08/06/2020 - 9:30
A pandemia de Covid-19 não travou o agronegócio brasileiro, mas puxou o freio de mão das máquinas e implementos agrícolas. Em abril, quando o isolamento social levou à interrupção das atividades de montadoras em todo o País, a produção da indústria automotiva recuou 99% sobre o mês de março. Foi o pior resultado desde 1957, quando a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) começou a contabilizar os números do setor. Em março, foram produzidos 190 mil veículos no Brasil. Em abril, apenas 1.847, incluindo automóveis, comerciais leves (picapes e furgões), caminhões e ônibus. Essa queda pode impactar profundamente a cadeia do agronegócio já este ano – e ter consequências futuras.
A expansão no uso de máquinas e equipamentos na agricultura brasileira foi marcada por uma onda de investimentos e políticas públicas, que alavancaram a produção e as vendas. Os dois principais exemplos dessas políticas foram o Plano Nacional da Indústria de Tratores Agrícolas, contido no Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitscheck e, anos depois, o programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Colheitadeiras, o conhecido Moderfrota, lançado no início dos anos 2000 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e que impulsionou o setor. Equipamentos modernos, como semeadoras, colheitadeiras e adubadoras, embarcam tecnologias de ponta que ajudam a cumprir o ciclo produtivo da lavoura com maior agilidade e eficiência. Assim, os grandes investimentos do produtor em máquinas agrícolas coincidem com maiores ganhos líquidos posteriores.
Uma das melhores formas de o mercado conhecer os novos modelos de máquinas agrícolas (incluindo os pequenos empreendedores) é a Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, realizada anualmente em Ribeirão Preto (SP). Em 2019, foram negociados R$ 2,9 bilhões em máquinas, implementos e outros produtos. Neste ano, após 25 edições, a Agrishow foi cancelada devido à necessidade de distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus. Segundo dados da Anfavea, 4.300 máquinas agrícolas e rodoviárias foram produzidas para o mercado interno em março. Em abril, a produção caiu para 1.752 unidades. A queda foi menor que a do setor automotivo como um todo.
Ainda assim, a redução de 59% representa o pior resultado desde janeiro de 2016, quando foram produzidas 1.653 unidades. “Como havia estoque nas concessionárias, 2.400 puderam ser vendidas em abril, número maior que as produzidas no período. Porém ficaram 41,8% abaixo das negociadas em março, que somaram 4.100 unidades”, afirma o vice-presidente da Anfavea, Alfredo Miguel. As exportações de máquinas também caíram no quarto mês do ano: foram 477 unidades, sendo que, em março, 975 haviam sido embarcadas para exportação. A queda na arrecadação com a venda externa é ainda mais expressiva: em março, 709,9 milhões de dólares, em abril, 252,8 milhões de dólares – redução de 64,4%. “Estamos vivendo três crises: de saúde, economia e política”, diz Alfredo Miguel. “E em meio a tantas dúvidas e incertezas, o produtor retrai os investimentos para proteger o fluxo de caixa e poder pagar suas contas”.
Volta aos anos 1950 Em 23 de março, com a implantação do isolamento social para evitar a transmissão do novo coronavírus, 63 das 65 fábricas que produzem para as 26 montadoras instaladas no País entraram em suspensão total de produção, deixando quase 125 mil funcionários de chão de fábrica em férias coletivas ou em banco de horas para futura compensação, enquanto o pessoal do setor administrativo passou a trabalhar em home office. Em abril, oito indústrias retomaram a produção, e 30 mil trabalhadores voltaram a seus postos, enquanto 90 mil permaneceram parados.
Naquele mês, 400 caminhões foram produzidos – um recuo de 95,2% em comparação a março, e quantidade similar à dos anos 1950. “Este impacto atingiu toda a cadeia produtiva: fornecedores, montadoras e chegou até a ponta da cadeia, nas concessionárias”, afirma Gustavo Bonini, vice-presidente da Anfavea e diretor de relações institucionais da Scania. Com o retorno gradual das atividades industriais no final de abril, quatro mil unidades de caminhões chegaram a ser comercializadas no mercado interno – número que representa queda de quase 40% sobre as vendas de março, que foi de 6,4 mil veículos.
Bonini explica que a produção de caminhões tem uma dinâmica diferente dos demais segmentos. “Algumas fábricas retomaram parte das atividades em abril para atender setores ligados ao agronegócio e à renovação de frota, já prevista por algumas empresas. Não significa uma sinalização de retomada do ritmo”, destaca. Para o executivo, qualquer tentativa de previsão sobre o mercado de pesados neste momento, seria “especulação”. Apenas 396 chassis de ônibus foram fabricados no Brasil no quarto mês do ano (353 modelos urbanos e 43 rodoviários), número 80,1% menor que o de março, e 85,8% abaixo do de abril de 2019. No acumulado deste ano, a queda na fabricação de ônibus supera a de caminhões, atingindo 28,5%.
