ações de marketing e propaganda. Da receita total do evento, R$ 10 milhões vieram desses patrocinadores. Para a Minerva, que participa há mais de duas décadas, a Festa do Peão é a sua principal ferramenta de relacionamento. Segundo Luís Ricardo Alves, diretor comercial e de logística da empresa, o evento traz resultados importantes para a marca. “Atingimos nosso público-alvo e nos relacionamos de maneira mais informal e tranquila do que em outros eventos do agronegócio”, diz Alves. O rancho da Minerva, instalado no parque, tem capacidade para receber até 1,7 mil pessoas por dia. “Cada dia da festa é dedicado a um tipo de cliente, como fornecedores, acionistas, e todos se divertem.” Segura, peão.