CRÉDITO CARO O período de interrupção na linha de produção foi aproveitado pelas montadoras, que se prepararam para o retorno com novos protocolos de saúde, seguindo as recomendações das autoridades e de benchmarks mundiais. As ações envolvem distanciamento social, higiene, e uso de EPIs (Equipamento de Proteção Individual). Algumas montadoras também aumentaram sua frota para o transporte dos funcionários, a fim de manter o distanciamento dentro dos veículos. Outras ampliaram o horário de trabalho na linha de produção. “Agora vamos aguardar o mercado reagir, para seguir as demandas do ‘novo normal’”, aponta Bonini. Entre elas está a preservação dos empregos, decisão que exige fôlego no caixa e pode depender de crédito junto ao sistema bancário. “E o crédito está caro”, analisa o executivo.
Pelos dados apresentados, vê-se que o setor de caminhões e máquinas agrícolas foi afetado desde o final do mês de março e por todo mês de abril. A partir do começo de maio, a maioria das montadoras retomou a produção para atendimento de pedidos já feitos, em especial do segmento do agronegócio, “mas não sabemos como serão os próximos meses”, reflete Bonini. Para Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, a crise em decorrência da pandemia do Covid-19 é sem precedentes, por isso o setor “espera medidas de apoio do governo federal”. Em sua avaliação, o executivo considera que o único indicador positivo do setor no momento é o nível de empregos diretos na indústria, “que se mantém em um patamar de 125 mil, na soma das 26 montadoras associadas à Anfavea”.
Desafios confirmam valor do consórcio para o agronegócio
No cenário atual, em que diversos setores estão sendo afetados pelas consequências desta nova pandemia, o agro se confirma como fundamental para a retomada do País. Na esteira do agro e do transporte de cargas, o consórcio de pesados registra bons resultados.
Sabemos que a participação do agronegócio — hoje, responsável por 50% das nossas expoertações, segura e equilibra a balança comercial do Brasil. Nos últimos dois meses, observamos que, no ramo de consórcio, as categorias menos impactadas pelo distanciamento social, tanto em vendas de novas cotas como em movimento financeiro dos grupos em andamento, foram aquelas diretamente relacionadas ao agro. Em função disso, o Consórcio New Holland, voltado para a aquisição de tratores e máquinas agrícolas, tem passado quase ileso a este período. Muito desse resultado positivo pode ser atribuído às sinergias entre o modo de trabalho do pecuarista, do agricultor e a dinâmica do sistema de consórcio. Nosso cliente dos sonhos é aquele que se programa, característica inerente ao homem do campo. Já o consórcio se adapta a quase qualquer conjuntura, pois possibilita por exemplo, formas de pagamento diferenciadas aos produtores, que variam desde os tipos de cultura até o acerto por safra. É uma forma de viabilizar – sem entrada, sem a incidência de juros e com parcelas baixas – a renovação da frota, ampliação da oferta de tratores ou a aquisição de uma nova máquina, diferenciais competitivos que impactam na performance da agricultura.
Em todos os perfis, desde o pequeno produtor, que se dedica a agricultura familiar e almeja tratores de início, até o grande empresário que investe na automatização da produção, o consórcio de pesados registra crescimento. Em 2019, segundo dados da ABAC, o faturamento desta categoria superou os R$ 14 bilhões. No início deste ano, apresentava a mesma projeção e, diferente do que estava se desenhando, segue com números de vendas e arrecadação bem próximos da normalidade, mesmo depois do surgimento da pandemia. Independente do cenário, o investimento em inovação tecnológica – nos referimos a tratores de rodas e esteira, implementos agrícolas e rodoviários, colheitadeiras e cultivadores motorizados – continua como prioridade nos planos do consorciado agricultor.
Nesse momento em que os bancos e demais instituições financeiras estão passando por adaptações e ajustes, a fim de seguir ao sabor das projeções que podem se concretizar ou não, mas que atualmente restringem o acesso ao crédito, o consórcio segue com a sua dinâmica habitual: contribuindo para a construção do patrimônio e facilitando a compra de máquinas, tratores e caminhões.Para finalizar, vale deixar registrado: para nós, é uma surpresa a transformação do agronegócio para o ambiente virtual. Uma vez que as equipes de vendas estão limitadas, é uma alegria não sentirmos quedas nos números e percebermos uma mudança gradual de comportamento. Os acessos ao nosso site, por exemplo, cresceram 12% quando comparamos os meses de janeiro e abril. Assim como os demais setores da economia, a agricultura também está se adaptando com sucesso ao novo mundo digital.
*Jefferson Maciel é CEO da Conseg/SA e preside a regional da ABAC para o Paraná